População se mobiliza para alertar: dar dinheiro é uma atitude que só aumento o problema
Renan Bortoletto
renan.bortoletto@jornaldebrasilia.com.br
Não importa onde você vá, eles estarão sempre prontos para te abordar. Os pedidos podem vir das mais variadas formas, mas o objetivo é um só: sobreviver nas ruas em troca de doações e esmolas. O ato, porém, é contestado por aqueles que se sentem prejudicados e até mesmo coagidos a "colaborar" com os pedintes.
Na quadra 302 Sul, comerciantes espalharam cartazes próximo aos caixas e balcões de atendimento sugerindo que os fregueses não deem esmolas aos moradores de rua. Hoje, aproximadamente duas mil pessoas vivem em situação de vulnerabilidade social no Distrito Federal.
Os problemas, no entanto, vão muito além da contribuição.
Na 302 Sul, as vielas entre o comércio e o setor residencial estão cheias de pertences dos moradores de rua, que chegam a disputar os melhores espaços para passar a noite. Além disso, o cheiro de urina e os restos de comida contribuem para um cenário desolador.
A iniciativa de distribuir panfletos aos comerciantes da 302 Sul partiu da prefeitura local. Um dos principais motivos apontados é que, em muitos casos, as esmolas são usadas para o consumo de drogas. O aviso também destaca que "o GDF disponibiliza atendimento à população de rua na 903 Sul, das 8h às 18h em duas úteis, com atendimento médico e psicossocial, banheiros, guarda de pertences, oficinas, cursos de capacitação, café da manhã e almoço. Às 17h, há transporte para abrigos."
Reclamações
"Eles pedem por comida e dinheiro toda hora. O problema é que abordam nossos clientes logo que saem da porta e já tivemos reclamações. Não sabemos mais quem é mendigo, quem é guardador de carro. Está difícil até mesmo trabalhar", disse Iranice Rodrigues, gerente de uma doceria na 302 Sul.
Ela conta que já foi ameaçada por moradores de rua que estavam nitidamente sob efeito de álcool ou drogas, e por conta disso teve que contratar um segurança para o comércio. "A gente pede para eles não entrarem, mas eles nos mandam calar a boca e perguntam o que tem pra comer. Parece até que temos a obrigação de dar algo", reclama a comerciante.
Situação se torna ciclo vicioso
Gerente de um varejão na 302 Sul, Wesley Alves de Sousa, 30, diz que nunca deu esmolas nem mesmo restos de frutas ou verduras aos moradores de rua que procuraram o seu comércio.
"Acontece que se você dá qualquer coisa num dia, eles vão voltar no próximo e continuar pedindo, é um processo inevitável. Além disso, eles trazem mais moradores de rua para o local. Eu nego de cara, eles saem xingando, reclamando, mas é melhor assim do que contribuir e criar esse vínculo", aconselha.
E para quem faz compras diariamente na 302 Sul, o convívio com os moradores de rua também pode ser incômodo. "Já dei esmola, mas hoje não dou mais. O problema é que isso já cria a insatisfação neles, e acaba que eles te marcam", ressaltou o aposentado Maurício Martins de Faria, de 68 anos.
Para ele, quem dá esmola ou até mesmo comida aos pedintes está agindo de forma errada e irresponsável. "O governo não propicia soluções para isso, mas sei que há abrigos que ajudam estas pessoas. O que quero dizer é que eles dão a moradia, mas não capacitam ou oferecem condições para que eles saiam das ruas de vez", realça.
Faria afirma que já se sentiu coagido em diversas situações, e que teve que "driblar" os pedintes da 302 Sul. "Venho a este setor comercial há mais de 20 anos, mas já deixei até de vir de carro para não ser abordado pelos guardadores de carro e neguei ajuda mesmo podendo", confessou.
Nem mesmo os bairros mais nobres de Brasília estão livres das ações dos moradores de rua. Gerente de uma padaria na quadra 301 do Sudoeste, Simone Freire de Souza conta já ter tido dificuldades até mesmo para abrir o estabelecimento. "Teve dia que não dava nem para abrir as portas de tanta gente que tinha dormindo aqui. A padaria não é autorizada a dar nada para eles, mas os próprios fregueses têm feito isso. É um costume e isso contribui para que eles não larguem essa vida", confessa.
Moradores do Sudoeste também já fizeram campanha para que não se dê esmola, mas, ao que tudo indica, isso não preocupou os moradores de rua. Segundo Simone, os horários de pico são os que mais atraem os mendigos. "Eles aproveitam que as pessoas vêm comprar comida e saem pedindo. Semana passada vi um sair do mercado com um carrinho cheio", conta.
