Acho excessiva a ideia de que a derrota (merecida) do Brasil para a
Alemanha demande cuidados especiais para com as crianças ou os adultos.
Afinal, "é só futebol". Parece-me um tanto ridícula toda essa frescura
com o "Mineiraço". Mas vivemos mesmo num mundo meio ridículo em que todo
mundo precisa de "cuidados".
A inflação do afeto tornou-se valor. Esses exageros têm um valor
evidente: escondem, como todo mundo sabe, o medo. Isso nunca dá certo na
vida real. E a seleção amarelou mesmo. Não aguentou a pressão. E o povo
esperava apenas uma coisa: sucesso. Não se perdoa o fracasso, ainda que
um monte de gente diga o contrário, e diga isso por mau-caratismo ou
porque quer vender autoestima.
Por outro lado, sim, precisamos de cuidados psicológicos para viver. A
vida moderna nos brinda com incertezas, ambivalências, dúvidas quanto
aos afetos, aos valores, aos horizontes, aos comportamentos. Os modos
antigos de vida não servem mais porque (supostamente) não dão conta da
complexidade da vida. Já disse nesta coluna algumas vezes que duvido
dessa história de que o mundo mudou muito. Acho que tem muito papo
furado nessa história de "as novas gerações têm uma outra cabeça" (a
frase é ridícula por si só). Mudou o cenário, o enredo continua sendo
escrito pelo bobo de "Macbeth".
Mas, sem dúvida, "futebol é mais do que apenas futebol". Não, não estou
me contradizendo. O esporte é parte da cultura e, portanto, futebol é,
num certo sentido, mais do que futebol. Mesmo que não tenha uma relação
direta com o resultado das urnas ou com as decisões de consumo, a
seleção é parte do universo de representações culturais que os
brasileiros têm de si mesmos. E esse 7 X 1 é mais uma crise de
representação num mar de crises de representações no Brasil desde o ano
passado.
E nesse sentido, o futebol, como o grande Nelson Rodrigues dizia, é uma
tragédia grega. Cai bem chamar os estádios de arenas, já que os jogares
são um pouco como gladiadores. E o comportamento da torcida é um pouco
como o da torcida que assistia aos gladiadores na antiga Roma: o povo
podia passar do desprezo à misericórdia, ou o inverso, em segundos, caso
julgasse que um gladiador ou outro merecia uma das duas atitudes. Um
dia a seleção brasileira é inspiração para os jovens, outro dia é alvo
de laranja podre. O fã é um infiel por excelência.
O povo, ao contrário do que a esquerda mentirosa e os marqueteiros dizem
(ambos dizem isso por interesses comerciais, só que os marqueteiros são
honestos e confessam), nunca foi de confiança.
Quer um exemplo de que, apesar de todo o blablabá emocional e "psi" ao
redor do fracasso da seleção, o mundo não mudou? Vejamos:
Nas antigas arenas romanas, o povo podia ser misericordioso ou cruel
segundo alguns critérios, um deles se o gladiador resistia ou não à
pressão da luta. Uma velha virtude em jogo: a coragem.
Infelizmente, a seleção brasileira não resistiu à pressão. Amarelou.
Claro, não jogava bem, bons jogares sem conjunto e tudo aquilo que os
especialistas já falaram. Mas, além disso, ficou clara a dificuldade de
suportar a enorme pressão de um povo com uma expectativa excessiva em
relação à Copa em casa.
Podemos apontar a diferença entre, por exemplo, holandeses e alemães e
seu futebol "científico", por oposição ao nosso latino-americano, o
futebol-arte. Mas tudo isso é passado. Não existe futebol-arte, assim
como não existem mais vovôs e vovós (estão todos na academia querendo se
parecer com os netos). Mas temo que o problema foi além disso.
A seleção foi bem representativa da cultura brasileira dos últimos tempos. Chorona, ressentida, delirante, sem resultados.
Com a era Lula, muitos acreditaram mesmo que sairíamos do buraco com a
"bolsa-voto", casas de graça, carros sem impostos e outras invenções
baratas.
A palavra "autoestima" foi muito ouvida nos últimos tempos,
principalmente na Copa.
É comum hoje as pessoas acharem que todo mundo
(e a mídia também) deve se preocupar antes de tudo com a autoestima das
pessoas. Discordo. É este mundo da autoestima que forma os amarelões.
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