14/04/2014 08h08
Lei endureceu multa e aumentou prisões, mas ainda libera embriagados.
Associação critica entendimento e pede tolerância zero a álcool no volante.
O Código Brasileiro de Trânsito foi endurecido em dezembro de 2012 pela
Lei 12.760 para punir motoristas que tentavam escapar da pena se
negando a soprar o bafômetro.
O G1 levantou decisões de diferentes tribunais,
incluindo de segunda instância, que mostram que o resultado positivo no
bafômetro não significa que o flagrado responderá penalmente. Os casos
apenas começaram a chegar ao Judiciário.
Antes, os motoristas não faziam o teste, eram multados (pena
administrativa), perdiam a carteira e tinham o veículo apreendido, mas
não respondiam a processo criminal.
Com a nova lei, já não adianta fugir do teste. A norma incluiu novos
tipos de provas contra os motoristas, como testemunhas, vídeos, fotos,
entre outros, que já resultaram em condenações.
O valor da multa aumentou de R$ 957,70 para R$ 1.915,40 (dobrado se o
motorista seja reincidente em um ano), medida que já é considerada fator
de diminuição de acidentes.
Na nova interpretação dos juízes, no entanto, agora não basta ser
flagrado com nível de álcool acima do permitido no sangue, é preciso
também ter perdido os reflexos, ou seja, a "capacidade motora" para
dirigir.
O entendimento se baseia na alteração da parte principal do artigo 306
do Código de Trânsito Brasileiro, que retirou a expressão "concentração
de álcool" (veja ao lado).
Sob esse argumento, foram rejeitadas denúncias do Ministério Público
contra motoristas flagrados com quantidade proibida de álcool no sangue,
e outros foram absolvidos.
A interpretação divide especialistas sobre o tema. Parte considera que a
lei se tornou mais justa, punindo apenas com multa, e não detenção, o
motorista que bebeu pouco, mas não causou perigo a outras pessoas.
Já para entidades como a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego
(Abramet), o entendimento é preocupante, porque qualquer quantidade de
álcool é capaz de alterar a capacidade de dirigir.
Liberados
No Maranhão, o juiz Paulo Afonso Vieira Gomes rejeitou denúncia do MP contra um homem flagrado por policiais pilotando uma motocicleta e cujo teste de alcoolemia apontou 0,595 mg/L de sangue, índice superior ao permitido por lei.
“Pela clareza lunar do dispositivo em comento, claramente se extrai não
bastar, para configuração do crime, esteja o condutor com concentração
de álcool no sangue superior ao limite previsto legalmente, mas sim que
também esteja com sua capacidade psicomotora alterada em razão da
influência de substância psicoativa”, escreveu na decisão.
No Rio Grande do Norte, o juiz Guilherme Newton do Monte Pinto também
absolveu um réu "abordado por policiais militares no momento em que
dirigia o seu veículo em zig-zag (sic)”. Sem o teste do bafômetro, foi
feito um termo de constatação de embriaguez (uma série de perguntas
respondidas pelo motorista), com resultado positivo, e ele foi liberado
após pagar fiança.
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No caso, segundo o juiz, o acusado disse que tinha bebido no almoço,
mas que foi abordado às 23h, e que “não fez bafômetro pela arrogância do
tenente, que queria obrigar o mesmo a fazer”.
Ainda assim, o magistrado afirma que ficou constatado pela prova
testemunhal que o acusado tinha bebido, já que estava com os “olhos
vermelhos e hálito de álcool”, mas que “falava normal, não esboçou
reação, não estava cambaleante nem desequilibrado”. “Não ficou
constatado, entretanto, a alteração da capacidade psicomotora”,
ressalvou.
O magistrado afirma ainda que, após a mudança na legislação, vídeos,
testemunhas, perícia, exame clínico e também o teste do bafômetro são
“apenas meios de prova e nada mais”.
