Número de pedidos na Defensoria Pública cresceu 58%. No DF, medida precisa do aval de juiz
Renan Bortoletto
renan.bortoletto@jornaldebrasilia.com.br
Você internaria um familiar envolvido com drogas contra a vontade dele? A medida divide opiniões de especialistas e da população. Enquanto a questão é discutida com cautela por parte do Estado, no Distrito Federal, muitas famílias enxergam nesta medida a possibilidade de transformar vidas.
Dados da Defensoria Pública do Distrito Federal revelaram que o número de pedidos de internação compulsória – contra a vontade do paciente – aumentou 58% no ano passado em relação a 2012.
De janeiro a dezembro de 2012, a instituição recebeu 974 pedidos para que dependentes químicos fossem submetidos a tratamentos de recuperação.
Já no mesmo período do ano seguinte, o órgão contabilizou 1.548 pedidos de internação compulsória. Entre os contabilizados em 2012, 93 se tornaram ações com o mérito julgado por um juiz de Direito, enquanto que no ano passado o número foi reduzido para 60.
A Defensoria Pública não informou, no entanto, quantos casos foram deferidos com a decisão do magistrado.
Tentativa
A alta dos números traz à tona um embate polêmico principalmente quando os envolvidos são menores. Na maioria dos casos, os pais veem a internação compulsória como a última cartada para tentar tirar seus filhos do mundo do crime e do tráfico de drogas. O tema ganhou destaque nas páginas do Jornal de Brasília com o caso da garota Marília (nome fictício), de 13 anos, que se envolveu com o crime e as drogas aos 12 anos.
No ano passado, o caso do jovem Tiago – hoje com 26 anos – ganhou destaque nacional. Viciado em drogas desde os 14, os pais tiveram de acorrentá-lo em sua cama a pedido do próprio filho para conter a fissura do crack. Um ano após ser internado com passagens em cinco clínicas de reabilitação no DF, Goiás e Minas Gerais e também pelo extinto Caje – ele fugiu de todas as unidades –, a luta dos pais ainda é diária.
Diferença
Em casa, ele recebeu o JBr. com uma aparência bem melhor do que há um ano. Mais gordo e com menos sinais no corpo provocados pelas drogas, Tiago ainda tem recaídas, mas a família já consegue ver uma evolução. A corrente, que antes servia para mantê-lo em casa, hoje está jogada em um quartinho de ferramentas.
“Quem o viu há um ano e vê agora nota a diferença. Ainda há muito o que melhorar e a recuperação não para. Nós nunca desistimos dele, as nossas forças quase chegaram a se esgotar, mas um pai e uma mãe não deixam um filho por pior que seja o problema”, confessou a mãe.
renan.bortoletto@jornaldebrasilia.com.br
Você internaria um familiar envolvido com drogas contra a vontade dele? A medida divide opiniões de especialistas e da população. Enquanto a questão é discutida com cautela por parte do Estado, no Distrito Federal, muitas famílias enxergam nesta medida a possibilidade de transformar vidas.
Dados da Defensoria Pública do Distrito Federal revelaram que o número de pedidos de internação compulsória – contra a vontade do paciente – aumentou 58% no ano passado em relação a 2012.
De janeiro a dezembro de 2012, a instituição recebeu 974 pedidos para que dependentes químicos fossem submetidos a tratamentos de recuperação.
Já no mesmo período do ano seguinte, o órgão contabilizou 1.548 pedidos de internação compulsória. Entre os contabilizados em 2012, 93 se tornaram ações com o mérito julgado por um juiz de Direito, enquanto que no ano passado o número foi reduzido para 60.
A Defensoria Pública não informou, no entanto, quantos casos foram deferidos com a decisão do magistrado.
Tentativa
A alta dos números traz à tona um embate polêmico principalmente quando os envolvidos são menores. Na maioria dos casos, os pais veem a internação compulsória como a última cartada para tentar tirar seus filhos do mundo do crime e do tráfico de drogas. O tema ganhou destaque nas páginas do Jornal de Brasília com o caso da garota Marília (nome fictício), de 13 anos, que se envolveu com o crime e as drogas aos 12 anos.
No ano passado, o caso do jovem Tiago – hoje com 26 anos – ganhou destaque nacional. Viciado em drogas desde os 14, os pais tiveram de acorrentá-lo em sua cama a pedido do próprio filho para conter a fissura do crack. Um ano após ser internado com passagens em cinco clínicas de reabilitação no DF, Goiás e Minas Gerais e também pelo extinto Caje – ele fugiu de todas as unidades –, a luta dos pais ainda é diária.
Diferença
Em casa, ele recebeu o JBr. com uma aparência bem melhor do que há um ano. Mais gordo e com menos sinais no corpo provocados pelas drogas, Tiago ainda tem recaídas, mas a família já consegue ver uma evolução. A corrente, que antes servia para mantê-lo em casa, hoje está jogada em um quartinho de ferramentas.
“Quem o viu há um ano e vê agora nota a diferença. Ainda há muito o que melhorar e a recuperação não para. Nós nunca desistimos dele, as nossas forças quase chegaram a se esgotar, mas um pai e uma mãe não deixam um filho por pior que seja o problema”, confessou a mãe.
