sexta-feira, 14 de março de 2014

Desocupação do Lago Paranoá é caso de Justiça


Prazo para cumprimento de decisão termina na segunda. Governo deve apresentar cronograma de ações
 
Patrícia Fernandes
patricia.fernandes@jornaldebrasilia.com.br



As ocupações irregulares da orla do Lago Paranoá são velhas conhecidas dos brasilienses. 

O imbróglio, há nove anos na esfera judicial, divide opiniões. 

O Ministério Público do DF e Territórios (MDFT) acusa o governo de omissão e determinou a entrega do cronograma de desocupação e fiscalização da orla até a próxima segunda-feira. 

Especialistas, porém, discordam deste posicionamento  e ressaltam a necessidade de cautela. 

A população, por sua vez, assume preocupação com as consequências da democratização. 

A reportagem é a primeira da série De costas para o Lago, que mostra  aspectos do cartão-postal.


 O titular da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Roberto Carlos Batista, enfatizou que a ação foi proposta após ampla vistoria. Inclusive,   foi feito um trabalho criminal, com a ajuda da Polícia Técnica, que embasou os argumentos do MP. 

"A sentença transitou em julgado há mais de cinco anos. Ante a falta de ação do governo, o MP foi obrigado a pedir a sua execução. O DF não havia apresentado  proposta concreta", explicou. 

Cronograma

 Segundo Batista, antes da ação civil pública (ACP), o Ministério Público tentou resolver a questão de maneira extrajudicial. "Apenas após a aplicação da multa, o governo se mobilizou". 

O promotor  sugeriu que fosse apresentado pelo GDF, de maneira formal, um cronograma de execução para análise, com o detalhamento das fases do Plano de Recuperação da Área Degradada. 

 A sentença determinando a recuperação da área de preservação permanente  saiu em 2011, mas só no ano passado transitou em julgado, quando foi solicitada a entrega, em 120 dias, até   23 de janeiro, de um cronograma para a desocupação da orla. 

Após o requerimento do GDF, o MP estendeu o prazo por mais 45 dias. A ação foi ajuizada  em 2005. 

 O MP e o Tribunal de Justiça  concordaram com a necessidade de ampliar o prazo. Caso contrário, o GDF seria multado em R$ 5 mil diariamente.

Punição após omissão por décadas

A legislação   proíbe   construções em uma faixa de 30 metros a partir do espelho d’água. 

No entanto,  a realidade é diferente: há mansões com churrasqueiras, piscinas e espaços de lazer na beira do lago.

O presidente da Comissão de Direto Ambiental da OAB-DF, Nelson Buganza Junior,  destaca a letargia dos poderes Executivo e  Judiciário, além de criticar a falta de atenção aos demais envolvidos na questão. 

Segundo ele, os moradores devem ser ouvidos e convidados a participar dos debates, além de serem poupados na medida do possível.

 “Há inúmeras pessoas prejudicadas.  Os moradores precisam participar da elaboração desse cronograma. Afinal, eles compraram os terrenos da Terracap e o governo sempre se manteve inerte”, diz.

 Buganza confessa que não vê o desenrolar dos próximos capítulos com otimismo. “O atraso da entrega do cronograma pode gerar multa, mas o não cumprimento do que for estabelecido ali também é passível de punição”, diz. 

Segundo o especialista,   o cenário pode ser  resultado da omissão fiscalizadora.

Operações podem ficar para 2015
 
Na contramão das críticas, o consultor jurídico do DF, Paulo Guimarães, explica que dentro do zoneamento ambiental será feito o estudo do espelho  d’água para definir a distância permitida para a construção de edificações. “É um levantamento muito delicado e pode ser feito em, aproximadamente, nove meses. Após esse período, vem a elaboração do plano. 
 
A estimativa é  de que os trabalhos de fiscalização e desocupação da orla sejam iniciados somente no primeiro semestre de 2015”, relata.
 
 Segundo o consultor, o objetivo é colocar em prática todas as exigências judiciais. “A solução para a Área de Preservação Permanente deve levar em conta a situação dos envolvidos. Todos os interessados serão ouvidos individualmente e informados sobre a decisão judicial e as providências a serem tomadas, com todo o respeito aos direitos de cada um", salienta o consultor.
 
População dividida
 
A omissão do governo deixa a população em dúvida. Para alguns, o espaço é de todos e deve  ser desocupado. 
 
A dona de casa Alzira Matoso de Abreu, 74 anos, se posiciona de forma favorável à desocupação. Para ela, há um abuso por parte dos moradores da região. 
 
“O lago é nosso. É inacreditável que isso exista. Essas pessoas devem sair de lá”, ressalta.
 
 
Ela conta que a ocupação inibe as visitas da população. “Se realmente desocupassem, eu viria muito mais com a família”, opina.
 
Outros, no entanto, apesar de reconhecerem a ilegalidade, afirmam que com a democratização, os transtornos podem piorar.  
 
É o  ponto de vista do comerciante Fábio de Souza, 26 anos, que acredita que a população não estaria preparada para usufruir do espaço sem uma fiscalização constante. 
 
“Hoje, os locais liberados não têm infraestrutura e segurança necessários. Se liberar tudo, a bagunça vai ficar maior”, explica.
 
“Muita gente nem conhece o lago. Acha que pertence somente a que tem mora por ali”, relata Fábio. 
 
Segundo ele, porém, os moradores das proximidades  cuidam da preservação. “Não há muito lixo por ali, ao contrário das partes liberadas”, diz.
 
A opinião do comerciante é semelhante à da estudante Camila Carvalho, 23 anos. “Eu não sou a favor de liberarem. 
 
Infelizmente, sou obrigada a pensar assim. O governo não oferece estrutura para garantir a segurança”, afirma.
 
Obrigações previstas em sentença
 
Proferida em agosto de 2011, a sentença que obrigou o DF a desocupar a orla detalha quatro obrigações. O prazo para cumprimento era de 120 dias. 
 
Entretanto, somente metade das medidas foram executadas. Restam, ainda, as duas primeiras determinações.
 
A primeira delas é o Plano de Fiscalização e Remoção de construções e instalações erguidas na APP do Lago Paranoá, em desacordo com a vocação ambiental do lugar, observando-se as linhas poligonais que a definem e o cronograma.
 
Outra determinação é a apresentação do Plano de Recuperação da Área Degradada da APP, também acompanhado de cronograma de execução, aprovado pelo órgão ambiental local ou ao menos protocolado para exame. 
 
 E, ainda, o Projeto de Zoneamento e o Plano de Manejo da unidade de conservação, submetido ao Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental do Lago.
 
 
 
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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