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Por Carlos I. S. Azambuja
Acabei de ler os dois volumes escritos por Elio Gaspari (“A
Ditadura Envergonhada” e ”A Ditadura Escancarada”) nos quais ele se propôs
reconstituir cerca de dez anos da História do Brasil, desde o governo
João
Goulart até o final da Guerrilha do Araguaia, em 1974.
Analisou a área política dos governos militares, a chamada
“repressão” e as esquerdas de todos os matizes, dando ênfase à esquerda armada
dos “anos de chumbo”, conforme ele diz.
Valeu-se de arquivos pessoais de diversas personalidades,
fundamentalmente dos arquivos do general Golbery e de seu secretário, capitão
Heitor.
Entrevistou dezenas de pessoas, da direita, do centro, da
esquerda e da extrema esquerda.
Quando da Revolução de março de 1964, Elio Gaspari, aluno da
Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro, era membro do PCB,
conhecido como “Elio Parmegiani”.
Em seu livro, narra em detalhes a morte do estudante Edson
Luiz, no restaurante do Calabouço, ocorrida em 27 de março de 1968. Detalhes
tão precisos como se ele estivesse lá, assistindo a tudo.
Não estava. Tanto não estava que escreveu que o fato ocorreu
a “três quarteirões do hospital da Santa Casa”. Outra inverdade. Do restaurante
ao hospital bastava atravessar a rua Santa Luzia. Eu estava lá e vi.
No entanto, na Faculdade Nacional de Filosofia, Rio de
Janeiro, de onde era aluno, narra a morte, a tiro de revólver disparado por um
seu colega, de um estudante da mesma Faculdade.
E só. Por que Gaspari, um historiador, evita dizer o nome desse seu colega, de Faculdade e de partido, que disparou a arma?
Esse é um segredo de polichinelo, embora jamais o autor da
morte tenha sido processado por esse crime. Seu nome? Apenas as iniciais, pois
não desejo prejudicá-lo, onde quer que esteja.
Assim, aquilo que ele julga que ninguém sabe, ele vai saber
que eu sei: ACFPP. Eu estava lá e vi.
Essa foi a primeira parcialidade encontrada em seus livros.
Mas há outras, tão ou mais graves, pois distorcem a História ou evitam contá-la
como ela foi.
Na página 146 do segundo de seus livros escreveu que o
Cônsul dos EUA em São Paulo, na segunda metade de 1968 dispunha de contatos que
lhe permitiram estabelecer a conexão entre Marighela e os Dominicanos, mas que
na cópia de um documento da época, liberada pelo Departamento de Estado dos
EUA, “a identidade desse interlocutor está protegida por um trecho censurado
que equivale a vinte batidas de telex”.
Não acredito que o autor desconheça que essas vinte batidas
de telex escondam o nome de Hans Rudolph Jacob Manz, terrorista da ALN treinado
em Cuba e que usava os codinomes de “Flores”, “Juvêncio”,
“Osvaldo” e “Suíço”
Escreveu ele nas fls 286 de “A Ditadura Envergonhada” que
“por ordem do chefe do gabinete do Ministro da Aeronáutica - João Paulo Burnier
-, três oficiais e oito graduados da 1ª Esquadrilha de Salvamento e Resgate da
FAB, o Parasar, foram colocados sob o comando de um general, municiados com
armas cuja numeração estava raspada, equipados com documentos falsos e enviados
em trajes civis para patrulhas de ruas”.
Duas mentiras em um trecho de três linhas: o brigadeiro João
Paulo Morira Burnier, quando desse episódio, não era, ainda, chefe do gabinete
do Ministro da Aeronáutica (basta consultar os diários oficiais da época, o que
seria muito mais fácil que destrinchar os quilos de papéis dos arquivos do
general Golbery).
Viria a sê-lo, algum tempo depois.
E quem colocou os oficiais e graduados à disposição do
general Ramiro Tavares foi o comandante da então Terceira Zona Aérea, ao qual o
Parasar era subordinado para fins de emprego na Segurança Interna.
Apenas operacionalmente subordinava-se à Diretoria de Rotas
Aéreas.
Outra parcialidade escancarada, ou melhor, mentira
escancarada, ainda sobre o mesmo assunto, está logo a seguir, na página 303.
Escreveu ele que “baseado numa sindicância que Burnier mandara fazer, Souza e
Mello saiu em sua defesa”.
Mentira.
Quem fez a sindicância citada foi o brigadeiro Sousa e
Silva, chefe do gabinete do Ministro Souza e Mello. Burnier foi, sim, um dos
objetos da sindicância. Eu estava lá e vi.
Elio Gaspari, que por várias vezes citou o site do grupo
Terrorismo Nunca Mais (Ternuma) para respaldar algumas afirmações, ignorou a
matéria “A Verdade sobre o Caso Parasar” que está lá, no Ternuma.
