sexta-feira, 20 de junho de 2014

Fifa gastou US$ 27 mi em filme que retrata Blatter como herói (podia ter destinado esse montante em medidas que impeçam a extinção do FULECO)

Atualizado em  19 de junho, 2014 - 11:37


O ator inlgês Tim Roth faz o papel de Sepp Blatter


Um filme sobre a história da Fifa que custou US$ 32 milhões, e em que o presidente Sepp Blatter é um dos heróis, será lançado na Sérvia, mas planos para um lançamento mundial não foram anunciados. O que está acontecendo?

Sepp Blatter está feliz de ter sido representado pelo ator inlgês Tim Roth. "Nesse caso o elenco foi bem escolhido", disse o presidente da Fifa quando ele encontrou o ator em um hotel. "Nós temos coisas em comum, vamos dizer, qualidades".

Roth, estrela dos filmes Cães de Aluguel e Pulp Fiction: Tempos de Violência, representa o administrador suíço em United Passions. O filme conta como a Fifa cresceu desde sua criação por um dedicado grupo de pessoas determinadas em Paris, em 1904, para se tornar responsável por uma indústria de bilhões de dólares. 


O ator francês Gerard Depardieu faz o papel do presidente de longa data Jules Rimet, creditado por criar a Copa do Mundo, em 1930. O neozolandês Sam Neill é o antecessor imediato de Blatter, o brasileiro João Havelange.


A Fifa, que pagou US$ 27 milhões dos US$ 32 milhões do filme, diz que o filme é "aberto, autocrítico e muito agradável", já que lida com esforços para combater a corrupção. No entanto, foi insinuado que Blatter exigiu mudanças no roteiro.


Foi observado que o dinheiro investido equivale ao financiamento de um ano para o programa "Goal" da Fifa, que apóia o futebol em nações mais pobres.

O filme teve sua estreia no Festival de Cinema de Cannes no mês passado, com a Fifa enfrentando acusações de que o filme é um projeto vaidoso que mostra Blatter e Havelange como visionários de grande tino comercial.

"Tudo o que eu fiz até agora foi para o bem do futebol", diz o personagem de Blatter no trailer oficial do filme.

Há ecos não intencionais de problemas de imagem atuais da Fifa. Um oficial uruguaio é retratado dizendo à Jules Rimet: "Você precisa de dinheiro, (e nós) precisamos do campeonato mundial."

Marca danificada

A Fifa foi ignorou acusações de suborno relacionadas à escolha do Catar para sediar a Copa do Mundo de 2022. Blatter respondeu chamando partes da mídia britânica de "racista".




O franês Gerard Depardieu faz Jules Rimet 

Desde então, Greg Dyke, presidente da Associação de Futebol da Inglaterra, tem pedido a renúncia de Blatter, que está na presidência da Fifa desde que Havelange deixou o cargo, em 1998. "Entre o público britânico, a marca Fifa está severamente danificada", ele disse. "Eu suspeito que o sentimento seja o mesmo em boa parte da Europa."


A Fifa é hoje uma marca de peso, emprestando seu nome à jogos de computador, figurinhas de futebol, livros e outros artigos de merchandising. Será que o United Passions pode melhorar sua imagem? 


"É um trailer horrível", diz o especialista em relações públicas Mark Borkowski. "De certa forma, mostra o nível a que a reputação da Fifa chegou."


"Esse filme, como a própria Fifa, é terrível", disse o comediante inlgês John Oliver em seu programa americano Last Week Tonight. "Quem faz um filme em que os heróis são executivos?" 


"Com a aprovação da Fifa, e Blatter ajudando a promover", escreve Ryan Rosenblatt, com muita ironia, no site de esportes da SB Nation, "eu tenho certeza que United Passions mostrará uma visão justa, e verdadeira sobre a entidade internacional que governa o futebol." 


O trailer, que gerou mais de 57 mil visualizações no YouTube, é quase tudo o que as pessoas podem ver atualmente de United Passions. O filme está programado para ser lançado na Sérvia nesta quinta-feira, seguindo o lançamento em Portugal na semana passada. A Fifa está prometendo que o filme será exibido em diversos países, incluindo a Rússia. 