Abordagem assusta clientes
No Distrito Federal, difícil mesmo é encontrar uma cidade onde não existam moradores de rua. Os grupos se concentram, principalmente, em áreas movimentadas. No Guará I, por exemplo, o ponto escolhido por muitos é a QE 7. Ali estão situadas muitas lojas e agências bancárias.
Na quadra, a única solução encontrada pela Caixa Econômica Federal parece ter sido isolar a área externa com grades. Moradores do Guará lembram que há anos local abrigava muitos moradores de rua que passavam a noite ali e faziam suas necessidades fisiológicas nos arredores. Resultado: cheiro de urina, restos de comida espalhados em volta do prédio e constantes abordagens aos clientes. Antes do cercamento, essa população só se multiplicava.
Medo
"Agora eles encontraram um novo meio. Abordam você antes de chegar à agência e entregam um papel escrito com o que querem. Eles estão sempre se locomovendo, não ficam estáticos. Possuo conta nesta agência, venho só para ver se caiu pagamento e não ando mais com dinheiro ou carteira", afirmou o aposentado Júlio Pereira dos Santos, de 56 anos.
Além disso, ele reclama dos chamados "guardadores de carro". "Não são credenciados, muito menos vigiam o veículo. Só estão ali para pegar algum dinheiro e depois ir atrás da droga. E se você não dá, podem riscar seu carro ou fazer alguma maldade", denuncia o aposentado.
Versão Oficial
O secretário de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), Osvaldo Russo, disse estar ciente de que os moradores de rua incomodam comerciantes e a população. O titular da pasta também defende que as ajudas oferecidas aos pedintes não são a melhor forma de combater o problema. "Temos programas sociais em que oferecemos tudo o que eles precisam para sair das ruas, a exemplo do DF Sem Miséria.
O que acontece, infelizmente, é que muitos ainda relutam em procurar ajuda, mas garanto que o número de moradores de rua tem diminuído drasticamente", alegou. Russo afirmou que existe também um preconceito com os moradores de rua, e que eles não optaram por esta vida, mas sim passaram por situações sociais que os levaram a tais condições. O secretário disse ainda que vai propor uma reunião com os comerciantes e moradores da 302 Sul para acompanhar de perto o problema relatado.
renan.bortoletto@jornaldebrasilia.com.br
Não importa onde você vá, eles estarão sempre prontos para te abordar. Os pedidos podem vir das mais variadas formas, mas o objetivo é um só: sobreviver nas ruas em troca de doações e esmolas. O ato, porém, é contestado por aqueles que se sentem prejudicados e até mesmo coagidos a "colaborar" com os pedintes.
Na quadra 302 Sul, comerciantes espalharam cartazes próximo aos caixas e balcões de atendimento sugerindo que os fregueses não deem esmolas aos moradores de rua. Hoje, aproximadamente duas mil pessoas vivem em situação de vulnerabilidade social no Distrito Federal.
Os problemas, no entanto, vão muito além da contribuição.
Na 302 Sul, as vielas entre o comércio e o setor residencial estão cheias de pertences dos moradores de rua, que chegam a disputar os melhores espaços para passar a noite. Além disso, o cheiro de urina e os restos de comida contribuem para um cenário desolador.
A iniciativa de distribuir panfletos aos comerciantes da 302 Sul partiu da prefeitura local. Um dos principais motivos apontados é que, em muitos casos, as esmolas são usadas para o consumo de drogas. O aviso também destaca que "o GDF disponibiliza atendimento à população de rua na 903 Sul, das 8h às 18h em duas úteis, com atendimento médico e psicossocial, banheiros, guarda de pertences, oficinas, cursos de capacitação, café da manhã e almoço. Às 17h, há transporte para abrigos."
Reclamações
"Eles pedem por comida e dinheiro toda hora. O problema é que abordam nossos clientes logo que saem da porta e já tivemos reclamações. Não sabemos mais quem é mendigo, quem é guardador de carro. Está difícil até mesmo trabalhar", disse Iranice Rodrigues, gerente de uma doceria na 302 Sul.
Ela conta que já foi ameaçada por moradores de rua que estavam nitidamente sob efeito de álcool ou drogas, e por conta disso teve que contratar um segurança para o comércio. "A gente pede para eles não entrarem, mas eles nos mandam calar a boca e perguntam o que tem pra comer. Parece até que temos a obrigação de dar algo", reclama a comerciante.
