quinta-feira, 3 de abril de 2014

Internação compulsória: Última cartada quando ainda há esperança




Número de pedidos na Defensoria Pública cresceu 58%. No DF, medida precisa do aval de juiz
 
Renan Bortoletto
renan.bortoletto@jornaldebrasilia.com.br


Você internaria um familiar envolvido com drogas contra a vontade dele? A medida divide opiniões de especialistas e da população. Enquanto a questão é discutida com cautela por parte do Estado, no Distrito Federal, muitas famílias enxergam nesta medida a possibilidade de transformar vidas.


Dados da Defensoria Pública do Distrito Federal revelaram que o número de pedidos de internação compulsória – contra a vontade do paciente – aumentou 58% no ano passado em relação a 2012.


De janeiro a dezembro de 2012, a instituição recebeu 974 pedidos para que dependentes químicos fossem submetidos a tratamentos de recuperação.

Já no mesmo período do ano seguinte, o órgão contabilizou 1.548 pedidos de  internação compulsória. Entre os contabilizados em 2012, 93 se tornaram ações com o mérito julgado por um juiz de Direito, enquanto que no ano passado o número foi reduzido para 60.

A Defensoria Pública não informou, no entanto, quantos casos foram deferidos com a decisão do magistrado.

Tentativa

A alta dos números traz à tona um embate polêmico principalmente quando os envolvidos são menores. Na maioria dos casos, os pais veem a internação compulsória como a última cartada para tentar tirar seus filhos do mundo do crime e do tráfico de drogas. O tema ganhou destaque nas páginas do Jornal de Brasília com o caso da garota Marília (nome fictício), de   13 anos, que se envolveu com o crime e as drogas aos 12 anos.

No ano passado, o caso do jovem Tiago  – hoje com 26 anos – ganhou destaque nacional. Viciado em drogas desde os 14, os pais tiveram de acorrentá-lo em sua cama a pedido do próprio filho para conter a fissura do crack. Um ano após ser internado com passagens em cinco clínicas de reabilitação no DF, Goiás e Minas Gerais e também pelo extinto Caje – ele fugiu de todas as unidades –, a luta dos pais ainda é diária.

Diferença

Em casa, ele recebeu o JBr. com uma aparência bem melhor do que há um ano. Mais gordo e com menos sinais no corpo provocados pelas drogas, Tiago ainda tem recaídas, mas a família já consegue ver uma evolução. A corrente, que antes servia para mantê-lo em casa, hoje está jogada em um quartinho de ferramentas.

“Quem o viu há um ano e vê agora nota a diferença. Ainda há muito o que melhorar e a recuperação não para. Nós nunca desistimos dele, as nossas forças quase chegaram  a se esgotar, mas um pai e uma mãe não deixam um filho por pior que seja o problema”, confessou a mãe.

Memória

O Jornal de Brasília contou a história de Tiago em 22 de fevereiro de 2013. Sem o auxílio do Poder Judiciário para uma internação compulsória, o rapaz pedia ao pai para que acorrentasse os pés com cadeados. O objetivo era evitar a recaída de sair em busca da droga. Depois de várias tentativas,   ele finalmente conseguiu vaga em uma clínica particular de Anápolis (GO). “Achei que conseguia me livrar do crack sozinho, mas não posso”, admitiu na época.
 
Trabalho para “ocupar a cabeça”

Há dois meses, Tiago passou a trabalhar com o pai na instalação de ar-condicionado e fazendo bicos com equipamentos de automação. “Ocupar a cabeça dele com o trabalho é o que tem funcionado. Se eu pudesse ficar com ele as 24 horas do dia, não passaríamos por esse problema”, afirma o pai. 
 
Mesmo com o apoio familiar, Tiago ainda tem dificuldades para controlar o vício. Há alguns dias, ele recebeu R$ 200 de pagamento do pai e se embrenhou pelas ruas. “Tomei duas cervejas e aí não aguentei. Fui atrás do crack”, relata.
 
Ele conta que só consegue fazer o uso do crack se ingerir antes  rohypnol – remédio usado para causar sonolência e vendido sob   prescrição médica. “Ele potencializa os efeitos, mas dura pouco tempo e é aí que tomo uma nova dose”, diz.
 
