Empresa que captou 23 milhões de reais de fundos de previdência de servidores públicos tenta evitar falência. Funcionários afirmam que estão há dois meses sem receber.
O doleiro Alberto Youssef (Folhapress)
A agência de viagens Marsans Brasil, controlada pelo doleiro Alberto
Yousseff desde 2010, entrou em recuperação judicial. O pedido foi
autorizado pelo juiz Gilberto Matos, responsável pela 3ª e pela 4ª Vara
Empresarial do Rio de Janeiro. A recuperação judicial é uma proteção
legal, para evitar a falência, que precisa ser aprovada e supervisionada
pela Justiça, para empresas em crise econômico-financeira, com
dificuldade de saldar compromissos. É uma escolha feita por firmas que
precisam de mais tempo para pagar dívidas e acreditam na sobrevivência
do negócio. Em casos desse tipo, o juiz costuma autorizar descontos e
prolongamentos de dívidas para o salvamento da empresa, ou decretar a
falência e a liquidação de bens para pagamento de credores.
A recuperação judicial foi autorizada em 5 de junho. A partir deste
período, a empresa ganhou um prazo de 60 dias para apresentar um plano
de recuperação judicial, com datas e estratégias para o pagamento de
credores. A concessão da medida suspendeu a execução de dívidas contra a
empresa.
Mas o caso da Marsans é mais grave do que uma empresa convencional em
recuperação, porque o uso da empresa por Youssef é investigado pela
Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal nos desdobramentos da
operação Lava-Jato, que prendeu o doleiro, o ex-diretor da Petrobras e
quadrilhas envolvidas na lavagem de mais de 10 bilhões de reais
Leia mais
Antes de a agência ficar sem credibilidade perante companhias aéreas e
hotéis, a Marsans chegou a captar, entre 2012 e 2013, cerca de 23
milhões de reais de fundos de previdência dedicados ao pagamento de
pensões de servidores aposentados, como mostrou reportagem do site de
VEJA. Só o Instituto de Gestão Previdenciária do estado do Tocantins
aplicou 12 milhões de reais na empreitada. Também se tornaram
investidores na empresa do doleiro os fundos municipais de previdência
de Cuiabá (MT), que desembolsou 3,4 milhões de reais; e Paranaguá (PR),
que gastou 2 milhões de reais. No Nordeste, o fundo de Amontada (CE)
gastou cerca de 1,6 milhão de reais e o de Petrolina (PE) desembolsou
980.000 reais. Hortolândia e Holambra, duas cidades do interior
paulista, aplicaram respectivamente 1,5 milhão de reais e 980.000 reais
para virar sócias de Youssef.
Os gastos públicos foram feitos para comprar cotas do Fundo de
Investimento em Participações (FIP) Viaja Brasil, um produto criado pelo
banco Máxima com o propósito de impulsionar o crescimento do grupo
Marsans Brasil. Este fundo, teoricamente, aplicou os recursos dos fundos
de previdência na compra de cotas da Graça Aranha RJ Participações, uma
holding que controla as empresas do grupo Marsans Brasil.
Mas o fracasso empresarial da Marsans, apesar da milionária injeção de
recursos, deixou executivos do setor intrigados, porque contrasta com o
bom momento vivenciado por operadoras de turismo.
Com a empresa em recuperação, funcionários relatam que estão com dois
meses de salários atrasados, sem receber pagamento desde abril. Neste
período, também aumentaram denúncias, em sites especializados em defesa
do consumidor, de clientes que ficaram sem usufruir de serviços
contratados. "Todos os funcionários estão em pânico. Clientes reclamam,
porque compraram passagens aéreas que não foram emitidas", relatou um
funcionário ao site de VEJA.
Capital – Procurado pelo site de VEJA, o juiz Gilberto Matos disse
desconhecer que a Marsans seja propriedade do doleiro Alberto Youssef.
Durante as investigações da operação Lava-Jato, a polícia descobriu que
Youssef controlava a empresa com o auxílio de laranjas. De acordo com
documentos da Junta Comercial do Rio, a sócia-administradora da Marsans é
a GFD Investimentos. Esta firma era controlada pelo Devonshire Global
Fund, organização bancária baseada na Ásia. Mas, depois da prisão de
Youssef em 17 de março, o advogado Antonio Figueiredo Basto, que defende
o doleiro, jamais escondeu que o doleiro fosse dono da Marsans. Em
entrevista ao site de VEJA, afirmou que a agência era um "negócio
lícito" de Youssef.
“Não há nada que aponte no processo que ela seja de propriedade da
pessoa mencionada, porque se trata de uma pessoa jurídica, uma empresa”,
afirmou o juiz em resposta ao site de VEJA.