“Se alguém dirige com a referida alteração [psicomotora] em razão, por
exemplo, de ter levado uma pancada na cabeça, não está incorrendo na
conduta delituosa. De outra parte, o fato de dirigir após consumir
bebida alcóolica, ainda que em nível superior a estabelecido como limite
pelo próprio dispositivo legal, mas, sem qualquer interferência na
capacidade psicomotora, também não configura, por si só, o tipo penal em
exame”, argumentou o juiz.
Na 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
órgão de segunda instância, houve divergência sobre o tema, mas o
colegiado acabou absolvendo, por maioria, um motorista de Panambi que
chegou a ser preso em flagrante e denunciado com base na legislação
anterior, por dirigir com 9 decigramas de álcool no sangue, atestados
por etilômetro.
Segundo o voto vencedor do desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, “o
que antes era crime, hoje é meio de prova para demonstração de um
crime”. “A conduta pela qual o réu foi denunciado não mais é crime e
tampouco pode ser abrangida pelo novel tipo penal de embriaguez ao
volante, pois conduzir veículo automotor com concentração de álcool por
litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas é completamente
diferente de conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora
alterada”, escreveu.
O magistrado afirma que a nova lei traz situação mais benéfica ao réu,
por isso, retroage (vale para casos antes da lei). “É possível – e até
provável – que 6 decigramas de álcool por litro de sangue no organismo
de uma mulher, com peso corporal de 50kg, atue de forma distinta do que
no organismo de um homem, com peso corporal de 120kg, por exemplo”,
argumentou.
No voto vencido, o desembargador Jayme Weingartner Neto disse que,
“depois de ‘usar celular ao volante’, dirigir alcoolizado é a segunda
maior causa [de acidentes]: em 21% dos acidentes pelo menos um dos
condutores havia bebido”. “Neste quadro, legítimo que o Estado cumpra
seu dever de proteção em relação aos cidadãos”, afirmou. “A par do
etilômetro, eram visíveis os sintomas de embriaguez, conforme
depoimentos judiciais”, defendeu. O restante da Câmara acompanhou o
relator.
Condenações
O novo entendimento sobre a lei, no entanto, não é sempre utilizado para livrar todos os motoristas que se recusarem a soprar o bafômetro. Além de não haver escapatória da punição administrativa, as decisões judiciais mostram que os outros meios de prova se tornaram eficazes para punir quem dirige embriagado.
Dados da Polícia Rodoviária Federal mostram que os testes do bafômetro
realizados dispararam nas estradas federais desde que a lei ficou mais
dura. Em 2013, foram 1.523.334 ao todo, contra 425.009 em 2012 e 95.137
no ano anterior.
O número de presos também aumentou. Apenas no período de janeiro a
março de 2014 foram presos 2.322 motoristas embriagados, número que
supera todo o ano de 2011, quando houve 1.658 presos. Em 2013, foram
11.868 prisões.
Em São Paulo, a 9ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP condenou um
motorista que se recusou a soprar o bafômetro com base nas outras provas
apresentadas durante a blitz: doze garrafas vazias de cerveja em seu
veículo e os depoimentos de policiais militares, que descreveram a
aparência, atitude, elocução, andar e coordenação do condutor. Antes da
mudança, essas provas seriam desconsideradas.
Na 3ª Câmara Criminal do TJ-RS, um motorista confesso que tinha o
triplo de álcool do permitido no sangue, também acabou condenado sob o
mesmo entendimento usado para absolver.
“A lei 12.760/12 alterou o disposto no artigo 306 do Código de
Trânsito. O tipo já não se realiza pelo simples fato de o condutor estar
com uma determinada concentração de álcool no sangue e sim, por ele ter
a capacidade psicomotora alterada em razão da influência do álcool,
seja ela qual for. A concentração que antes constituía elementar do tipo
passou a ser apenas um meio de prova dessa alteração”, destacou o
desembargador João Batista Marques Tovo ao julgar o caso em junho do ano
passado.
