Francisco Bosco é daqueles que
representam a esquerda jurássica, uma pessoa que prega o socialismo em
pleno século 21, que defende os “black blocs”, que acha que piadas podem
ser ofensivas apenas aos homens, brancos, heterossexuais e cristãos,
enfim, um ícone da esquerda caviar que condeno.
Costumo expor, com
argumentos, suas falácias aqui no blog.
Incapaz de rebater minhas críticas com argumentos, Bosco usou sua coluna
hoje no GLOBO (aquela imprensa “golpista” da elite capitalista, não
custa lembrar) para me rotular de desonesto e tentar monopolizar as boas
intenções. É o que lhe resta, na falta de bons argumentos: fingir-se de
moderado enquanto prega o radicalismo de esquerda. Vamos lá, ao
ping-pong (ele em vermelho e eu em azul, claro):
O mundo já é
muito complexo e turvo para os que se propõem a compreendê-lo
honestamente. Por compreensão honesta designo fundamentalmente a atitude
intelectual que tem como princípio examinar quaisquer argumentos sem o
preconceito ideológico que costuma obscurecer a construção coletiva do
diagnóstico da realidade.
Percebam que
Bosco já assume ser alguém totalmente desprovido de preconceitos
ideológicos, como se apenas o seu oponente, de quem discorda, os
tivessem. No mais, “construção coletiva” é daqueles termos bonitos, mas
que não dizem nada. O raciocínio é sempre individual, assim como o
pensamento.
Todos têm,
de modo consciente ou não, posições ideológicas prévias, mas essas devem
ser sempre submetidas ao teste da realidade; são pontos de partida, não
pontos de chegada. Infelizmente, a atitude intelectual de Rodrigo
Constantino — como demonstrou Jean Wyllys, com a clareza devida, em
artigo recente — é desonesta, procedendo por reduções, simplificações
grosseiras, maniqueísmos sistemáticos, diversos procedimentos que agem
no sentido de obscurecer o trabalho público e coletivo da compreensão da
realidade (sem falar no abuso da dimensão imaginária das polêmicas —
recorrendo sempre a argumentos ad hominem e ridicularizando pessoas famosas, a fim de produzir uma espécie de sensacionalismo intelectual).
Só posso
presumir que Bosco não leu meu livro, tampouco acompanha meus artigos no
GLOBO, na VEJA e no blog. Eu uso os famosos como ícones do fenômeno
para ilustrar meus pontos, todos eles devidamente embasados em teoria e
argumentos. Jean Wyllys não provou nada além da própria desonestidade e
incapacidade de argumentar, como faz Bosco agora. Caiu em contradição o
tempo todo, como mostrei aqui e aqui. Eu não ridicularizo essas pessoas; basta expor suas contradições e hipocrisias que elas fazem isso muito bem sozinhas…
Ao
contrário, vou propor aqui uma leitura honesta do que considero, até
onde li, seus argumentos principais na defesa da pertinência da
expressão “esquerda caviar”, com tudo o que ela carrega de
desqualificação. Vou fazê-lo porque julgo que por meio dessa expressão
pode-se compreender melhor quais os sentidos e as possibilidades
efetivas da esquerda no mundo atual.
Como eu
disse, acho que leu pouco, e o que leu, não entendeu. Devem ser aqueles
preconceitos citados acima, que Bosco tem apesar de acreditar que não.
O argumento
principal de Constantino é o que a expressão sugere de cara: haveria uma
contradição entre ser de esquerda e usufruir das benesses propiciadas
pelo capitalismo às classes sociais mais altas. Admitida essa
contradição, segue-se logicamente que os ricos autodeclarados de
esquerda são hipócritas, apenas adotando o semblant de
uma retórica socialmente valorizada — e que a sua diferença para os
ricos de direita está tão somente em que esses últimos não capitulam a
coerção social da hipocrisia.
É muito mais
do que isso! A esquerda caviar age de forma diametralmente oposta ao
que prega. Condena a ganância alheia e se mostra a mais gananciosa de
todas. Cospe no capitalismo e no lucro, mas só quer viver sob o
capitalismo, acumulando muito capital, e focando bastante no próprio
lucro. Seus ícones são capazes de pregar a mudança radical no estilo de
vida – dos outros – para “salvar o planeta”, enquanto circulam por aí em
jatinhos particulares. E por aí vai…
Comecemos então por nos perguntar: o que é ser de esquerda? Sem
dúvida, ser de esquerda significa primordialmente considerar a redução
das desigualdades econômicas e sociais um objetivo fundamental.
Pausa para
mostrar a falácia mais importante do discurso de Bosco: a esquerda, sem
argumentos, tenta sempre monopolizar as virtudes. Quem foi que disse que
esquerda é desejar reduzir desigualdades sociais? Pergunto ao Bosco:
onde há menos desigualdade social: na Austrália ou em Cuba? Na Suíça ou
na Venezuela? Nos países mais esquerdistas, ainda mais na linha
jurássica que Bosco prega, há enorme desigualdade, pois muitos continuam
pobres e uma elite segue detentora de todo o poder e recursos.
Isso,
entretanto, não implica necessariamente adotar uma perspectiva
anticapitalista utópica, seja nos moldes da experiência efetiva da
esquerda no século XX ou de algum modelo a se inventar. Concordo com T.
J. Clark, para quem, em vez disso, é preciso que a esquerda
contemporânea faça profundamente a experiência da sua derrota,
das catástrofes intoleráveis por ela produzidas, e se esvazie de sua
dimensão utópica, engajando-se antes numa política moderada, operando no
interior do capitalismo, “por pequenos passos”, “propostas concretas”
agindo no sentido de produzir igualdade em diversos âmbitos.