O doleiro era apresentado dentro da empresa como o dono da Marsans, de
acordo com funcionários entrevistados pelo site de VEJA. Até por isso
escritórios da Marsans foram alvos de buscas judiciais e tiveram
documentos apreendidos para os processos criminais que correm na 13ª
Vara Federal do Paraná.
O juiz Gilberto Matos nomeou o advogado e contador Gustavo Licks como
administrador judicial da Marsans. Ele deverá acompanhar mensalmente a
prestação de contas do grupo e denunciar eventuais irregularidades na
gestão financeira. Como administrador judicial, terá direito a uma
remuneração total equivalente a 1,5% do valor da dívida do grupo. A
atuação de Licks já foi investigada em sindicância do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), que aguarda julgamento no órgão. O advogado teve de
prestar depoimento ao conselheiro Gilberto Martins e ao juiz Julio Cesar
Machado Ferreira, que investigaram irregularidades em varas
empresariais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. O
objetivo do CNJ na sindicância foi o de verificar se magistrados atuaram
indevidamente na indicação de Licks, e outras pessoas ligadas a juízes,
como administradores judiciais de massas falidas.
A nomeação de Licks foi analisada porque a mãe do advogado é sócia de
Adriano Pinto Machado, ex-cunhado do desembargador Mauro Pereira
Martins. Antes de ser promovido, Pereira Martins foi juiz titular da 4ª
Vara Empresarial da capital fluminense. Em entrevista ao jornal O Globo
no ano passado, o magistrado destacou que nunca tomou decisões em
processos onde o cunhado atuou, com exceção de uma decisão que
determinou a penhora de um bem. O Código de Processo Civil proíbe
magistrados de exercer suas funções quando no processo estiver
postulando, como advogado da parte, "cônjuge ou qualquer parente seu,
consanguíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo
grau".
Procurado pelo site de VEJA, Licks argumentou que não há impedimento que ele atue como administrador judicial.
O juiz Gilberto Matos esclareceu, em resposta ao site de VEJA, que
nomeou Licks como administrador judicial da Marsans porque "nunca houve
questionamentos acerca de sua conduta profissional ou pessoal, nem mesmo
pelo Ministério Público". Ele também ressaltou a "competência
profissional" do advogado em "mais de dez processos na 4ª Vara
Empresarial". Matos também informou que não possui "relação pessoal" com
o advogado.
"Não passei por cima de suspeição alguma que existia sobre a conduta do
profissional de Gustavo Licks, porque não há qualquer questionamento
sobre sua atuação profissional ou moral. O CNJ somente investiga
magistrados e não outros profissionais. Então, o profissional Gustavo
Licks não consta como investigado pelo CNJ. Essa foi a primeira vez que
indiquei Gustavo Licks administrador judicial. Por fim, não tenho
qualquer relação pessoal com o administrador judicial Gustavo Licks e o
mesmo foi nomeado por constar da relação parcial do cadastro de
administradores judiciais do Tribunal de Justiça", afirmou.
Confira a íntegra do comunicado divulgado pelo juiz Gilberto Matos:
“O motivo de ter nomeado o administrador judicial Gustavo Licks foi a
sua competência profissional na atuação em mais de dez processos na 4ª
Vara Empresarial da Capital. Nunca houve questionamentos acerca de sua
conduta profissional ou pessoal, nem mesmo pelo Ministério Público. Nos
autos da ação de recuperação judicial da Varig, o Sr. Gustavo Licks foi
nomeado administrador judicial no final da recuperação judicial da Varig
por indicação do Ministério Público. É de conhecimento notório que o
mesmo atua como administrador judicial na ampla maioria das Varas
Empresarias, dada a sua competência técnica.
A Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro criou
um cadastro de administradores judiciais, para conceder maior
transparência nas nomeações. O profissional Gustavo Licks fez o curso do
Tribunal de Justiça, apresentou seu certificado e foi indicado para
constar da relação de administradores judiciais à disposição dos juízes
de varas empresariais. O Conselho Nacional de Justiça foi cientificado
da resolução do Tribunal de Justiça e aprovou a iniciativa.
Não passei por cima de suspeição alguma que existia sobre a conduta do
profissional de Gustavo Licks, porque não há qualquer questionamento
sobre sua atuação profissional ou moral. O CNJ somente investiga
magistrados e não outros profissionais. Então, o profissional Gustavo
Licks não consta como investigado pelo CNJ.
Essa foi a primeira vez que indiquei Gustavo Licks administrador
judicial. Por fim, não tenho qualquer relação pessoal com o
administrador judicial Gustavo Licks e o mesmo foi nomeado por constar
da relação parcial do cadastro de administradores judiciais do Tribunal
de Justiça.”
Fonte: DANIEL HAIDAR, do Rio de Janeiro - revista Veja - 26/06/2014 - - 13:29:32 BLOG DO SOMBRA
Nenhum comentário:
Postar um comentário