- Paulo Lima, que ajudou a construir a ferrovia de Carajás, diz que má conservação contribui para descarrilamentos na SuperVia
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RIO — O medo é companheiro constante de viagem da diarista Hilca
Ferreira, de 52 anos, nos trens da SuperVia. Ela foi vítima de um
descarrilamento em fevereiro do ano passado e vive até hoje com sequelas
do ferimento no dedo indicador da mão direita.
De lá para cá, Hilca já perdeu as contas de quantos acidentes semelhantes presenciou. Preocupação ela tem. O que lhe falta é uma opção rápida de transporte para o trajeto diário entre Senador Camará, onde mora, e o trabalho, em Copacabana.
Além dos problemas visíveis por qualquer passageiro, como falta de ar-condicionado, superlotação e sujeira nos vagões, as falhas que estão fora do alcance dos olhos de um leigo são muitas e representam perigo aos usuários.
Repórteres do GLOBO embarcaram acompanhados pelo engenheiro industrial e de produção Paulo Lima, conselheiro do Clube de Engenharia do Rio e consultor do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ).
Durante a viagem entre as estações da Central e de Deodoro, o especialista apontou problemas que vão da falta de parafusos ao desgaste dos trilhos, detalhes que podem causar mais acidentes como os recentes descarrilamentos que paralisaram o sistema de trens.
Na quarta-feira, a SuperVia foi multada em R$ 868 mil pela Agência Reguladora de Transportes (Agetransp) devido ao mau atendimento aos usuários após o descarrilamento do dia 22 de janeiro.
Trens malconservados
Ex-funcionário da Vale, Paulo Lima, que ajudou a construir a ferrovia de Carajás (entre os estados do Maranhão e do Pará), ficou impressionado com a má conservação e a falta de limpeza dos vagões ao embarcar na Central, em um trem do ramal de Japeri:
— Se aqui já é assim, imagine lá embaixo, onde não é possível o cliente ver.
Sentada ao lado, Hilca contou que logo após o acidente entrou na Justiça contra a SuperVia.
— Foi a pior sensação da minha vida. O trem descarrilou e fiquei com o dedo pendurado. Levei oito pontos, mas até hoje ele não dobra.
No mesmo vagão, outra vítima de acidente no transporte: a aposentada Marcionília Ferreira, de 73 anos, voltava para casa, em Anchieta, quando o trem em que estava bateu em outro. Isso foi há dez anos, mas as cenas de desespero e de pessoas feridas não saem de sua cabeça:
— Por pouco não morri. Troquei de vagão pouco antes do acidente. Depois soube que uma senhora que estava ao meu lado morreu.
Passageiros também precisam estar atentos ao desnível entre os vagões e a plataforma, um risco no embarque e desembarque, principalmente para os idosos. A SuperVia justifica que a frota é composta por “13 tipos diferentes de trens, com alturas e larguras diferentes” e que já está em andamento a reforma das estações e renovação da frota de trens até 2016.
— Eu sempre peço ajuda. Já vi uma senhora ficar com a perna presa no vão. Foi horrível — contou a aposentada Rita Gomes Silva.
Não faltam vítimas, nem problemas. A começar pelos solavancos, que, segundo o engenheiro Paulo Lima, demonstram o desgaste do trem. Além disso, o vagão não tinha dispositivo de emergência e acumulava sujeira.
— Não adianta colocar trens novos se não existir uma relação entre a manutenção e a operação. A relação entre planejamento, produção e controle tem que estar azeitada.
Mas, para isso, é preciso uma linha de serviço. Sem isso, é necessário parar a operação. A falta de manutenção é a maior causa de descarrilamento. Uma ferrovia sem manutenção e inspeção diária é suicídio — disse.
Na Estação de Deodoro, a falta de manutenção fica ainda mais visível. Na linha, parte dos trilhos desfia como se fosse pano; faltam parafusos de fixação de dormentes e nas talas de junção dos trilhos; dormentes estão soltos ou quebrados, e o lixo se acumula ao redor.
Segundo o engenheiro, esses fatores podem provocar o descarrilamento de um trem.
— O calor dilata o trilho e, como faltam parafusos, formam espaços na junção dos trilhos que não deveriam existir. Além disso, esse desgaste do trilho, que parece desfiar, é a prova de que ele já está condenado. Precisa ser trocado. E dormentes soltos são perigosíssimos — afirmou.
Enquanto o engenheiro observava as falhas na linha, um trem antigo, sujo, encostou na estação de Deodoro.
— Olhe o estado desse trem. O problema não está só na linha. Há visível falta de manutenção das composições — observou Paulo Lima.
Minutos depois, um trem novinho em folha encostou.