Onde foi que
tais experiências deram certo? Qual modelo Bosco defende? Por que
elogia o PSOL e Marcelo Freixo? A Venezuela, adorada por essa esquerda
caviar, seria um bom exemplo? E Cuba, até hoje elogiada por essa turma, é
um bom exemplo desse modelo? Discursos vazios…
Provavelmente a experiência de esquerda mais bem-sucedida no mundo hoje é a dos países nórdicos, capazes de dirigir o
capitalismo por meio de um Estado pequeno, porém eficaz no sentido de
promover equilíbrio social, conciliando assim os princípios do mercado e
da seguridade social, da individualidade e do coletivo, em suma, da
liberdade e da igualdade (como mostrou ampla matéria da revista “The
Economist”, recentemente).
E eu sabia
que chegaríamos aqui, claro. A Escandinávia se tornou o refúgio dos
socialistas. Será que Bosco sabe que a região ficou rica antes,
com mais liberalismo, e só depois conseguiu bancar esse estado de
bem-estar social enorme? Será que ele sabe que isso tem custado caro
demais, e levado a vários problemas? Será que sabe que, mesmo assim,
tais países ainda são bem mais liberais e capitalistas do que o Brasil
(vide o Índice de Liberdade Econômica
do Heritage). A Suécia e a Dinamarca sequer possuem salário mínimo! A
abertura comercial é muito maior nesses países. O império das leis
também. Enfim, tais países seriam vistos, por nossa esquerda caviar que
ainda defende Cuba e Venezuela, como “neoliberais” ao extremo! Bosco não
sabe disso ou finge não saber?
Ser de
esquerda não implica portanto um anticapitalismo sistêmico e
revolucionário — concordo ainda com T. J. Clark quando escreve que, nas
condições atuais, a esquerda moderada é que é revolucionária —, cuja
prova pessoal de coerência seria uma espécie de franciscanismo, de resto
inútil. Mas sim engajar-se, seja por qual via for, na luta pela
promoção da igualdade de direitos (conforme fazem, cada um a seu modo,
as pessoas desqualificadas por Constantino como símbolos da “esquerda
caviar”: Wagner Moura, Regina Casé e Gregorio Duvivier, entre outros).
E Bosco
pretende se vender como esquerda moderada? Defensor do PSOL e dos black
blocs? Que piada foi essa? Wagner Moura, defensor do terrorista
comunista Marighella, é um moderado? Letícia Spiller, fã de Fidel
Castro, virou defensora da Suécia agora? Igualdade de direitos? Isso é
uma bandeira liberal, Bosco! Igualdade de direitos é colocar todos
iguais sob as mesmas leis, o oposto do que vocês querem, com todas essas
bandeiras de privilégios para as “minorias” (que, como você mesmo já disse, não precisam ser minoria numérica de fato).
É oportuno
desconstruir outra suposta contradição. Segundo Constantino, os membros
da “esquerda caviar” costumam criticar instituições, notadamente a
polícia, mas recorrer a elas quando necessário. Deveria ser escusado
lembrar que a crítica é um princípio democrático de aperfeiçoamento, e
não um instrumento de negação absoluta. Quando pessoas de esquerda
criticam a polícia, não estão a defender sua extinção, ingênua ou
irresponsavelmente; antes repudiam a sua ação hierarquizante, logo
antidemocrática.
Aperfeiçoamento?
Essa gente chama a polícia de “fascista”! Bosco, você consome muito
óleo de peroba? Mais do que Lula e Dilma? A quem você quer enganar?
Aperfeiçoar a polícia queremos todos nós, liberais e conservadores.
Vocês querem jogar pedras e coquetéis Molotov nela, acusá-la
de “fascista”, desarmar os policiais e enaltecer os bandidos, como se
fossem “vítimas da sociedade”. Não querem sua extinção, “ingênua e
irresponsavelmente”?
Ou seja, querem, mas de forma gradual? Ação
hierarquizante, logo antidemocrática? Que diabos é isso? A polícia
precisa aplicar as leis, punir os crimes, essa é sua função.
Antidemocrático é defender vândalos mascarados que não foram eleitos por
ninguém e que atacam os representantes da lei. Como você é cara de pau,
Bosco! Não tem vergonha? Papai não lhe deu educação, não disse que é
feio mentir?
O que nos
leva a um último aspecto da expressão. Ao negar a possibilidade de
cidadãos de classe média e alta serem de esquerda, é nada menos que a
mediação social da solidariedade o que se está anulando. Parece ser
impossível para Constantino assimilar a ideia de que há pessoas
dispostas a defender causas igualitárias mesmo em detrimento de suas
vantagens pessoais. Mas, pasme, é precisamente isso o que, como
princípio, define a esquerda.
Novamente o
monopólio dos fins nobres, o que lhe resta. Solidariedade não tem nada a
ver com ser de esquerda! Aliás, as pessoas mais solidárias que conheci
não eram de esquerda, mas liberais e conservadores. Os esquerdistas que
conheci, muitos deles, eram insensíveis e egoístas, apesar do discurso contrário.
Hipocrisia.
No mais, se quer mesmo defender as “causas igualitárias”,
igualdade aqui como resultado, por que não começar, então, reduzindo
essa desigualdade doando a própria fortuna? Quer dizer que vai ficar
apenas na retórica contra a desigualdade, enquanto o sujeito acumula
mais e mais capital e lucro de forma bem desigual? E Bosco não vê
hipocrisia e contradição nisso? Sério mesmo? O que define a esquerda, ou
boa parte dela, é esse abismo intransponível entre discurso e prática.
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