Greve

Plano Nacional de Educação seria votado hoje em comissão especial da Câmara, porém o relator José Pimentel solicitou mais tempo para avaliar as mais de 40 emendas apresentadas pelos senadores Inácio Arruda, Cristovam Buarque e Randolfe Rodrigues, ao seu relatório. 

O documento de 55 páginas possui 10 diretrizes, dentre as quais se destacam a erradicação do analfabetismo, a melhoria da qualidade da Educação e a valorização dos profissionais da área.

O documento parece ser uma versão impressa das palestras proferidas em formações de professores. Contém o óbvio: melhorar índices, promover a inclusão, respeitar as particularidades regionais. 

Estipula metas a serem atingidas em 10 anos, num processo de avaliação bienal. Prontifica-se a oferecer recursos financeiros, tecnológicos e materiais para que se consiga sair desta vergonhosa situação que é estar à frente somente de Tunísia, Jordânia, Qatar e Indonésia no ranking do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).

Até aí, nenhuma novidade. Mas, logo de cara, damos com a seguinte diretriz:


III – superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual;

Desnecessário dizer que aquilo que se lê após a vírgula foi adicionado por um esquerdista. Então vamos a algumas perguntas:
  1. Como o professor alfabetizador pode promover a igualdade racial-regional-de-gênero-e-de-orientação-sexual ao ensinar um código linguístico (a.k.a. “juntar letrinhas”)?

  2. Imaginando-se que tal diretriz seja aplicável do Fundamental II em diante, como é que o professor de matemática, ao ensinar equações por exemplo, promoverá a igualdade racial-regional-de-gênero-e-de-orientação-sexual?

  3. Uma vez que as escolas públicas trabalham com turmas completamente heterogêneas – acrescentem-se os portadores de necessidades especiais, físicas e mentais, que são jogados em turmas regulares e lotadas para legitimar a farsa da inclusão plena – oferecer a mesma aula para todos e cobrá-los com o mesmo rigor (excetuando-se os que possuem necessidades especiais, evidentemente), já não é promover a IGUALDADE?

  4. Considerando-se que alunos que moram no mesmo bairro e frequentaram a mesma escola a vida inteira, descontadas as relações familiares e o interesse individual, têm as mesmas oportunidades educacionais, oferecer cotas exclusivamente aos negros e aos indígenas deste grupo é promoção da igualdade ou discriminação?

  5. Há escolas que segregam os alunos? Se sim, por que ainda continuam funcionando? Se não, e creio que não, pois isso seria denunciado aos quatro ventos, por que enfatizar a promoção da igualdade, quando é isso o que as escolas fizeram sempre? Aliás, o ato de exigir uniforme já é a promoção da igualdade, embora alguns gestores entendam que, mesmo que o aluno tenha recebido calça, camisetas, blusa, bermuda, meias e tênis, exigir que ele use isso é humilhação e constrangimento…
Essa obsessão pela promoção da igualdade, quando os indivíduos são diferentes uns dos outros, explica o motivo pelo qual a Educação Brasileira está destinada à mediocridade:
“Mas, voltando a liberdade × igualdade, principal tensão na democracia: segundo Tocqueville, não há como evitar essa tensão porque ambas são valores de raiz da democracia. Quando você dá mais espaço para a liberdade, a tendência é de que a democracia acentue as diferenças entre as pessoas e os grupos que nela vivem. Mas a liberdade é a chave da capacidade criativa e empreendedora do homem. Quando você acentua a igualdade, a democracia ganha em nivelamento e perde em criatividade e geração de abundância para as pessoas. O politicamente correto é um caso clássico de censura à liberdade de pensamento, por isso, sob ele, o pensamento público fica pobre e repetitivo, por isso medíocre e covarde”. (PONDÉ, Luiz Felipe. Guia Politicamente Incorreto da Filosofia. São Paulo: Leya, 2012.)
Quanto às diretrizes destacadas: erradicação do analfabetismo, valorização dos profissionais da educação e melhoria da qualidade, falta um item no documento, que seria uma resposta aos três itens: diminuição da quantidade de alunos por sala nas séries iniciais. Não há qualquer menção a isso, que vem a ser a principal solicitação dos profissionais da educação. 

Imagine-se o seguinte quadro: primeiro ano, com 33 alunos de 5 e 6 anos matriculados e presentes, dentre os quais há ao menos 2 com laudos médicos, portadores de algum distúrbio, 1 autista, 10 que não levam material nunca – mesmo ganhando -, 4 violentos, que realmente batem nos colegas, e os demais alunos que nunca recebem atenção necessária do professor. 