Ele faria a primeira viagem para a Central. Todos embarcaram. Uma senhora, com a neta, logo notou a diferença:
— Olha, vamos sentar num lugar limpinho — disse Márcia de Oliveira, de 60 anos, para a neta.
A novidade durou pouco. Na verdade, alguns minutos, até que a SuperVia anunciasse pelo sistema de alto-falantes que o trem antigo, com a pintura descascada e sujo, encostado na plataforma em frente, é que seguiria para a Central.
Apesar da quantidade de lixo nos vagões, a concessionária afirma que “adotou um novo sistema de limpeza, que incluiu a aquisição de equipamentos mais modernos e eficientes, além do aumento da quantidade de profissionais de limpeza contratados, que se dedicam exclusivamente à limpeza dos trens”.
Em nota, a SuperVia alega ainda que “realiza campanhas educativas nas comunidades que margeiam a ferrovia e campanhas de conscientização, que abordam a importância da manutenção da limpeza dentro das composições e nas estações”.
Empresa diz que faz inspeções diariamente
Segundo a SuperVia, a manutenção é diária, assim como a vistoria de dormentes, trilhos, sistema de drenagem e outros. De acordo com a nota, a empresa “possui planos de manutenção preventiva e corretiva que são seguidos rigorosamente”.
A concessionária informou que possui duas oficinas responsáveis pela “execução das ações preventivas mensais de acordo com um plano preestabelecido, em que todos os sistemas dos trens são checados e ajustados” e pelas “intervenções de manutenções pesadas, reabilitação da frota e manutenção periódica de componentes como truques, motores de tração, sistemas elétricos e pneumáticos”.
A concessionária afirma ainda que possui “sete postos de atendimento ao longo dos ramais, onde técnicos treinados e qualificados trabalham em plantão de escala de 24 horas, fazendo inspeção de rotina quando os trens estão estacionados nos pátios”.
A nota afirma também que desde que a nova gestão assumiu, em 2011, “mais de 100 km de trilhos já foram substituídos, 70 mil dormentes, trocados e 80 metros de cabo de rede aérea, substituídos”. Sobre o estado de conservação dos vagões, a nota esclarece que “todos os trens têm botões ou alavancas de emergência instalados nos carros de passageiros.
Somente nos últimos cinco dias, dois episódios de acionamentos indevidos do botão de emergência causaram atrasos na circulação e foram amplamente noticiados pela imprensa”. No vagão onde a equipe do GLOBO embarcou na ida, não havia botão de emergência. Na volta, o vagão tinha um botão, que estava quebrado.
De lá para cá, Hilca já perdeu as contas de quantos acidentes semelhantes presenciou. Preocupação ela tem. O que lhe falta é uma opção rápida de transporte para o trajeto diário entre Senador Camará, onde mora, e o trabalho, em Copacabana.
Além dos problemas visíveis por qualquer passageiro, como falta de ar-condicionado, superlotação e sujeira nos vagões, as falhas que estão fora do alcance dos olhos de um leigo são muitas e representam perigo aos usuários.
Repórteres do GLOBO embarcaram acompanhados pelo engenheiro industrial e de produção Paulo Lima, conselheiro do Clube de Engenharia do Rio e consultor do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ).
Durante a viagem entre as estações da Central e de Deodoro, o especialista apontou problemas que vão da falta de parafusos ao desgaste dos trilhos, detalhes que podem causar mais acidentes como os recentes descarrilamentos que paralisaram o sistema de trens.
Na quarta-feira, a SuperVia foi multada em R$ 868 mil pela Agência Reguladora de Transportes (Agetransp) devido ao mau atendimento aos usuários após o descarrilamento do dia 22 de janeiro.
Trens malconservados
Ex-funcionário da Vale, Paulo Lima, que ajudou a construir a ferrovia de Carajás (entre os estados do Maranhão e do Pará), ficou impressionado com a má conservação e a falta de limpeza dos vagões ao embarcar na Central, em um trem do ramal de Japeri:
— Se aqui já é assim, imagine lá embaixo, onde não é possível o cliente ver.
Sentada ao lado, Hilca contou que logo após o acidente entrou na Justiça contra a SuperVia.
— Foi a pior sensação da minha vida. O trem descarrilou e fiquei com o dedo pendurado. Levei oito pontos, mas até hoje ele não dobra.
No mesmo vagão, outra vítima de acidente no transporte: a aposentada Marcionília Ferreira, de 73 anos, voltava para casa, em Anchieta, quando o trem em que estava bateu em outro. Isso foi há dez anos, mas as cenas de desespero e de pessoas feridas não saem de sua cabeça:
— Por pouco não morri. Troquei de vagão pouco antes do acidente. Depois soube que uma senhora que estava ao meu lado morreu.
