| 29 Junho 2014
Artigos - Cultura
Foi-lhe
perguntado sobre o que lhe dava mais prazer na vida. Respondeu que era
quando o time pelo qual ele torcia marcava um gol.
Ele não estava sozinho nessa deformação da alegria.
Na minha juventude, por mais difícil que seja me lembrar dela atualmente, eu era muito bom nos esportes. Nunca poderia, no entanto, ser mais que apenas muito bom neles, porque nunca os levei suficientemente a sério para isso. Um jogo era, para mim, apenas um jogo; eu me dedicava a ele de corpo e alma apenas enquanto ele estava sendo jogado. Depois que ele terminava, era como se não tivesse passado de fumaça dispersada pelo vento.
Não
tinha nada contra aqueles que se dedicavam aos esportes, mas achava-os
tolos; eu continuava a jogar tênis, regularmente, às vezes, mas vencer
ou perder me causava apenas uma emoção fugaz, exultante ou triste, de
acordo com o caso. Para mim, na verdade, o jogo é que importava.
Mas
os Jogos Olímpicos me causaram repulsa desde o início, com suas
conotações políticas perversas, ao mesmo tempo infantis e sinistras,
suas trapaças óbvias (alguém realmente acreditou que Tamara e Irina
Press eram mulheres como quaisquer outras?), seu falso amadorismo, e sua
deformação de vidas humanas dedicadas, por exemplo, a arremessar o peso
uma polegada à frente de onde ele havia sido arremessado antes. Uma
vida passada nas minas de carvão me parecia muito mais bem vivida do que
essa.
Desde
então, minha maneira de encarar os esportes só se tornou mais
inflexível, e sinto agora um desgosto visceral por eles. Se isto
significa uma mudança em mim, ou nos esportes, não tenho certeza.
Os
esportes são, hoje em dia, um pouco como a propaganda numa sociedade
totalitária: inescapáveis. Recentemente, por exemplo, estava num
restaurante muito bom em Washington D.C., onde, apesar disso, havia uma
grande televisão de tela plana que exibia um jogo de beisebol. Alguém me
explicou certa vez as regras do beisebol, mas elas me entediaram antes
mesmo que eu tivesse começado a compreendê-las. Os jogadores pareciam
gordos demais para serem atletas de verdade, e as garotas sacudindo
pompons e os homens vestindo as cores de seu time favorito pareciam
arquétipos da suspensão espontânea da inteligência e do autorrespeito.
As
coisas não são melhores na Europa, onde é o futebol que é inescapável.
As pessoas falam sobre ele enquanto andam pelas ruas; os jornais estão
repletos dele, e, na verdade, mais repletos dele do que qualquer outra
coisa; os bares e pubs o transmitem, aparentemente, vinte e quatro horas
por dia; e, o que é mais sinistro, as pessoas têm medo de não
demonstrar qualquer interesse por ele.
Um
antigo estudante meu, atualmente um eminente professor, deu
recentemente uma entrevista num jornal acadêmico, e lhe foi perguntado
sobre o que lhe dava mais prazer na vida. Respondeu que era quando o
time pelo qual ele torcia marcava um gol.
Tentei
imaginar o que seria pior, se ele estivesse mentindo ou falando a
verdade. Se fosse verdadeiro, significaria uma existência um tanto
quanto triste, na qual uma bola sendo chutada na rede do gol adversário
por um mercenário muito bem pago, que jogaria sem pestanejar pelo
oponente se lhe fosse oferecido alguns míseros milhões a mais por ano ou
por semana para fazê-lo, e que não tinha qualquer ligação, seja ela
geográfica, cultural, pessoal, familiar ou até mesmo nacional, com a
região do time pelo qual ele jogava, era o ponto mais alto imaginável.
Mas, se falso, por que a mentira, por que fingir que um gol marcado pelo
"seu" time lhe era tão importante?
Ele
não estava sozinho nessa deformação da alegria. Praticamente todas as
pessoas importantes entrevistadas na imprensa ou em qualquer outro lugar
alegam "torcer" por um time ou outro. Isto se tornou tão onipresente
que não se pergunta aos entrevistados se eles se interessam por
futebol, mas para que time torcem, como se fosse inconcebível eles não
torcerem para time algum. Não me recordo de uma única pessoa que ousasse
dizer com todas as letras que não tinha qualquer interesse por futebol,
quanto mais que o abominasse.
Por que essa reticência? Será realmente verdade que todos
os nossos políticos, principais executivos, intelectuais, cientistas,
artistas, jornalistas, e assim por diante, são entusiastas deste
esporte? Acredito que este suposto interesse pelo futebol é um apelo
implícito a um igualitarismo puramente simbólico. Veja bem, diz o
entrevistado, posso ganhar numa semana o que outros ganham durante toda
uma vida, posso sentar no topo da árvore ou de toda uma floresta de
árvores, posso ter casas em todos os lugares do mundo, frequentar apenas
os círculos sociais mais elevados, mas na realidade sou
exatamente como você: eu também amo, penso, sonho com o Juventus, Real
Madrid, Corinthians ou Manchester United.
