sexta-feira, 28 de março de 2014

1964 já era! Viva 2064!Reinaldo Azevedo







1964 já era! Tenho saudade é de 2064! Os historiadores podem e devem se interessar pelos eventos de há 50 anos, mas só oportunistas querem encruar a história, vivendo-a como revanche. 

Enfara-me a arqueologia vigarista. Trata-se de uma farsa política, intelectual e jurídica, que busca arrancar do mundo dos mortos vantagens objetivas no mundo dos vivos. 

A semente do mensalão está nos delírios do Araguaia. O dossiê dos aloprados foi forjado pela turma que roubou o "Cofre do Adhemar". 

Os assaltos à Petrobras foram planejados pelas homicidas VAR-Palmares, de Dilma, e ALN, de Marighella. A privatização do passado garante, em suma, lugares de poder no presente e no futuro. Os farsantes apelam à mitologia para reivindicar o exclusivismo moral que justifica seus crimes de hoje. Ladrões se ancoram na gesta da libertação dos oprimidos. 

Uma solene banana para eles, com seus punhos cerrados e seus bolsos cheios!

Quem falava em nome dos valores democráticos em 1964? Os que rasgaram de vez a Constituição ou os que a rasgavam um pouco por dia? 

Exibam um texto, um só, das esquerdas de então que defendesse a democracia como um valor em si. Uma musiquinha do CPC da UNE para ilustrar: "Ah, ah, democracia! Que bela fantasia!/ Cadê a democracia se a barriga está vazia?" 

Para bom entendedor, uma oração subordinada basta. A resposta matou mais de 100 milhões só de... fome! 

Nota desnecessária em tempos menos broncos: respeito a disposição dos que querem encontrar seus mortos. Eu não desistiria enquanto forças tivesse. Mas não lhes concedo a legitimidade, menos ainda a alguns prosélitos disfarçados de juristas, para violar as regras do Estado de Direito. 

A anistia, por exemplo, não está consignada apenas na lei nº 6.683. O perdão –não o esquecimento– é também o pressuposto da Emenda Constitucional nº 26 (ow.ly/v4ZK9), de 1985, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte.

Vamos declarar sem efeito o texto que nos deu a nova Constituição? 

A pressão em favor da revogação da anistia e a conversão da Comissão da Verdade –se estatal, ela é necessariamente mentirosa– num tribunal informal da história ignoram os pactos sobre os quais se firmaram a pacificação política do país. 

Digam-me: onde estávamos em 1985? Revivendo a repressão de 1935, que se seguiu à "Intentona Comunista"? E em 1987? Maldizendo os 50 anos do Estado Novo? E em 1995, celebrando o seu fim? Estado Novo? Eis a ditadura que os "progressistas" apagaram da memória. 

Um tirano como Getúlio Vargas foi recuperado pelas esquerdas para a galeria dos heróis do anti-imperialismo e serve de marco, segundo os pensadores amadores, para distinguir "demófobos" de "demófilos". 


Ilustro rapidamente. Entre novembro de 1935 e maio de 1937, só no Rio, foram detidas 7.056 pessoas. Todas as garantias individuais estavam suspensas. Dois navios de guerra foram improvisados como presídios. 

Em 1936, criou-se o Tribunal de Segurança Nacional, que condenou mais de 4 mil pessoas –Monteiro Lobato entre elas. Mais de 10 mil foram processadas. A Constituição de 1937 previa a pena de morte para quem tentasse "subverter por meios violentos a ordem política e social". 

Leiam o decreto nº 428, de 1938, para saber como era um julgamento de acusados de crime político. Kim Jong-un ficaria corado. A tortura se generalizou. 

No assalto ao Palácio da Guanabara, promovido por integralistas em maio de 1938, oito pessoas presas, desarmadas e rendidas foram assassinadas a sangue frio, no jardim, sem julgamento, por Benjamin e Serafim Vargas, respectivamente irmão e sobrinho de Getúlio. 

No dia 9 de novembro de 1943, a Polícia Especial enfrentou a tiros uma passeata de estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, com duas vítimas fatais. Tudo indica que os mortos e desaparecidos do Estado Novo, sem guerrilha nem ataques terroristas, superaram em muito os do regime militar. Nunca se fez essa contabilidade. 

Nesse caso, a disputa pelo presente e pelo futuro pedia que se escondessem os cadáveres. 

Getúlio virou um divisor de águas ideológicas na história inventada pelos comunistas, oportunistas e palermas e é o pai intelectual de João Goulart, o golpista incompetente deposto em 1964. 

Antes, como agora, "eles" sabem como transformar em heróis seus assassinos. A arqueologia do golpe é um golpe contra o futuro. Viva 2064! 




reinaldo azevedo

Reinaldo Azevedo, jornalista, é colunista da Folha e autor de um blog na revista 'Veja'. Escreveu, entre outros livros, 'Contra o Consenso' (ed. Barracuda), 'O País dos Petralhas' (ed. Record) e 'Máximas de um País Mínimo' (ed. Record). Escreve às sextas-feiras.

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