Segundo ele, "no caso dos autos, o resultado do etilômetro foi muito
superior – mais do que o triplo – ao limite estabelecido pela legislação
em vigor ao tempo do fato e há evidência de que o réu estava com sua
capacidade psicomotora alterada". "Veja-se, ele tombou com a moto e, ao
ser abordado pelos policiais militares, estava com hálito alcoólico,
lento e grogue, com sinais físicos de embriaguez, narraram em juízo os
policiais", destacou.
Na opinião do desembargador, para os processos em andamento, mesmo que a
condenação tenha ocorrido antes da vigência da nova lei, “deve-se
verificar se há evidência da alteração da capacidade psicomotora, sem o
que não pode ser mantida a condenação”. A lei penal retroage sempre que
for mais benéfica ao réu.
Teoria do perigo
A nova edição da lei seca vem reacendendo uma discussão que já existia nos tribunais. Em Chapecó, um motorista teve denúncia rejeitada ao alegar que, embora tivesse bebido, não ofereceu nenhum perigo aos outros enquanto dirigia. Ele foi flagrado em uma blitz com 0,4 mg/L de álcool no sangue pelo texto do bafômetro, "olhos vermelhos e hálito etílico".
Para o juiz de primeira instância, a nova lei transformou o crime de
perigo abstrato em perigo concreto. Ou seja, não basta dirigir bêbado, é
preciso uma situação concreta de perigo para que se caracterize crime.
A decisão, contudo, foi revertida em um recurso. Isso porque já existe jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(STF) sobre o tema, mas os desembargadores também levaram em
consideração o resultado do teste do bafômetro, usado como meio de
comprovar a embriaguez. “A prova exigida pela lei é a da perda da
capacidade psicomotora, e não da direção perigosa”, entendeu o
desembargador Sérgio Rizelo.
Polêmica
Segundo o advogado e professor de direito Leonardo Pantaleão, estão surgindo novas interpretações, e a tendência é de que a embriaguez ao volante seja considerada crime de perigo concreto. “A discussão é grande. O STF tem esse entendimento, mas não é vinculante. Se não coloca ninguém em risco, não há que se falar em ser uma conduta punível”, afirma.
Para o especialista, no entanto, recusar-se a soprar o bafômetro ou ser
absolvido na esfera criminal não livram o motorista da punição
administrativa. “São esferas diferentes. Se você não ingeriu nada, você
cumpre o bafômetro.”
“Na parte criminal, a lei não afrouxou. Ela se adequou a uma maior
legalidade. Não posso colocar todo mundo nivelado. É uma situação mais
técnica que vai considerar a individualidade de cada agente.
Tecnicamente melhorou”, complementa.
Dirceu Rodrigues Alves Jr, da Associação Brasileira de Medicina do
Tráfego (Abramet), defende que a tolerância ao álcool deve ser zero.
“Não é só o embriagado que vai se acidentar, é o sujeito que fez uso do
álcool. Aquele que não consegue ficar em pé, é um criminoso. Agora,
aquele que está fazendo uso e parece estar bem, esse é o risco, porque
vai se acidentar ou causar um acidente”, afirma.
Segundo Alves, estudos mostram que qualquer quantidade de álcool no
sangue de qualquer tipo de indivíduo diminui sua capacidade motora.
“Qualquer nível alcoólico em qualquer pessoa, altura, peso, magro,
jovem, idoso, está comprometendo essas funções essenciais para a direção
segura. O alcoólatra, que faz uso de maneira crônica do álcool, você
não detecta. Ele bebeu o dia todo, mas não aparenta. Ele se adapta”,
alerta.
Ele ainda sustenta que a fiscalização deve ser ampliada para todos os
dias da semana, inclusive incentivando empresas a fazê-las internamente,
como no caso de taxistas e motoristas de ônibus. “Esse é o problema
maior, do juiz considerar esse indivíduo apto, o álcool não ter
comprometido a atividade dele, mas compromete muito.”
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