sexta-feira, 20 de junho de 2014

O ÓDIO AO PT E O ÓDIO DO PT




Lula tem toda razão. 

Existe uma campanha de ódio contra o PT. 

Esqueceu-se de dizer que existe também uma campanha de ódio do PT. 





Uma expôs-se no insulto à doutora Dilma na abertura da Copa. 

Argumente-se que o grito foi típico da descortesia dos estádios. 

O deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, influente aliado do candidato Aécio Neves, endossou-o durante um evento do tucanato:

 “O povo mandou ela para o lugar que tinha que mandar.” 





Essa é a campanha de ódio contra o PT. 

Ela pode ser identificada na generalização das acusações contra seus quadros e, sobretudo, na desqualificação de seus eleitores. Nesse ódio, pessoas chocadas pela proteção que Lula e o partido deram a corruptos misturam-se a demófobos que não gostam de ver “gente diferenciada” nos aeroportos ou matriculada nas universidades públicas graças ao sistema de cotas.





O ódio do PT é outro, velho.

 Lula diz que nunca se valeu de palavrões para desqualificar presidentes da República. Falso. Numa conversa com jornalistas, chamou o então presidente Itamar Franco de “filho da puta” e nunca pediu desculpas. 
 

O ódio petista expôs-se em situações como a hostilização ao ministro Joaquim Barbosa num bar de Brasília e na proliferação de acusações contra o candidato Aécio Neves na internet. Se a rede for usada como posto de observação, os dois ódios equivalem-se, e pouco há a fazer.





Lula antevê uma campanha eleitoral “violenta”, pois a elite “está conseguindo despertar o ódio de classes”. Manipulação astuciosa, recicla o ódio do PT, transformando-o no ódio ao PT. Pode-se admitir que a elite não gosta do PT, mas bem outra coisa é rotular como elite todo aquele que do PT não gosta. 
 


Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras que entesourou US$ 23 milhões em bancos suíços, certamente pertence à elite e no seu depoimento à CPI viu-se que gosta do PT e o PT gosta dele.





Essa estratégia já foi explicada pelo marqueteiro João Santana. Trata-se de trabalhar com dois Lulas: ora há o “fortão”, ora o “fraquinho”. (Talvez as palavras originais tenham sido outras, mais próximas do dialeto dos estádios.)





Quando Lula foi criticado porque tomou um vinho Romanée-Conti de R$ 6 mil durante a campanha de 2002, era a elite que negava ao “fraquinho” o acesso a um vinho do andar de cima, pago por Duda Mendonça. Anos depois, quando viajou pelo mundo em jatinhos de empreiteiras, era o “fortão” redesenhando a diplomacia brasileira.





É uma mistificação, mas contra ela só existe um remédio: 

vigiar a racionalidade da campanha, fugindo da empulhação. 

Quem quiser odiar, que odeie, mas não fica bem a uma presidente da República dizer que investiu em educação recursos que na realidade destinaram-se a cobrir o custeio da máquina.   



Também fica feio a um candidato da oposição que até outro dia estava no ministério dizer que “não fico mais em um governo comandado por um bocado de raposa que já roubou o que tinha que roubar”. Não viu enquanto lá estava?





Talvez a racionalidade seja um objetivo impossível. 

Afinal de contas, até hoje há americanos convencidos de que o companheiro Barack Obama é um socialista que nasceu no Quênia. 

Nesse caso, candidatos não devem ir a estádios.
 

Elio Gaspari

O Globo 20 de junho de 2014

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