O interesse compulsório pelo
futebol é como a igualdade perante a lei, mas sem o significado
filosófico dela. Ele só poderia existir numa era de ansiedade,
justificada ou não, com a desigualdade econômica. O interesse pelo
futebol é, para o grande executivo moderno, o que se vestir de camponesa
era para Maria Antonieta (e veja de que lhe adiantou fazer isso).
Fiquei, portanto, extasiado quando descobri, recentemente, na França, um livro chamado L'Idéologie sportive: Chiens de garde, courtisans, et idiots utiles du sport (A
Ideologia Esportiva: Cães de Guarda, Cortesãos e Idiotas Úteis do
Esporte), um livro escrito por um grupo de autores anônimos da extrema
esquerda que, com um toque sutil de um sarcasmo desdenhoso, dissecam e
destroem as supostas justificativas do esporte no mundo moderno.
Embora a
minha visão de mundo seja diametralmente oposta à deles em diversos
aspectos, me peguei rindo da maneira com que expuseram as idiotices
cometidas por intelectuais em sua defesa desta arma de distração em
massa que é o esporte.
O
esporte é moral e financialmente corrupto, de cima a baixo. Sobre a
corrupção nas camadas mais altas nem sequer é necessário falar. E as
lições que ele ensina, até mesmo nos níveis amadores, são terríveis:
vencer a qualquer custo, ser inescrupuloso, trapacear se necessário,
utilizar drogas que o deixem mais forte. Ele desperta emoções
primitivas, violentas, e parece estar piorando, nesse aspecto: os
autores citam estatísticas que mostram que foram registradas agressões
graves em 7750 jogos amadores de futebol na França entre 2006 e 2007, e,
no ano seguinte, em 12.008 jogos (metade destes incidentes foi de
violência real).
Não
me lembro de ser assim na minha infância. Ocasionalmente, por exemplo,
eu jogava uma ou outra partida de cricket nas quais, a despeito da
competitividade, o bom humor e a conduta cavalheiresca prevaleciam (a
menos que eu estivesse cego ao outro tipo). Mas, recentemente, estive
presente numa partida de cricket de uma cidade pequena pela primeira vez
em muitos anos, e descobri que até mesmo nesse nível, uma atividade
chamada sledging, que consiste em insultar o oponente e
intimidá-lo de diversas maneiras, teve que ser proibida, e os árbitros
instruídos para expulsar de campo qualquer um que recorresse a ela. Isto
era inconcebível, trinta anos atrás.
Nos últimos anos os esportes deixaram de ser um meio de propagar a cordialidade e passaram a ser um meio de destruí-la.
Restam-me
poucos escrúpulos que me impedem de sugerir o banimento total dos
esportes, que certamente seria a única maneira de eliminar o dopping
e outras más condutas. O primeiro é que aqueles números sobre agressão e
violência nas partidas de futebol amador francês compartilham de um
erro estatístico comum entre os que desejam horrorizar seus leitores:
eles são numeradores sem denominadores.
Se tivéssemos 12.000 partidas
com violência de um total de 13.000, os números seriam realmente
chocantes; mas se fosse de um total de 12.000.000 de partidas, sua
importância seria muito menor e nem um pouco chocante.
Meu
segundo escrúpulo é que o homem sempre foi um vândalo, com tendências
destrutivas e outras maldades para seu próprio deleite.
Lembro-me da
leitura que fiz de um livro brilhante muitos anos atrás do clássico Alan
Cameron, intitulado Circus Factions: Blues and Greens at Rome and Byzantium,
onde o autor demonstrou que a terrível destruição urbana acarretada por
facções nos jogos não tinha nenhuma razão de ser, e não tinha nenhuma
motivação política que autores anteriores relacionaram a ela. É
simplesmente possível (embora eu geralmente seja avesso a este modelo
hidrodinâmico de maldade humana) que se as pessoas não pudessem
expressar suas maldades na arena esportiva, elas iriam expressa-la em
algum outro local mais sério.
Então a questão se agiganta: O que é sério na vida? Por que não tanto o esporte quanto a filosofia?
Finalmente, o autor de L'Idéologie sportive
deixa implícito que a grande massa é ludibriada por aqueles que lhe
proporcionam o esporte, para seus próprios grandes lucros. As massas são
ludibriadas, enganadas, da maneira que Marx pensou que os religiosos
eram ludibriados e enganados. O esporte, diz o autor, é o ópio das
massas.
Eu hesito em pensar que somente eu sou esperto, enquanto todos os outros (exceto aqueles poucos que concordam comigo) são tolos.
Theodore Dalrymple é
médico psiquiatra e escritor. Aproveitando a experiência de anos de
trabalho em países como o Zimbábue e a Tanzânia, bem como na cidade de
Birmingham, na Inglaterra, onde trabalhou como médico em uma prisão,
Dalrymple escreve sobre cultura, arte, política, educação e medicina.
Além de seu trabalho em medicina nos países já citados, ele já viajou
extensivamente pela África, Leste Europeu, América Latina e outras
regiões.
Publicado no site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
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