Um documento elaborado pelos servidores da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) usa palavras como "desordem" e "soluções
heterodoxas" para descrever a gestão do atual governo no setor elétrico.
Em tom bastante crítico, o relatório fala ainda em "ausência de
previsibilidade" e "regras instáveis ou ambíguas" como fatores que já
podem estar travando investimentos privados.
As expressões constam de documento, obtido pelo Valor,
que serviu de base para a formulação de 19 propostas encaminhadas pela
Associação dos Servidores da Aneel às campanhas dos principais
candidatos à Presidência da República. O parecer que subsidia as
propostas evidencia a preocupação da base técnica da agência -
especialistas em regulação e analistas administrativos - com os rumos
tomados pelo setor. Não expressa a visão de diretores ou
superintendentes, mas demonstra o incômodo de gente que lida com
processos do dia a dia da Aneel, como ações de fiscalização e revisões
tarifárias.
Após uma descrição minuciosa da evolução de leis e regulamentos que
balizaram o setor elétrico no século passado, o documento entra na
análise de mudanças implementadas a partir de 2003, quando a presidente
Dilma Rousseff passou a comandar o Ministério de Minas e Energia.
"Várias medidas desde então implementadas na condução do setor nos
levam, em significativa medida, ao passado", afirma o relatório.
A primeira crítica é direcionada aos "atos normativos excepcionais"
que têm sido adotados, em detrimento de propostas com trâmite
legislativo, para mudar regras. "A mais alta esfera do Poder Executivo
sucumbe ao impulso de avocar competências e controlar instituições", diz
o texto. Na continuação, ressalta que os investimentos ficam
comprometidos quando essas mudanças são feitas "sem discussão
aprofundada ou com foco no curto prazo".
Um dos alvos é a MP 579, depois transformada na Lei 12.783, que
permitiu a renovação das concessões de usinas hidrelétricas e linhas de
transmissão. O pacote, lançado em setembro de 2012, viabilizou a redução
média de 20% nas contas de luz. Duas críticas relacionadas à medida
provisória aparecem no documento. Uma diz respeito à alternativa de
prorrogar as concessões em vez de fazer licitação pelo maior lance. Se
esse caminho tivesse sido escolhido, os recursos obtidos nos leilões
poderiam ser direcionados ao abatimento de encargos por consumidores, em
uma metodologia que os técnicos citam como "mais equitativa".
A outra crítica tem como alvo a indefinição em torno das concessões
de quatro dezenas de distribuidoras que expiram em 2015. Apesar da
proximidade do vencimento, o governo nunca deixou claro quais são seus
planos. "Absolutamente nenhum critério foi discutido ou sequer
sinalizado para o mercado. Assim, é razoável inferir que, face à
imprevisibilidade, pode haver significativos represamentos dos
investimentos pelos concessionários atuais."
A MP 579 não é o único ato governamental mencionado no documento. Em
março de 2013, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) editou a
resolução 3, que determinava o rateio transitório de custos adicionais
do setor elétrico entre consumidores, geradores e comercializadores. "O
resultado, até junho de 2014, era 56 ações judiciais, das quais 54 com
decisões liminares em vigor sustando parcialmente seus efeitos", diz o
texto.
Também não foi poupada pelos técnicos da Aneel a decisão do governo
de evitar revisões extraordinárias de tarifas por causa do acionamento
intensivo das usinas térmicas e da descontratação de energia pelas
distribuidoras. "Optou-se por efetivar soluções heterodoxas em que são
aportados recursos do Tesouro, emitidos títulos da dívida pública
mobiliária federal e vultosas operações de mútuo realizadas pela CCEE,
associação civil que não possui renda ou patrimônio."(Valor Econômico)
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