Das três estrelas do filme, apenas Derpardieu estava presente na estreia em Cannes. Roth, que não quis falar com a BBC, já havia dito ao jornal britânico The Times que "foi um trabalho difícil". "Eu me perguntava, 'Onde está a corrupção nesse roteiro?'"
O diretor Frederic Auburtin disse ter inserido "partes irônicas".

Filmes como promoções



O brasileiro João Havelange é representado prelo neozolandês Sam Neill


O distanciamento que alguns buscam do filme e o lançamento limitado poderiam ser sinais de que o filme seria constrangedor?


"A hagiografia (biografia enaltecedora) tem sido uma habilidade consumada no mundo da escrita de esporte, com escritores fantasmas ou cronistas oficiais domados que retratam a vida de super estrelas", diz Alan Tomlinson, autor de Fifa: Os Homens, os mitos e o dinheiro. "Mas nenhuma comissão, nenhum projeto vaidoso de comissionamento hagiográfico, rivalizou o projeto de Sepp Blatter." 


"United Passions será exibido em um nicho do leste europeu, bem longe da ação. Até mesmo Blatter deve suspeitar que é melhor colocar este risível projeto de filme de lado."
Organizações, e até mesmo países, já promoveram seus interesses usando filmes.


O épico Austrália, dirigido por Baz Luhrmann, estrelado por Nicole Kidman e Hugh Jackman, foi em parte financiado pelo governo australiano e seu lançamento foi sincronizado para coincidir com uma campanha de marketing turístico do país na Europa, Ásia e América do Norte. 


O serviço de trem Eurostar ofereceu financiamento para o filme de 2008 do diretor inglês Shane Meadows, Somers Town, que fala sobre jovens vivendo próximo a estação de St Pancras em Londres, observou a revista Creative Review, que disse que isso coloca a operadora de trem "como uma marca que pode crescer como patrona do cinema britânico". 



O lançamento em 1988 de Mac and Me, sobre um alienígena que fica amigo de um menino em uma cadeira de rodas, foi pago pelo McDonald's.

 O site americano especializado em cinema Rotten Tomatoes chamou o filme de "um comercial de longa-metragem velado do McDonalds e da Coca-Cola". 

Macbeth, dirigido por Roman Polanski em 1971, foi financiado pela revista Playboy. "O filme fez a marca parecer mais luxuosa", diz Sheldon Hall, historiador de cinema da Universidade de Sheffield Hallam, na Inglaterra. "As pessoas riam quando apareciam na tela as palavras 'Hugh Hefner apresenta....' abrindo uma adaptação de Shakespeare. Porém, era na verdade um filme sério." 

E nos anos 1960, as Nações Unidas financiaram parte do filme The Poppy is Also a Flower, um filme de ação que mostra o trabalho de agentes combatendo o comércio de ópio no Irã. Seu elenco incluiu Omar Sharif, Yul Brynner, Rita Hayworth e Anthony Quayle.

Caso diferente

"United Passions é mais incomum", diz Hall. "Normalmente, se você vai dramatizar a história de seu organização, as pessoas estão ou mortas ou fora da entidade. Eu não consigo pensar em um exemplo diretamente comparável." 

A Fifa diz que está promovendo "comunicação direta com fãs", para criar "compreensão" sobre seu trabalho. "É esperado que este filme, embora de ficção e portanto não totalmente baseado em fatos reais, irá contribuir para este objetivo", adiciona.


Mark Borkowski acha que o filme "pode funcionar" e que muitos críticos avaliaram o filme de uma "perspectiva europeia limitada".

"Há vários países pequenos, de que você pode nunca ter ouvido falar, que são membros (da Fifa) e, ao contrário da Grã-Bretanha, alguns deles veneram seu trabalho para desenvolver o futebol", diz ele.

"O filme é uma maneira de tentar influenciar globalmente opiniões e lançar memes mundo afora. O filme continuará existindo por muito tempo, mesmo depois de a Fifa passar por seus julgamentos e atribulações atuais. "

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