Passageiros também precisam estar atentos ao desnível entre os vagões e a plataforma, um risco no embarque e desembarque, principalmente para os idosos. A SuperVia justifica que a frota é composta por “13 tipos diferentes de trens, com alturas e larguras diferentes” e que já está em andamento a reforma das estações e renovação da frota de trens até 2016.
— Eu sempre peço ajuda. Já vi uma senhora ficar com a perna presa no vão. Foi horrível — contou a aposentada Rita Gomes Silva.
Não faltam vítimas, nem problemas. A começar pelos solavancos, que, segundo o engenheiro Paulo Lima, demonstram o desgaste do trem. Além disso, o vagão não tinha dispositivo de emergência e acumulava sujeira.
— Não adianta colocar trens novos se não existir uma relação entre a manutenção e a operação. A relação entre planejamento, produção e controle tem que estar azeitada.
Mas, para isso, é preciso uma linha de serviço. Sem isso, é necessário parar a operação. A falta de manutenção é a maior causa de descarrilamento. Uma ferrovia sem manutenção e inspeção diária é suicídio — disse.
Na Estação de Deodoro, a falta de manutenção fica ainda mais visível. Na linha, parte dos trilhos desfia como se fosse pano; faltam parafusos de fixação de dormentes e nas talas de junção dos trilhos; dormentes estão soltos ou quebrados, e o lixo se acumula ao redor.
Segundo o engenheiro, esses fatores podem provocar o descarrilamento de um trem.
— O calor dilata o trilho e, como faltam parafusos, formam espaços na junção dos trilhos que não deveriam existir. Além disso, esse desgaste do trilho, que parece desfiar, é a prova de que ele já está condenado. Precisa ser trocado. E dormentes soltos são perigosíssimos — afirmou.
Enquanto o engenheiro observava as falhas na linha, um trem antigo, sujo, encostou na estação de Deodoro.
— Olhe o estado desse trem. O problema não está só na linha. Há visível falta de manutenção das composições — observou Paulo Lima.
Minutos depois, um trem novinho em folha encostou.
Ele faria a primeira viagem para a Central. Todos embarcaram. Uma senhora, com a neta, logo notou a diferença:
— Olha, vamos sentar num lugar limpinho — disse Márcia de Oliveira, de 60 anos, para a neta.
A novidade durou pouco. Na verdade, alguns minutos, até que a SuperVia anunciasse pelo sistema de alto-falantes que o trem antigo, com a pintura descascada e sujo, encostado na plataforma em frente, é que seguiria para a Central.
Apesar da quantidade de lixo nos vagões, a concessionária afirma que “adotou um novo sistema de limpeza, que incluiu a aquisição de equipamentos mais modernos e eficientes, além do aumento da quantidade de profissionais de limpeza contratados, que se dedicam exclusivamente à limpeza dos trens”.
Em nota, a SuperVia alega ainda que “realiza campanhas educativas nas comunidades que margeiam a ferrovia e campanhas de conscientização, que abordam a importância da manutenção da limpeza dentro das composições e nas estações”.
Empresa diz que faz inspeções diariamente
Segundo a SuperVia, a manutenção é diária, assim como a vistoria de dormentes, trilhos, sistema de drenagem e outros. De acordo com a nota, a empresa “possui planos de manutenção preventiva e corretiva que são seguidos rigorosamente”.
A concessionária informou que possui duas oficinas responsáveis pela “execução das ações preventivas mensais de acordo com um plano preestabelecido, em que todos os sistemas dos trens são checados e ajustados” e pelas “intervenções de manutenções pesadas, reabilitação da frota e manutenção periódica de componentes como truques, motores de tração, sistemas elétricos e pneumáticos”.
A concessionária afirma ainda que possui “sete postos de atendimento ao longo dos ramais, onde técnicos treinados e qualificados trabalham em plantão de escala de 24 horas, fazendo inspeção de rotina quando os trens estão estacionados nos pátios”.
A nota afirma também que desde que a nova gestão assumiu, em 2011, “mais de 100 km de trilhos já foram substituídos, 70 mil dormentes, trocados e 80 metros de cabo de rede aérea, substituídos”. Sobre o estado de conservação dos vagões, a nota esclarece que “todos os trens têm botões ou alavancas de emergência instalados nos carros de passageiros.
Somente nos últimos cinco dias, dois episódios de acionamentos indevidos do botão de emergência causaram atrasos na circulação e foram amplamente noticiados pela imprensa”. No vagão onde a equipe do GLOBO embarcou na ida, não havia botão de emergência. Na volta, o vagão tinha um botão, que estava quebrado.
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