Se não a tivesse ignorado saberia que o brigadeiro Burnier
nunca teve atrás de si nenhum movimento político, nem a mídia e muito menos foi
candidato a nada, o que não aconteceu com o capitão “Sérgio Macaco”, do
Parasar, acolitado por políticos da esquerda do então MDB e da Frente Ampla,
com toda a mídia a seu lado e, graças à notoriedade ganha com o escândalo por
ele construído, eleito deputado federal.
Julgo que entre as funções mais nobres dos jornalistas e
escritores estão as de investigar e procurar atingir a verdade antes de
informar.
Gaspari não fez isso. Limitou-se a transcrever versões
parciais extraídas de notícias de jornais, bem como declarações de pessoas –
inclusive militares – que “ouviram dizer”.
Exemplos: ordens para explodir o Gazômetro e assassinar
políticos. Isso em uma reunião, de portas abertas, do Brig Burnier com
oficiais, cabos e soldados do Parasar! Eu estava lá e vi.
O jornalista, tão minucioso em seus relatos do 31 de março,
como os tanques que saíram do Laranjeiras e vieram para o Guanabara, evitou dizer
que quem organizou a defesa do Palácio Guanabara, onde se encontrava o
governador Carlos Lacerda, foi o então major Burnier.
Evitou fazer referência a tudo o que foi narrado sobre o
Caso Parasar, minudentemente, pelo jornal “O Estado de São Paulo” nas edições
de 5 de outubro de 1968 e 12 de março de 1978, relatos nunca, por ninguém,
contestados.
Em 5 de outubro de 1968, editorial escrito por Julio de
Mesquita Filho, assinalava:
“Estamos, portanto, diante de um novo episódio da campanha
sub-reptícia que os derrotados de março de 1964 desenvolvem na área militar,
para quebrar, primeiro a unidade de cada Arma e, depois, a união das três
Forças Armadas”.
O jornalista ignorou também os despachos de três sucessivos
ministros da Aeronáutica – publicados pela imprensa – aos requerimentos feitos
pelo brigadeiro Burnier pedindo a instauração de um Conselho de Justificação
para julgar seus atos à vista dessas acusações que lhe vinham sendo feitas
por Sérgio Macaco, especialmente através da imprensa.
Um desses três ministros proferiu, a respeito, em 19 de maio
de 1980, um despacho concluindo que “as acusações relacionadas com o Caso
Parasar eram inadmissíveis” e, ademais, contém o seguinte trecho, que
transcrevo:
“Oficial vibrante, de extrema dedicação à carreira,
patriota sobejamente comprovado, de conduta digna, notável responsabilidade no
cumprimento do dever e possuidor de elevado conceito entre superiores, pares e
subordinados”.
Esse é o conceito do brigadeiro Burnier junto a seus chefes,
muito diferente do construído pela esquerda de então e aceito pelo "Elio
Parmegiani".
Entre os diagnósticos de Julio Mesquita Filho e de três
ministros de Estado e opiniões outras, encampadas irresponsavelmente pelo
autor, fico com os fatos e não com as versões escancaradas da
parcialidade.
Finalmente, outra notória parcialidade está nas páginas 392
e 393, onde faz referência à “fase pistoleira dos terroristas”, alinhando os
nomes de três militantes “justiçados” por seus próprios companheiros, alguns,
como Marcio Leite Toledo, por terem ousado começar a pensar com a própria
cabeça.
.
Não foram três – o que é mais uma parcialidade descarada -.
Foram nove. Seus nomes estão lá, no site do Ternuma, tão citado por
Gaspari:
Geraldo Ferreira (Dissidência da Var-Palmares, em 29 de maio
de 1970, no Rio),
Ari Rocha Miranda (ALN, em 11 de junho de 1970, em São
Paulo),
Antonio Lourenço (Ação Popular, em fevereiro de 1971, no
Maranhão),
Carlos Alberto Maciel Cardoso (ALN, em 13 de janeiro de
1971, no Rio),
Marcio Leite Toledo (ALN, em 23 de março de 1971, em São
Paulo),
Amaro Luiz de Carvalho (PCR, em 22 de agosto de 1971, em
Pernambuco),
Francisco Jacques Moreira de Alvarenga (Resistência Armada
Nacionalista, em 28 de junho de 1973, no Rio;
assassinado pela ALN), Salatiel Teixeira Rolins (PCBR, em 22
de julho de 1973, no Rio),
Rosalino Cruz Souza (“Mundico”), e
“Paulo”, não identificado, respectivamente em agosto e
setembro de 1973 (ambos do PC do B, durante a Guerrilha do Araguaia, por terem
demonstrado o desejo de abandoná-la).
’Mundico” foi assassinado por Dinalva da Conceição Oliveira
Teixeira (“Dina”), transformada em quase heroína pelo jornalista.
Fico por aqui.
É ou não uma Parcialidade Escancarada?
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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