Blog do Julio Gomes
Atualizado em 16 de junho, 2014 - 18:15
Estádio para cá, estádio para
lá. Legado, obras, protestos. Falou-se sobre muita coisa neste ano que
antecedeu à Copa do Mundo. Mas pouca gente se deu conta do que iria
acontecer quando ela começasse.
Enquanto muitos brasileiros faziam
careta, dezenas de milhares de vecinos botaram o dedo no gatilho. Ou melhor, no mouse. Compraram ingressos, compraram passagens e vieram ver a Copa "deles".
Eu estive no Japão e na Coreia, onde percebia-se que muita gente não tinha nem conhecimento do jogo. Na África, as vuvuzelas nos faziam ouvir nada além delas. Na Alemanha-2006, a organização foi espetacular, havia ambiente nas ruas e nos estádios. Mas não havia a comoção nas arquibancadas que estamos vendo aqui. Jogos bons, atmosfera perfeita.
Os números não são oficiais e nem adianta pesquisar para onde foram os ingressos, porque estes estão trocando de mãos toda hora (como esperado). Mas fala-se em 20 mil chilenos na partida contra a Austrália, em Cuiabá. Em quase 50 mil colombianos em Belo Horizonte para o jogo contra a Grécia. E 40 mil argentinos dentro e outros tantos mil fora do Maracanã na estreia contra a Bósnia.
Os mexicanos também estão nessa. Não são sul-americanos, eu sei, mas também vieram em grande número - o que explica, talvez, o fato de os Estados Unidos serem o país, disparado, que mais comprou ingressos (exceto o Brasil). Há milhares de mexicanos e outros centro e sul-americanos que vivem nos Estados Unidos.
Festa, interação, comoção, selfies e mais selfies dos jogadores mexicanos postadas por eles no Twitter. "É incrível o que estamos vivendo aqui", comentou o jogador Miguel Layun em sua conta. Isso é jogar em casa. Esse tipo de incentivo ganha jogo e é tão importante quanto o incentivo dentro do campo. Até mais importante, pois capta 100% da atenção dos jogadores.
Em Belo Horizonte, o colega Rodrigo Vessoni, do jornal Lance!, relata que, "nos primeiros dias, o povo mineiro estranhava aquela quantidade de estrangeiros, era possível ver os olhares de estranheza, aqueles comentários de boca de canto. Depois, não. Brasileiros e colombianos andavam nas ruas como se fossem velhos conhecidos, os locais se acostumaram com aquela invasão.
Não tenho a menor dúvida de que a febre amarela mexeu financeiramente com a cidade. Bares e restaurantes lotados, táxis sempre ocupados, hotéis lotados".
Em São Paulo, os atletas do Brasil cantaram até o fim, apesar de o hino ter sido cortado na edição da Fifa. Já havíamos visto isso - e nos emocionado - na Copa das Confederações, não foi surpresa a repetição no Itaquerão, quinta passada.
Mas quem esperava que isso fosse acontecer também nos hinos do Chile e da Colômbia? E a comoção com os gols-relâmpago destes dois países? Com o de Messi no Maracanã, o de Cavani em Fortaleza…
Comoção. Esta é a palavra que não sai da cabeça ao ver as imagens dos jogos dos países próximos na Copa. Afinal, são 36 anos sem que o continente recebesse um Mundial - e o de 1978 foi disputado em uma época de ditadura na Argentina, não viajava-se como hoje. Antes disso, Chile, 1962.
É muito, muito, muito tempo. A gigantesca maioria das pessoas que vieram nunca haviam visto uma Copa e parecem ter a sensação de que nunca mais irão. É a experiência única de uma vida.
Já foi em Copa em outros continentes, mas relata: "Aqui é diferente, é como se estivéssemos em casa. Os brasileiros nos recebem como se fôssemos da família".
Não estou em todos os lugares ao mesmo tempo mas, pelo que leio e vivi até agora, não há problemas com aeroportos, transportes nem nada do tipo. As pessoas que vêm para uma Copa do Mundo se preocupam menos com isso do que pensamos - o que não deveria tirar o peso da responsabilidade de organizar os estádios e cidades como se deveria.
Acabou que muita gente que sim, se importa com isso, deixou de vir ao país. Mas essa é outra história. Os que cá estão dormem onde dá (vide fotos dos argentinos estatelados na areia de Copacabana), se viram para ir e vir, comer, etc.
Noto que o idioma é o grande defeito do Brasil como país que pretende (e tem tudo para) ser potência turística. Ninguém, ou quase ninguém, fala inglês, incluindo pessoas que trabalham em serviços em que o inglês deveria ser obrigação (hotéis, restaurantes em áreas turísticas, etc).
Já servi de intérprete aqui em Salvador para muito torcedor da Holanda, Alemanha e outros países. Espanhol? Nada.
Mas o espanhol é bastante mais parecido, então os "vecinos" estão se virando. Eles, assim como nós, estão dispostos a se fazer entender. Quando os dois tentam, chega-se lá.
Aí entra nossa hospitalidade, um ponto fortíssimo que compensa a falta de idiomas.
Eles são mesmo torcedores mais "quentes", cantam, provocam. Mas convém não comprar o discurso de toda vida e ficar tratando argentino como inimigo, povo mau caráter, isso e aquilo. Das maiores bobagens que há por aqui é comprar essa ideia tosca. Sob o risco de problemas pequenos virarem algo mais preocupante.
Por toda a primeira fase, o cenário será o mesmo. Os jogos da Argentina, Chile e Colômbia estarão lotados de locais. Os de Uruguai, Equador e México um pouquinho menos, por vários fatores, mas ainda assim estes também estão jogando "em casa".
O clima de Copa Libertadores da América está no ar, e a torcida brasileira é que tem que se coçar para não ficar para trás na empolgação - já que, como sabemos, o perfil de quem tem ingresso pra Copa não é o de gente acostumada a se esgoelar em estádio.
A partir das oitavas de final, é difícil saber o que vai acontecer. Nos outros Mundiais em que estive presente, notou-se um claro esvaziamento em termos de turistas. Pois muitos não "arriscam" ficar para além da fase de grupos. Mas será que acontecerá o mesmo por aqui?
A Copa parecia ser coisa nossa. Está claro que não é. É cosa nuestra.
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