Mídia Sem Mascara
| 03 Abril 2014
Uma
análise do discurso político atual, comparando-o com o de 50 anos
atrás, traz-nos surpresas interessantes. Dentre elas chama atenção a
valorização da palavra “democracia” no discurso atual.
50 anos atrás, a
democracia como a entendemos era atacada pela esquerda como “democracia
burguesa”, contraposta a uma “democracia proletária”, ironicamente
presente no nome de muitos países comunistas.
A República Democrática
Alemã era a Alemanha comunista, enquanto a capitalista era República
Federal da Alemanha, por exemplo.
O Estado de direito não era valorizado
no discurso público; o próprio Jango dizia, sem pejo, que as reformas
socializantes que propunha seriam feitas “na lei ou na marra”.
Ao
longo dos governos militares – que se percebiam, aliás, como
democráticos, por contarem com parlamento (enquanto não estava fechado) e
Judiciário independentes –, contudo, a oposição consentida fez seu o
termo “democracia”, em contraposição a “ditadura”.
Hoje,
a julgar pelo discurso e só pelo discurso, a democracia seria
considerada um dos valores básicos do país. Mas o que é realmente
democracia?
Examinando-se a prática, não apenas o discurso, de nossos
governantes atuais (os mesmos que desprezavam a “democracia burguesa” 50
anos atrás), vemos que, se o sentido do termo não é mais exatamente o
que se lhe era dado pelas “democracias proletárias” genocidas do século
passado, tampouco corresponde ele a uma busca prática de respeitar a
vontade popular.
Ao
contrário: é considerado “democrático” que o Estado possa ter acesso a
dados pessoais dos cidadãos (como os dados de navegação de internet,
segundo o Marco Civil), sem necessidade de autorização judicial. É
considerado “democrático” tentar calar a oposição, a ponto de ameaçar
cortar verbas de uma rede de tevê para que demita ou afaste
comentaristas de oposição.
É considerado “democrático” distribuir cargos
e verbas como se não houvesse amanhã para comprar os votos de partidos
inteiros. É ainda igualmente “democrático” aprovar leis abertamente
contrárias à vontade popular, à moral e aos bons costumes, seja como
ativismo de um Judiciário aparelhado, seja como “normas técnicas” e
outros eufemismos.
E,
finalmente, é “democrático” aparelhar completamente, até a medula, o
Estado, de forma tal que, ainda que surja um candidato de oposição e
arranque a Presidência da República das garras do PT, a máquina do
Estado continuará por muito tempo trabalhando em prol deste partido.
“Democracia” tornou-se uma palavra mágica, sem sentido próprio. Será que isso é “democrático”?
Publicado no jornal Gazeta do Povo.
Carlos Ramalhete é professor.
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