Dilma Rousseff usou o palanque da ONU como estúdio de seu programa
eleitoral, no qual aparecerá como estadista enquanto elenca o que vende
como conquistas dos anos do PT no governo. Pode-se gostar disso ou não, mas está na regra. O ponto fora da curva na
viagem a Nova York foi o ataque às intervenções militares que incluiu o
caso sírio.
Ainda que tenha modulado no discurso a crítica mais direta aos Estados
Unidos por sua ação contra o EI (Estado Islâmico), feita na terça (23), o
contexto da fala de Dilma é o de legitimação, mesmo involuntária, do
grupo radical.
A Síria, em evidência justamente pela intervenção criticada nas falas da
presidente, foi citada ao lado da crise na Ucrânia e do conflito
Israel-Palestina --onde há lados definidos e reconhecidos. A ação
americana, apoiada por vários países e com o beneplácito informal
da ONU, é facilmente criticável por tender à inocuidade militar.
Mas nem os adversários de Washington, a começar por uma Moscou que vê
ingerência na soberania de seus aliados sírios com a ação, consideram
que o EI seja algo com que se possa negociar como se fosse um ente
nacional. São radicais que, como seus reféns sabem, cortam cabeças quando não
recebem resgates para financiar seu reino de terror sobre civis.
Quando dominou 90% do Afeganistão nos anos 90, os fundamentalistas do
Taleban seguiam agenda política definida por rivalidades territoriais
tribais. Emulavam um Estado, com instituições. Já o EI, com exuberâncias
irracionais, deu um passo além.
A experiência recente desencoraja a eficácia da força, como ressalvou
Dilma ao contemporizar sua fala em entrevista após o discurso, na qual
adotou o pacifismo genérico fiel à tradição do Itamaraty. Mas se diálogo
é premissa para paz, é preciso existir interlocutores. A
decapitação do refém francês na Argélia, por um grupo inspirado pelo EI e
coincidentemente divulgada no dia da fala de Dilma, mostra que não nos
encontramos neste estágio.(Igor Gielow, Folha de São Paulo)
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