Situação se torna ciclo vicioso
Gerente de um varejão na 302 Sul, Wesley Alves de Sousa, 30, diz que nunca deu esmolas nem mesmo restos de frutas ou verduras aos moradores de rua que procuraram o seu comércio.
"Acontece que se você dá qualquer coisa num dia, eles vão voltar no próximo e continuar pedindo, é um processo inevitável. Além disso, eles trazem mais moradores de rua para o local. Eu nego de cara, eles saem xingando, reclamando, mas é melhor assim do que contribuir e criar esse vínculo", aconselha.
E para quem faz compras diariamente na 302 Sul, o convívio com os moradores de rua também pode ser incômodo. "Já dei esmola, mas hoje não dou mais. O problema é que isso já cria a insatisfação neles, e acaba que eles te marcam", ressaltou o aposentado Maurício Martins de Faria, de 68 anos.
Para ele, quem dá esmola ou até mesmo comida aos pedintes está agindo de forma errada e irresponsável. "O governo não propicia soluções para isso, mas sei que há abrigos que ajudam estas pessoas. O que quero dizer é que eles dão a moradia, mas não capacitam ou oferecem condições para que eles saiam das ruas de vez", realça.
Faria afirma que já se sentiu coagido em diversas situações, e que teve que "driblar" os pedintes da 302 Sul. "Venho a este setor comercial há mais de 20 anos, mas já deixei até de vir de carro para não ser abordado pelos guardadores de carro e neguei ajuda mesmo podendo", confessou.
Nem mesmo os bairros mais nobres de Brasília estão livres das ações dos moradores de rua. Gerente de uma padaria na quadra 301 do Sudoeste, Simone Freire de Souza conta já ter tido dificuldades até mesmo para abrir o estabelecimento. "Teve dia que não dava nem para abrir as portas de tanta gente que tinha dormindo aqui. A padaria não é autorizada a dar nada para eles, mas os próprios fregueses têm feito isso. É um costume e isso contribui para que eles não larguem essa vida", confessa.
Moradores do Sudoeste também já fizeram campanha para que não se dê esmola, mas, ao que tudo indica, isso não preocupou os moradores de rua. Segundo Simone, os horários de pico são os que mais atraem os mendigos. "Eles aproveitam que as pessoas vêm comprar comida e saem pedindo. Semana passada vi um sair do mercado com um carrinho cheio", conta.
Abordagem assusta clientes
No Distrito Federal, difícil mesmo é encontrar uma cidade onde não existam moradores de rua. Os grupos se concentram, principalmente, em áreas movimentadas. No Guará I, por exemplo, o ponto escolhido por muitos é a QE 7. Ali estão situadas muitas lojas e agências bancárias.
Na quadra, a única solução encontrada pela Caixa Econômica Federal parece ter sido isolar a área externa com grades. Moradores do Guará lembram que há anos local abrigava muitos moradores de rua que passavam a noite ali e faziam suas necessidades fisiológicas nos arredores. Resultado: cheiro de urina, restos de comida espalhados em volta do prédio e constantes abordagens aos clientes. Antes do cercamento, essa população só se multiplicava.
Medo
"Agora eles encontraram um novo meio. Abordam você antes de chegar à agência e entregam um papel escrito com o que querem. Eles estão sempre se locomovendo, não ficam estáticos. Possuo conta nesta agência, venho só para ver se caiu pagamento e não ando mais com dinheiro ou carteira", afirmou o aposentado Júlio Pereira dos Santos, de 56 anos.
Além disso, ele reclama dos chamados "guardadores de carro". "Não são credenciados, muito menos vigiam o veículo. Só estão ali para pegar algum dinheiro e depois ir atrás da droga. E se você não dá, podem riscar seu carro ou fazer alguma maldade", denuncia o aposentado.
Versão Oficial
O secretário de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), Osvaldo Russo, disse estar ciente de que os moradores de rua incomodam comerciantes e a população. O titular da pasta também defende que as ajudas oferecidas aos pedintes não são a melhor forma de combater o problema. "Temos programas sociais em que oferecemos tudo o que eles precisam para sair das ruas, a exemplo do DF Sem Miséria.
O que acontece, infelizmente, é que muitos ainda relutam em procurar ajuda, mas garanto que o número de moradores de rua tem diminuído drasticamente", alegou. Russo afirmou que existe também um preconceito com os moradores de rua, e que eles não optaram por esta vida, mas sim passaram por situações sociais que os levaram a tais condições. O secretário disse ainda que vai propor uma reunião com os comerciantes e moradores da 302 Sul para acompanhar de perto o problema relatado.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
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