Atualizado em 3 de julho, 2014 - 16:39 (Brasília) 19:39 GMT
Um verdadeiro "depósito de
seres humanos". É como o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
se refere ao Abrigo Rio Acolhedor (Paciência) – cujas funções seriam o
acolhimento e reinserção social da população em situação de rua – após o
local acumular ações judiciais e denúncias de falta de higiene,
transmissão de doenças, superlotação e negligência.
Em resposta à BBC Brasil, no entanto, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social (SMDS) rebate as acusações e diz que o local tem capacidade maior do que a defendida pelo MP, que todos os colchões da unidade foram trocados e que a vigilância sanitária faz inspeções periódicas no local.
"O abrigo tem capacidade para 400 pessoas e possui área de 550 metros quadrados divididos em oito alas", diz a Prefeitura, apesar de o MPRJ afirmar que a lotação máxima não deveria ultrapassar 50 adultos homens, 50 adultos mulheres e 50 idosos. No dia da visita, em junho, 463 pessoas haviam dado entrada no abrigo, segundo dados do Ministério Público.
A BBC Brasil aguardou durante uma semana autorização da Prefeitura do Rio de Janeiro para visitar o local, mas a ida ao abrigo de Paciência não foi permitida dentro do prazo informado pela reportagem.
Tuberculose, críticas, e outro lado
Rebatendo as acusações de superlotação e de que os abrigados ficam à deriva no local, sem atividades e sem receberem encaminhamento para treinamentos ou programas de reinserção no mercado de trabalho, a Prefeitura diz que leva os integrantes dos abrigos para entrevistas de emprego em vans próprias – o MPRJ, no entanto, afirma que o setor responsável pelo recebimento destas solicitações em outro órgão da Prefeitura jamais recebeu uma solicitação do Rio Acolhedor.Para Patrícia Villela, promotora que coordena o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania no MPRJ, uma questão se sobressaiu durante a inspeção. "O que me chamou a atenção mesmo foi o fato de haver pessoas com tuberculose sendo mantidas ao lado de outros abrigados. Isso jamais poderia acontecer", afirma.
Nos vídeos gravados pelo MPRJ recentemente, aos quais a BBC Brasil teve acesso, vê-se o momento em que a responsável pelo ambulatório do local (segundo o MPRJ) confessa não saber quais dos abrigados está em condições de transmitir tuberculose naquele momento, e que eles não são necessariamente mantidos em isolamento – pouco antes de começar a vasculhar os documentos e fichas médicas.
Já na nota enviada à BBC Brasil, a Prefeitura diz que "hoje, não há um único caso no Rio Acolhedor de abrigado que possa transmitir a doença", e que quando há confirmação de tuberculose, os abrigados passam a utilizar máscaras cirúrgicas.
"Nos seis primeiros meses deste ano foram realizados 1578 atendimentos na unidade de saúde. Em junho, foram feitos 93 exames de baciloscopia para constatar a tuberculose, com os resultados saindo em quatro dias", diz o governo local.
Críticas e ações judiciais
Autor de duas Ações Civis Públicas relacionadas ao tema, o promotor Rogério Pacheco Alves disse no início do ano que o abrigo mais parece um "depósito de seres humanos".Antônio Pedro Soares, do Mecanismo de Combate e Prevenção à Tortura, órgão independente que se reporta à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e monitora espaços como presídios, abrigos e centros de detenção, tentou levar seu grupo para inspecionar o local no dia 16 de junho, dias após a visita do MPRJ, mas foi impedido.
"Jamais fomos impedidos de visitar qualquer local, nem mesmo o presídio de segurança máxima de Bangu I. Mas a Prefeitura manteve a decisão e não nos deixou entrar no Abrigo de Paciência", diz.
Para ele, a decisão é vista como "um sinal de alerta gritante do que pode estar acontecendo dentro daquela unidade. Justamente num momento de Copa do Mundo, em que é noticiado e percebido que a população de rua do Rio de Janeiro desapareceu, somos impedidos de entrar lá. Por quê?".
Já Isabel Lima, psicóloga e membro da ONG Justiça Global, ressalta o número de ações do Ministério Público e as críticas de várias entidades, como o Conselho Regional de Psicologia. "É realmente um cenário desolador, perceber que mesmo com a pressão de tantos órgãos o assunto não ganha peso. Acho que talvez seja necessária uma sensibilização maior da sociedade para o tema e uma atuação mais forte do Judiciário ao julgar estas ações".
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