Alternativas ao mundo das drogas

Na opinião de especialistas, nem sempre a internação compulsória é a melhor alternativa. Alguns estudiosos defendem que o Executivo deveria oferecer mais programas com cunho social e motivacional, a fim de que os dependentes enxerguem uma nova perspectiva de vida longe do mundo do crime.
 
“O que precisa ser feito é o trabalho de recuperação dos dependentes. A internação vai prolongar a fissura, e ele vai voltar a usar drogas quando sair da clínica. Temos que investir mais em programas sociais e dar chances para que o viciado tenha uma vida normal como os outros, tenha um emprego e responsabilidades que vão falar mais alto do que a procura pela drogas”, argumenta o sociólogo da Universidade de Brasília (UnB), Vicente Faleiros.
 
Na opinião da assessora jurídica da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ) Maria Mônica Sampaio, o crescimento do número de pedidos de internação contra a vontade do paciente é visto com temeridade. 
 
“Tais tipos de demandas servem de indicativo da grave questão social que é a do comprometimento da parcela infanto-juvenil do DF com o uso de substâncias entorpecentes, em especial o crack. Tratam-se de casos graves, os quais os familiares estão desesperados com a situação e creditam à Justiça a última chance para resolver o problema”, frisou.
 
Descompasso
 
A assessora jurídica destaca a existência de um “descompasso entre a realidade e o ordenamento jurídico”, defendendo que os casos de pessoas envolvidas com drogas sejam tratados com mais atenção. 
 
“Não existem programas para o 'durante' que visem de fato a recuperação daquele jovem que já está imerso no mundo das drogas, altamente comprometido, colocando em risco sua própria vida e de seus familiares. São esses os casos que chegam ao Judiciário e sobre os quais o juiz tem que decidir se interna ou não a criança ou adolescente para que ele seja tratado”, observou.
 
Exemplo 
 
Em São Paulo, a internação compulsória de dependentes químicos ocorre com mais agilidade desde janeiro do ano passado. No Centro de Referência de Álcool e Drogas da capital paulista,   juízes, advogados e médicos avaliam a situação do usuário de drogas para decidir se a internação compulsória é necessária, após a procura de   familiares do dependente. Um dos objetivos da ação era acabar com a chamada Cracolândia da cidade.
 
Marília: sem avanços 
 
Há menos de um mês, o JBr. contou a história de uma mãe que tenta tirar a filha de 13 anos do mundo das drogas. Aos 12, Marília (nome fictício) se envolveu com um rapaz de 18 anos, que estaria associado ao tráfico de drogas na região de Planaltina. O relacionamento, desaprovado pela mãe, foi apenas o ponto de partida para que o convívio familiar e o amor de mãe e filha praticamente acabassem.
 
A mãe de Marília, que agora conta com o apoio da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente da OAB-DF, tenta a todo custo reunir documentos e provas para a internação da filha. Joana (nome fictício) não vê melhoras no comportamento de sua garota. 
 
“Ela até tem dormido em casa, mas assim que acorda sai e só volta lá pela meia-noite, 1h. Se tento tocar no assunto, ela manda eu cuidar da minha vida e me agride com palavras. Agora fez tatuagem e postou fotos nas redes sociais que mostram os amiguinhos dela com armas”, contou a mãe.
 
Joana já procurou o Conselho Tutelar e a polícia, entre outras instituições do Estado. 
 
Pense nisso
 
A discussão sobre a internação compulsória ganhou mais força no País quando o Governo de São Paulo anunciou as medidas para agilizar esse processo e tratar os dependentes, há mais de um ano. O problema é gritante naquele estado, e não muito diferente do que o DF enfrenta. 
 
Mas a capital   carece de medidas concretas para transformar a realidade dessas pessoas. Trata-se de um problema que não escolhe condição social. O tratamento,  porém, muitas vezes  está condicionado à situação financeira das famílias. O discurso de que este não é um caso de polícia, mas social, procede. Mas falta sair da demagogia.
 
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília



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