sexta-feira, 20 de junho de 2014

EUA usam 'diplomacia de documentos' para aplacar tensão com Brasil, diz pesquisador americano


Atualizado em  20 de junho, 2014 -
Reaproximação: Joe Biden se encontrou com Dilma Rousseff em passagem pelo Brasil durante a Copa


O anúncio de que os Estados Unidos irão abrir o acesso a documentos referentes ao regime militar no Brasil é encarado pelo pesquisador americano Peter Kornbluh como exemplo do que ele chama de “diplomacia dos documentos”.

Segundo o especialista, ao comunicar a decisão à presidente Dilma Rousseff nesta semana, em visita a Brasília, o vice-presidente americano, Joe Biden, deu um passo para tentar melhorar as relações bilaterais, afetadas pelas revelações sobre o alcance da espionagem americana, no ano passado.
"O governo (do presidente Barack) Obama e o vice-presidente Biden estão usando o que chamo de 'diplomacia dos documentos' como maneira de começar a resolver as tensões que atualmente são um problema para as relações Estados Unidos-Brasil", disse Kornbluh à BBC Brasil.

"O esforço (do governo americano) para ajudar a Comissão da Verdade é um gesto diplomático significativo", afirma.

Diretor de documentação do National Security Archive (Arquivo Nacional de Segurança), organização ligada à Universidade George Washington, Kornbluh é uma das maiores autoridades quando se trata do acesso a arquivos confidenciais americanos.

Usando a Lei de Acesso à Informação dos EUA, sua organização é responsável por pressionar o governo americano a liberar milhares de documentos secretos e, nos últimos 20 anos, vem trabalhando ao lado de comissões da verdade em diversos países da América Latina, entre eles o Brasil.

A Comissão Nacional da Verdade foi criada no Brasil há cerca de dois anos e deve produzir um relatório final sobre suas realizações até dezembro. O órgão investiga sérias violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, mas o foco principal está nos delitos da ditadura militar (1964 a 1985).

"Temos uma certa especialização em saber como o governo americano pode ser convencido a fazer o trabalho de reunir esses documentos, revisá-los e fornecê-los às comissões da verdade", afirma.


Arquivo Pessoal
Organização liderada por Kornbluh colabora com várias comissões da verdade

Repressão

Segundo Kornbluh, os Estados Unidos já usaram esse tipo de diplomacia com outros países, como Chile, Equador, Peru e Guatemala.

Desde que iniciou seus trabalhos, em 2012, a Comissão da Verdade do Brasil pedia que os Estados Unidos liberassem documentos sigilosos relativos aos 21 anos do regime militar (de 1964 a 1985).

São arquivos do Departamento de Defesa, Departamento de Estado e da CIA (agência de inteligência americana) que podem conter detalhes sobre a repressão durante o regime.

Documentos já tornados públicos nos últimos anos mostram o envolvimento dos Estados Unidos com o regime militar brasileiro.

Mas a expectativa é de que os arquivos inéditos possam incluir relatórios sobre infraestrutura, unidades das forças de segurança brasileira, detalhes operacionais e outras informações que levem a novas revelações sobre a repressão.

Segundo Joe Biden, parte dos arquivos já foi entregue ao governo brasileiro.
"Não podemos ter certeza ainda sobre quais documentos serão liberados", afirma Kornbluh. 

"A importância das declarações de Biden no Brasil é que mostram que o governo Obama tornou prioridade revisar e retirar a classificação de Altamente Secreto que atualmente impede o acesso a esses importantes arquivos."

Visita

O vide-presidente Joe Biden é a mais recente autoridade americana a visitar o Brasil. Em março, a secretária-assistente de Estado para América Latina, Roberta Jacobson, e o secretário do Tesouro, Jack Lew, também estiveram no país.


As visitas ocorrem depois que o escândalo de espionagem revelado pelo ex-técnico de inteligência da Agência de Segurança Nacional americana (NSA, na sigla em inglês) Edward Snowden levou a presidente Dilma Rousseff a cancelar a visita de Estado que faria a Washington no ano passado.

Segundo revelações feitas por Snowden, a presidente e a Petrobras estavam entre os alvos da espionagem americana.

Em seu encontro com Dilma nesta semana, o vice-presidente americano afirmou que seu país fez mudanças em sua política de vigilância.

Biden também aproveitou a passagem pelo Brasil para assistir à estreia da seleção americana na Copa do Mundo, na segunda-feira, em Natal, em partida contra Gana.

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