Rio de Janeiro VEJA
Serviços, creches e postos de saúde antecipam fim do expediente para evitar os confrontos armados.
Taxa de analfabetismo entre jovens é quase o dobro da encontrada no restante do município do Rio.
Moradores ainda não estão convencidos da pacificação
Homens da Polícia Federal, Militar, Civil e da Marinha participam da ocupação do Complexo da Maré na Zona Norte do Rio de Janeiro, RJ, neste domingo (30) -
Rajadas de balas, caveirões em disparada, movimento de homens com
armas de guerra à porta de casa. Uma parte do drama de quem vive em
áreas dominadas pelo tráfico de drogas é conhecida, ou imaginada, pela
população ‘do asfalto’. Há, além do medo de morrer, um conjunto
surpreendente de limitações que não comovem o mundo, não causam
indignação de órgãos de defesa dos direitos humanos.
Mas obrigam
milhares de moradores, no caso do Complexo da Maré, a viver pela metade.
Com a entrada dos policiais militares no conjunto de quinze favelas, no
último domingo, começa a ser revelada até para os cariocas a rotina das
130.000 pessoas que habitam o labiríntico conjunto de paredes de
tijolos expostos à margem da Linha Vermelha.
Se para o cidadão parado no engarrafamento os tiroteios podem
transformar a pista em uma prisão, para o morador da Maré essa é uma
perspectiva permanente. Uma prova de como o medo encurta os dias naquela
área está no horário de funcionamento dos serviços. Creches, postos de
saúde e outros estabelecimentos têm, na Maré, o meio da tarde como fim
de turno.
“Aqui na Maré, quase nada funciona em turno integral porque as
pessoas que não moram no complexo têm medo dos confrontos e querem sair
antes do fim do tarde”, conta Andrea Mota, presidente da Associação de
Moradores da favela Nova Holanda.
Leia também:
Segundo Andrea, pelo menos três dos sete postos de saúde instalados
dentro do complexo de favelas funcionam até as 15h. A maioria das
creches públicas encerra o expediente no mesmo horário, o que obriga
centenas de mães a deixarem seus filhos sob os cuidados de pessoas que
cobram, em média, cem reais para tomar conta de cada criança. Os pais
geralmente contratam vizinhas que, de forma improvisada, recebem as
crianças em casa.
“É muito difícil alguém trabalhar e voltar para casa antes das 15h, a
tempo de buscar o filho na creche. Por isso, a opção é deixar com uma
vizinha que não trabalha e cobra para cuidar das crianças. Isso evita
que os meninos e as meninas fiquem na rua sozinhos”, explica Andrea.
O complexo formado por quinze favelas e sete conjuntos habitacionais
tem, segundo o Instituto municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), 22
escolas. A taxa de analfabetismo na população entre 10 e 14 anos dentro
dos limites das favelas é de 4,25% - quase o dobro da taxa em todo o
município do Rio, que tem 2,57% de analfabetismo entre os jovens nessa
faixa etária. Os dados são do Censo de 2010, e mostram como a Maré e
outras favelas têm dificuldade de acompanhar as conquistas do restante
da população.
O Índice de Desenvolvimento Social (IDS) na Maré
manteve-se inalterado entre 2000 e 2010, em 0,55 (o máximo é 1). Nesse
período, o município do Rio teve um avanço significativo, de 0,58 para
0,61, em média – com bairros da Zona Sul acima de 0,80. Os dados do IBGE
também mostram que a maioria dos trabalhadores na Maré (76,26%) ganham
até dois salários mínimos.
Só 0,28% ganham acima de dez salários
mínimos. Mais uma vez, encontra-se no dado de renda uma discrepância
gritante com o restante da cidade. Em todo o município, o porcentual de
trabalhadores que recebem até dois salários mínimos é de 47,25% - com
11,34% acima dos dez salários.
“O adulto analfabeto não tem oportunidade de aprender a ler, porque
trabalha de dia. Os únicos projetos de alfabetização para adultos são
realizados por ONGs, mas têm limite de idade. Só são aceitos estudantes
com até 23 anos. Ou seja, se você tem 30 e não sabe ler, dificilmente
vai conseguir se alfabetizar”, explica Andrea.
Leia também:
Promessas - A promessa do governo do Estado é de
levar finalmente os serviços públicos à Maré. Os moradores, no entanto,
ainda não estão convencidos de que haverá avanços. “Como acreditar na
pacificação se a gente está vendo que em outros locais pacificados, como
a Rocinha, o Alemão e a Grota, a violência não acabou? Eu quero
acreditar que a Maré vai ter paz, mas temos que esperar para saber o que
vai acontecer”, diz Andrea.
Presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro, que faz
parte da Maré, Charles Guimarães tem o mesmo temor. “A gente não
consegue acreditar na pacificação da forma que as autoridades anunciam.
Casos de abusos policiais são frequentes em territórios pacificados. E
esse é um dos nossos medos. A polícia deve fazer o trabalho dela, mas
precisa respeitar o morador. A grande maioria da população da Maré é
formada por gente correta, que trabalha e quer ter seus direitos
garantidos”, disse Guimarães.
Alemão - No Complexo do Alemão, ocupado pelas forças
policiais em novembro de 2010, o processo de pacificação trouxe
melhorias para os moradores, como a instalação de um teleférico de 3,5
quilômetros de extensão, que facilitou o acesso à favela, e reforços na
limpeza urbana. A instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora
(UPP), em 2012, no entanto, não livrou a população do domínio de
traficantes. As obras prometidas, como pavimentação e ampliação do
saneamento básico, ainda não chegaram. “Nenhuma rua foi pavimentada e
ainda há muito esgoto a céu aberto”, afirma Marco Antônio Quintal,
presidente da Associação de Moradores da Grota.
Leia também:
Maré está tão pacificada quanto o Alemão e a Rocinha
Cabral afirma que Maré é uma "cidade dentro da cidade"
Polícia ocupa Complexo da Maré com 1.400 homens
Nenhum comentário:
Postar um comentário