Memória
O Jornal de Brasília contou a história de Tiago em 22 de fevereiro
de 2013. Sem o auxílio do Poder Judiciário para uma internação
compulsória, o rapaz pedia ao pai para que acorrentasse os pés com
cadeados. O objetivo era evitar a recaída de sair em busca da droga.
Depois de várias tentativas, ele finalmente conseguiu vaga em uma
clínica particular de Anápolis (GO). “Achei que conseguia me livrar do
crack sozinho, mas não posso”, admitiu na época.
Trabalho para “ocupar a cabeça”
Há dois meses, Tiago passou a trabalhar com o pai na instalação de
ar-condicionado e fazendo bicos com equipamentos de automação. “Ocupar a
cabeça dele com o trabalho é o que tem funcionado. Se eu pudesse ficar
com ele as 24 horas do dia, não passaríamos por esse problema”, afirma o
pai.
Mesmo com o apoio familiar, Tiago ainda tem dificuldades para
controlar o vício. Há alguns dias, ele recebeu R$ 200 de pagamento do
pai e se embrenhou pelas ruas. “Tomei duas cervejas e aí não aguentei.
Fui atrás do crack”, relata.
Ele conta que só consegue fazer o uso do crack se ingerir antes
rohypnol – remédio usado para causar sonolência e vendido sob
prescrição médica. “Ele potencializa os efeitos, mas dura pouco tempo e é
aí que tomo uma nova dose”, diz.
Alternativas ao mundo das drogas
Na opinião de especialistas, nem sempre a internação compulsória é a
melhor alternativa. Alguns estudiosos defendem que o Executivo deveria
oferecer mais programas com cunho social e motivacional, a fim de que os
dependentes enxerguem uma nova perspectiva de vida longe do mundo do
crime.
“O que precisa ser feito é o trabalho de recuperação dos
dependentes. A internação vai prolongar a fissura, e ele vai voltar a
usar drogas quando sair da clínica. Temos que investir mais em programas
sociais e dar chances para que o viciado tenha uma vida normal como os
outros, tenha um emprego e responsabilidades que vão falar mais alto do
que a procura pela drogas”, argumenta o sociólogo da Universidade de
Brasília (UnB), Vicente Faleiros.
Na opinião da assessora jurídica da Vara da Infância e da Juventude
do Distrito Federal (VIJ) Maria Mônica Sampaio, o crescimento do número
de pedidos de internação contra a vontade do paciente é visto com
temeridade.
“Tais tipos de demandas servem de indicativo da grave questão
social que é a do comprometimento da parcela infanto-juvenil do DF com o
uso de substâncias entorpecentes, em especial o crack. Tratam-se de
casos graves, os quais os familiares estão desesperados com a situação e
creditam à Justiça a última chance para resolver o problema”, frisou.
Descompasso
A assessora jurídica destaca a existência de um “descompasso entre a
realidade e o ordenamento jurídico”, defendendo que os casos de pessoas
envolvidas com drogas sejam tratados com mais atenção.
“Não existem programas para o 'durante' que visem de fato a
recuperação daquele jovem que já está imerso no mundo das drogas,
altamente comprometido, colocando em risco sua própria vida e de seus
familiares. São esses os casos que chegam ao Judiciário e sobre os quais
o juiz tem que decidir se interna ou não a criança ou adolescente para
que ele seja tratado”, observou.
Exemplo
Em São Paulo, a internação compulsória de dependentes químicos
ocorre com mais agilidade desde janeiro do ano passado. No Centro de
Referência de Álcool e Drogas da capital paulista, juízes, advogados e
médicos avaliam a situação do usuário de drogas para decidir se a
internação compulsória é necessária, após a procura de familiares do
dependente. Um dos objetivos da ação era acabar com a chamada
Cracolândia da cidade.
Marília: sem avanços
Há menos de um mês, o JBr. contou a história de uma mãe que tenta
tirar a filha de 13 anos do mundo das drogas. Aos 12, Marília (nome
fictício) se envolveu com um rapaz de 18 anos, que estaria associado ao
tráfico de drogas na região de Planaltina. O relacionamento, desaprovado
pela mãe, foi apenas o ponto de partida para que o convívio familiar e o
amor de mãe e filha praticamente acabassem.
A mãe de Marília, que agora conta com o apoio da Comissão de Defesa
da Criança e do Adolescente da OAB-DF, tenta a todo custo reunir
documentos e provas para a internação da filha. Joana (nome fictício)
não vê melhoras no comportamento de sua garota.
“Ela até tem dormido em casa, mas assim que acorda sai e só volta
lá pela meia-noite, 1h. Se tento tocar no assunto, ela manda eu cuidar
da minha vida e me agride com palavras. Agora fez tatuagem e postou
fotos nas redes sociais que mostram os amiguinhos dela com armas”,
contou a mãe.
Joana já procurou o Conselho Tutelar e a polícia, entre outras instituições do Estado.
Pense nisso
A discussão sobre a internação compulsória ganhou mais força no
País quando o Governo de São Paulo anunciou as medidas para agilizar
esse processo e tratar os dependentes, há mais de um ano. O problema é
gritante naquele estado, e não muito diferente do que o DF enfrenta.
Mas
a capital carece de medidas concretas para transformar a realidade
dessas pessoas. Trata-se de um problema que não escolhe condição social.
O tratamento, porém, muitas vezes está condicionado à situação
financeira das famílias. O discurso de que este não é um caso de
polícia, mas social, procede. Mas falta sair da demagogia.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
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