Aliás, enquanto a professora se abaixa para corrigir um caderno, na mesa do aluno, uma criança bate na outra, o autista grita e bate a própria cabeça na parede e a menina que deixou o lápis cair no chão, antes de olhar para baixo para procura-lo, se levanta para reclamar que a outra menina roubou seu material. A cena grotesca não é comédia e não é fictícia, infelizmente. Descrevo uma das primeiras séries da minha escola em dia comum. 

Não sou alfabetizadora, mas não vejo possibilidade de alfabetizar um único indivíduo em meio a tamanho tumulto. Ainda assim, as professoras do nível I conseguem alfabetizar mais da metade da turma, todo ano, nessa condição insana, cruel, desumana. 

Às custas de muito esforço físico, esgotamento psicológico e perda vocal. Resta alguma dúvida de que a maior valorização de um profissional é permitir que ele EXERÇA SUA PROFISSÃO e não passe o período apagando fogo e contornando o caos? Alguns cairão na esparrela dos recursos infinitos, previstos no § 4º:

- Serão utilizados 50% (cinquenta por cento)dos recursos do pré-sal, incluídos os royalties, diretamente em educação para que, ao final de 10 (dez) anos de vigência do PNE, seja atingido o percentual de 10% (dez por cento) do produto Interno Bruto para o investimento em educação pública.

A esses, vai o aviso: contar com os royalties do pré-sal é, respeitando a variante popular da língua portuguesa, contar com o ovo no fiofó da galinha. É a muleta do político moralmente aleijado: “se nunca extraírem uma gota desse petróleo, não nos culpem, pois o que vale é a nossa intenção”. 

E os messiânicos DezPorcentoDoPIBpraEducação, aguardados com fé pelos professores, não representarão nada em termos salariais, se é o que esperam. É sabido que a área mais fácil de desviar dinheiro público é a Educação. 

Mas, ainda que esse valor chegasse efetivamente às escolas, em forma de recursos materiais e recursos humanos, cabe lembrar que o Município de São Paulo investe R$1.088,11 mensalmente por aluno, enquanto o Estado investe R$599,96. 

E, segundo dados do próprio IDEB 2011, as estaduais tiveram melhor desempenho no Fundamental I e na avaliação das 8ªs séries ficou pouco atrás das municipais :
Rede
4ªSérie/5ºAno
8ªSérie/9ºAno
Municipal
4.8
4.3
Estadual
5.3
4.1
Quase o dobro do investimento estadual não garante resultado equivalente na aprendizagem. Mas amacia professores calejados quase sempre.

Então já sabemos que o analfabetismo não será erradicado e que os profissionais da educação não serão valorizados. Consequentemente, não haverá melhora na qualidade também. Afinal, o professor de português do 6º ano pode ser excelente, mas como trabalhará interpretação de texto e gramática com os analfabetos?

Ele não trabalhará.

E o péssimo resultado do PISA será creditado à… tcham tcham tcham tchaaaaaaam: má formação docente e falta de investimentos na Educação.


E tem mais: para aumentar a quantidade de turmas e reduzir a quantidade de alunos por sala, é necessário ter espaço físico. 

Com a maravilhosa e milagrosa escola em tempo integral, haverá redução desse espaço, pois os mesmos alunos ocuparão as mesmas salas várias horas por dia. É difícil enxergar o óbvio. Especialmente quando deputados consultam acadêmicos e burocratas que, por sua vez, desprezam a fala dos professores.

Mas não há razão para preocupação. Afinal, o documento prevê a criação de mecanismos para resolver tudo (o termo aparece 11 vezes). Bem no estilo petista de debater, quando perguntados acerca de estratégias para resolver qualquer problema de ordem prática, eles sacam a criação/implementação/utilização de mecanismos para isso. O que são mecanismos? De onde vieram? De que se alimentam? 

Para onde vão? Clarissa explica: mecanismos são seres fantásticos que nunca foram vistos, mas se as pessoas tiverem fé, resolverão qualquer contratempo com a ajuda desses pequeninos. Nas formações continuadas, os palestrantes falam em “estabelecer uma série de ações” para enfrentar problemas graves, como apanhar de aluno portador de necessidades especiais. 

As séries de ações são o feminino dos mecanismos. No fundo, significam a mesma coisa: cada um que se vire como puder, enquanto a gente finge que está interessado nas queixas de vocês.

Esperem o pior.