Lula tem toda razão.
Existe uma campanha de ódio contra o PT.
Esqueceu-se de dizer que existe também uma campanha de ódio do PT.
Uma expôs-se no insulto à doutora Dilma na abertura da Copa.
Argumente-se que o grito foi típico da descortesia dos estádios.
O
deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, influente aliado
do candidato Aécio Neves, endossou-o durante um evento do tucanato:
“O povo mandou ela para o lugar que tinha que mandar.”
Essa é a campanha de ódio contra o PT.
Ela
pode ser identificada na generalização das acusações contra seus
quadros e, sobretudo, na desqualificação de seus eleitores. Nesse ódio,
pessoas chocadas pela proteção que Lula e o partido deram a corruptos
misturam-se a demófobos que não gostam de ver “gente diferenciada” nos
aeroportos ou matriculada nas universidades públicas graças ao sistema
de cotas.
O ódio do PT é outro, velho.
Lula diz que nunca se valeu de palavrões para desqualificar presidentes da República. Falso. Numa conversa com jornalistas, chamou o então presidente Itamar Franco de “filho da puta” e nunca pediu desculpas.
O ódio petista expôs-se em situações como a hostilização ao ministro Joaquim Barbosa num bar de Brasília e na proliferação de acusações contra o candidato Aécio Neves na internet. Se a rede for usada como posto de observação, os dois ódios equivalem-se, e pouco há a fazer.
Lula antevê uma campanha eleitoral “violenta”, pois a elite “está conseguindo despertar o ódio de classes”. Manipulação
astuciosa, recicla o ódio do PT, transformando-o no ódio ao PT. Pode-se
admitir que a elite não gosta do PT, mas bem outra coisa é rotular como
elite todo aquele que do PT não gosta.
Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras que entesourou US$ 23 milhões em bancos suíços, certamente pertence à elite e no seu depoimento à CPI viu-se que gosta do PT e o PT gosta dele.
Essa
estratégia já foi explicada pelo marqueteiro João Santana. Trata-se de
trabalhar com dois Lulas: ora há o “fortão”, ora o “fraquinho”. (Talvez
as palavras originais tenham sido outras, mais próximas do dialeto dos
estádios.)
Quando
Lula foi criticado porque tomou um vinho Romanée-Conti de R$ 6 mil
durante a campanha de 2002, era a elite que negava ao “fraquinho” o
acesso a um vinho do andar de cima, pago por Duda Mendonça. Anos depois,
quando viajou pelo mundo em jatinhos de empreiteiras, era o “fortão”
redesenhando a diplomacia brasileira.
É uma mistificação, mas contra ela só existe um remédio:
vigiar a racionalidade da campanha, fugindo da empulhação.
Quem quiser odiar, que odeie, mas
não fica bem a uma presidente da República dizer que investiu em
educação recursos que na realidade destinaram-se a cobrir o custeio da
máquina.
Também fica feio a um candidato da oposição que até outro dia estava no ministério dizer que “não fico mais em um governo comandado por um bocado de raposa que já roubou o que tinha que roubar”. Não viu enquanto lá estava?
Talvez a racionalidade seja um objetivo impossível.
Afinal de contas, até hoje há americanos convencidos de que o companheiro Barack Obama é um socialista que nasceu no Quênia.
Nesse caso, candidatos não devem ir a estádios.
Elio Gaspari
O Globo
20 de junho de 2014
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