A
Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco (CHESF) sempre contou com o
apoio e a defesa incondicional dos nordestinos. Ai de quem ousasse
criticá-la. Além de seus funcionários, a grande maioria dos políticos
locais, dos professores, das classes dirigentes, da mídia e da
população, em geral, sairia em sua defesa.
Em
várias áreas o legado da CHESF para o Nordeste é inegável. Todavia
existem máculas na sua relação com as populações nativas que foram
forçadas a sair de suas casas, de suas terras para dar lugar à
construção dos grandes reservatórios de água de suas hidroelétricas. A
justificativa era sempre em nome do “desenvolvimento”.
Muitas
decisões foram tomadas em nome da maioria, mas isso, no entanto, não
lhes garantiu caráter democrático. O principio majoritário se justifica
como um procedimento decisório democrático quando os direitos das
minorias dos atingidos (no caso, pelas barragens) têm os seus direitos
preservados.
Existem
temas de interesse do país, com decisões políticas tomadas, por
exemplo, pelos representantes do povo no Congresso Nacional, cujos
custos e impactos atingem minorias da população. Nestes casos, o
principio majoritário da decisão não garante o seu caráter democrático.
A
construção das barragens ao longo do Rio São Francisco expulsou
populações nativas, inundando várias cidades, e se constitui exemplo de
decisões antidemocráticas, pois não levaram em conta os interesses
dessas populações. Para situações relacionadas à questão energética,
preconiza-se a necessidade de construção de consensos, o que significa o
reconhecimento dos interesses divergentes que devem ser considerados e
incorporados no processo de negociação.
Questões
sociais envolvendo a Chesf foram blindadas. Pouco debate ocorreu na
sociedade. A companhia virou intocável, inatacável, devido a sua
importância para a região. O direito das populações afetadas (minorias)
não se confunde com o direito da maioria – ambos podem ser exercidos
democraticamente.
Por
outro lado, todo o sistema elétrico brasileiro, desde o final do século
passado, tem sofrido uma ingerência político-partidária nunca antes
ocorrida com tal voracidade, que é nefasta para os objetivos, o trabalho
e a atuação desse setor estratégico para o país. Verifica-se que as
empresas do setor viraram moeda de troca nas transações de pura
politicagem. Os dirigentes dessas empresas são escolhidos dentre os
apadrinhados pelos partidos da base aliada de sustentação política do
governo. Depois é que se analisa se estes têm competência técnica para a
função designada. Tudo, diz o governo, para manter a “governabilidade”.
Uma
combinação de fatores trouxe para a CHESF uma agenda negativa, onde
quedas no fornecimento de energia se tornaram recorrentes na região por
falta de planejamento, de investimentos, de valorização de seus
funcionários (substituídos muitas vezes pelos terceirizados). A demissão
de seus quadros técnicos contribuiu para a perda reconhecida da
qualidade dos serviços prestados à população. Nos últimos anos, virou
rotina o não cumprimento dos contratos de projetos vitais para a
segurança energética, especialmente o atraso na implantação de linhas de
transmissão associadas às centrais de geração para conexão
compartilhada (ICG). O que levou a própria Agência Nacional de Energia
Elétrica (ANEEL) a desabilitar a CHESF, impedindo que a empresa
participe de leilões de linhas de transmissão. Ressalte-se que a CHESF
foi à empresa que mais recebeu autos de infração (16 penalidades) nos
últimos anos.
É
inegável a responsabilidade das últimas administrações da CHESF pelo
sentimento negativo existente na sociedade nordestina, devido ao grande
desgaste da credibilidade da empresa. Responsabilizar a questão
ambiental pelos atrasos nas obras, como vem sendo repetido pelos
gestores, é uma ladainha que já não convence ninguém. Apenas mostra o
despreparo e a falta de compromisso daqueles que dirigem esta empresa,
outrora tão admirada.
O
que acontece, hoje, com o grupo Eletrobrás, incluindo a CHESF, revela o
mesmo “modus operandi” perverso adotado pelos governos para a
privatização de outras estatais. O desgaste, a perda de credibilidade, e
o sucateamento integram o roteiro que caminha a passos largos no
processo de privatização de mais um patrimônio do povo brasileiro – se
nada for feito para detê-lo.
16 de abril de 2014
Heitor Scalambrini Costa é Professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário