A Câmara aprovou nesta terça-feira (25) o projeto de lei que
estabelece direitos e deveres para usuários e provedores de internet, o
chamado “marco civil”
da rede. O projeto, que segue para o Senado, obriga os provedores a
guardarem, por seis meses, os registros de navegação do usuário, mesmo
sem ordem judicial determinando esse monitoramento. O acesso ao
material “grampeado”, porém, dependerá da autorização de um juiz.
O texto aprovado impede que, futuramente, os fornecedores de sinal
de internet cobrem uma fatura mais cara, ou ofereçam uma velocidade
menor de transmissão, de acordo com o tipo de conteúdo visto pelos
usuários.
Este é o chamado princípio da “neutralidade da rede”,
defendido pelo relator e a maioria dos consumidores, mas atacado pelas
empresas de telecomunicações. Porém, como já acontece hoje, os
provedores continuarão a poder cobrar mais caro de acordo com a
velocidade ou volume de dados contratados pelo cliente.
Também poderão continuar a reduzir a velocidade do cliente caso ele
extrapole um limite de dados, desde que isso seja claramente informado
ao usuário. Mas a fica proibida a criação, até então inexistente no
Brasil, de pacotes de serviço baseado em determinados conteúdos ou
“canais” na internet.
“Precisamos de lei para proteger a essência da
internet, que está ameaçada por práticas de mercado e, até mesmo, de
governo. Precisamos de regras para que a liberdade na rede seja
garantida”, justificou o relator, deputado Alessandro Molon (PT-RJ),
hoje, antes de começar a votação.
Ao contrário do que o governo e o relator queriam inicialmente, o
projeto não foi aprovado com a obrigação de as empresas estrangeiras que
possuem informações de brasileiros manterem seus bancos de dados no
Brasil.
Os chamados “data centers” ficam em diversas partes do mundo,
mas o governo desejava que todos ficassem aqui a fim de poder usar leis
brasileiras para combater casos de espionagem e violação de
privacidade, como os revelados pelo ex-agente da Agência Nacional de
Segurança dos EUA (NSA) Edward Snowden.
Os documentos exibidos por ele mostraram espionagem sobre mensagens
de email da presidente Dilma Rousseff e sobre negócios da Petrobrás às
vésperas do leilão do bloco do pré-sal em Libra. O impacto da notícia,
no segundo semestre do ano passado, acelerou a aprovação do projeto do
marco civil.
Mas na negociação com as teles e com o PMDB nos últimos dias, o
governo recuou na exigência dos “data centers” para manter o princípio
da neutralidade. Ainda assim, o projeto reforça que as empresas
estrangeiras que ofereçam serviços ao público brasileiro estão
sujeitas às leis nacionais.
Grampo
Apesar disso, ficou mantido no texto uma espécie de “grampo
permanente” dos usuários, a fim de facilitar o futuro trabalho da
polícia, do Ministério Público e do Judiciário. Os provedores ficarão
obrigados a guardar “sob sigilo” em “ambiente controlado e de segurança”
os registros de acesso a aplicações de internet de cada usuário
durante os últimos seis meses.
Com isso, quando um juiz determinar a
quebra do sigilo das futuras comunicações telemáticas de um
investigado, poderá exigir também a navegação dele nos últimos seis
meses.
O texto diz que a polícia ou o Ministério Público poderão exigir dos
provedores que mantenham “cautelarmente” os registros dos clientes por
um tempo superior a seis meses. Para obter esses dados, porém, só com
ordem judicial.
Essa medida é fortemente criticada por ativistas de internet, que
hoje abordavam consultores da Câmara para reclamar da falta de
segurança para armazenar essas informações pessoais. “Você acha que os
provedores têm segurança para isso?”, questionava um dos ativistas na
noite de hoje para um consultor que assessorava Molon. “Não, não é
seguro”, respondeu o próprio rapaz.
O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), disse que a bancada era
contra o projeto do marco civil por violar “a liberdade das pessoas”.
O jornalista Raphael Tsavkko é um dos críticos da medida. “Nossas
conversas telefônicas não são todas armazenadas em um grande servidor
para que qualquer agente do Estado possa escutá-las. Isso quem faz é a
NSA, a agência de “segurança” dos EUA”, criticou ele, em artigo para o Congresso em Foco.
“Na verdade, se há uma suspeita de crime, o Estado deve, mediante
ordem judicial, passar então a escutar nossas conversas. Não antes,
não sem suspeita.”
Vídeos e pornografia
Apesar de assegurar a neutralidade da rede, a presidente da República
poderá baixar um decreto para detalhar questões técnicas do princípio,
desde que ouça antes a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e
o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI). De acordo com Molon, o
futuro decreto deve incluir, por exemplo, permitir que os dados de vídeo
ao vivo trafeguem mais rápidos e com preferência sobre as mensagens de
email. Sem isso, os vídeos ao vivo perderiam o sentido.
Na versão do substitutivo aprovada, foi incluído, a pedido da bancada
feminina, artigo que proíbe a chamada “pornografia de vingança”,
quando parceiros divulgam imagens íntimas das ex-mulheres em redes
sociais e outros sites.
O projeto tramitava em regime de urgência constitucional desde
outubro de 2013, trancando a pauta da Câmara. Em meio a polêmicas, a
votação foi adiada diversas vezes.
Colaborou Catarine Piccioni
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