sexta-feira, 30 de maio de 2014

Crédito e consumo das famílias em baixa afetam o resultado do PIB





Paulistanos falam sobre as dificuldades de obter crédito e pagar as dívidas.


Economistas já previam crescimento baixo da economia no 1º trimestre.

Alexandro Martello, Darlan Alvarenga e Gabriela Gasparin Do G1, em São Paulo e em Brasília
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Crédito no primeiro trimestre - PIB (Foto: Editoria de Arte/G1)

Baseados no aumento da renda e do crédito, os gastos das famílias vêm empurrando o crescimento da economia do país nos últimos anos. Mas a farra parece estar acabando. Os brasileiros estão mais endividados e pensam bem antes de fazer uma compra parcelada em várias vezes. Os bancos, por sua vez, também estão mais restritivos, temendo a inadimplência. E os juros mais altos tornam o crédito ainda mais caro.


O resultado é que, com menos crédito no mercado, o consumo cresce menos, e prejudica o desempenho da economia. O desempenho fraco do Produto Interno Bruto (PIB) nos três primeiros meses do ano, divulgado nesta sexta-feira (30), confirmou as expectativas ruins: a economia do país cresceu de 0,2% frente ao trimestre anterior. Já o consumo das famílias mostrou queda de 0,1% – o primeiro recuo desde o terceiro trimestre de 2011.


As famílias têm a sensação de que as coisas não estão indo bem e não querem assumir compromissos financeiros grandes, avalia Otto Nogami, professor de economia do Insper. “Elas tendem a ser mais cautelosas e a não assumir maiores compromissos financeiros, como as compras em 10 vezes no cartão, os 3 chequinhos, uma vez que já estão enforcadas”, diz.


A aposentada Maria da Gloria Santos Cerqueira (Foto: G1)A aposentada Maria da Gloria Santos Cerqueira


Quem procura crédito, muitas vezes, é para sair do sufoco: “Estou com dívidas. Antes eu trabalhava e juntava os dois benefícios mais o meu trabalho e dava para pagar as contas”, conta a aposentada Maria da Gloria Santos Cerqueira, que buscava crédito no centro de São Paulo. (...). Agora estou passando por umas necessidades para limpar o nome e tentar voltar ao que era antes”.


As incertezas sobre o futuro da economia têm levado os índices a níveis próximos aos da crise financeira de 2008. O Índice de Expectativa do Consumidor, calculado pela CNI, atingiu em maio seu menor valor desde março de 2009, em meio à crise mundial. Em São Paulo, a confiança do consumidor recuou 25% na comparação com o mesmo mês de 2013, a maior queda desde junho de 1994, segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).


Esse cenário de incerteza econômica é o principal fator de pressão para o PIB, segundo Nogami: “o consumidor está procurando se endividar menos. Começa a surgir um clima de desconfiança, de incerteza. A euforia, que é a grande propulsora do consumo, desapareceu”, diz.


Crédito em queda
 
Dados do Banco Central mostram desaceleração do crédito nos últimos anos. Em 2010, o crédito total cresceu 20,6%, mas perdeu força nos anos seguintes. Em 2011, 2012 e 2013, as altas foram ficando menores: 18,8%, 16,4% e 14,6%, respectivamente. No primeiro trimestre deste ano, o crescimento foi de 1,63% – o menor desde o primeiro trimestre de 2009.


Quando se pega somente os empréstimos com “recursos livres”, ou seja, disponibilizado para as empresas no dia a dia e para as famílias, excluindo o crédito direcionado par atividades específicas (como casa própria), a evolução do crédito mostra uma desaceleração mais forte ainda. No primeiro trimestre, esse tipo de crédito caiu 0,36% – a primeira queda da série histórica do BC, que começa em 2007.

Em abril deste ano, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reclamou da escassez de crédito, sugerindo que os bancos estão restringindo a oferta.

A professora Loide Gomes da Cunha sentiu essa restrição: tentou pegar empréstimo no banco onde tem conta mas não conseguiu, e recorreu ao dinheiro mais caro da financeira. “O duro são os juros, porque eles enfiam a faca. Mas no sufoco você vem e faz (...). Os juros estão altíssimos. Você pega emprestado R$ 4 mil e paga R$ 12 mil, é um absurdo”, afirmou.

Para a economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, no entanto, os bancos estão mais seletivos, mas não existe falta de oferta. Ela lembra que indicador do Serasa mostrou que caiu a demanda do consumidor por crédito no 1º trimestre.


“Não é falta de crédito. Os bancos estão seletivos, é claro, mas as famílias estão muito mais cautelosas”, diz. Ele destaca que os indicadores apontam para uma perda de dinamismo do mercado de trabalho e menor crescimento da renda dos trabalhadores. “As pessoas olham para frente, não veem expectativa de melhora e têm receio de ter problemas no futuro”, diz.

De acordo com um funcionário de uma financeira no centro de São Paulo, que falou ao G1 sem se identificar, a concessão de crédito tem ficado mais burocrática porque a maioria das pessoas já está com o nome sujo na hora de pedir o empréstimo. “O movimento aumentou agora nos últimos dois, três meses. Mas tinha caído bastante”, disse.

Roberto Vertamatti, diretor de economia da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), ressalta que os últimos dados disponíveis sobre endividamento das famílias evidenciam que a renda das famílias tem ficado mais comprometida.

Regina de Castro Proette (Foto: G1)Regina de Castro Proette


Citando números do Credit Suisse, a partir dos dados do Banco Central, ele destaca que o comprometimento mensal da renda das famílias com pagamento de empréstimos para instituições financeiras subiu de 21,37% em março para 21,9% em abril, maior patamar desde o final de 2012. “E vai aumentar. A tendência é que este número chegue a 23% no final de 2014, patamar superior ao de 22,5% que tínhamos em 2011, o que significa que realmente o espaço para o crédito está limitado”, afirma.


“Eu acredito que não é momento de pegar dívida, principalmente até passar a Copa. Acredito que não é o momento certo para financiamento, empréstimo”, contou ao G1 a autônoma Regina de Castro Proette. Para se livrar das dívidas, Regina juntou dinheiro e foi à financeira quitar o empréstimo que tinha. “Agora estou feliz. Eu não faria outro”.
 

Observando apenas os empréstimos com “recursos livres”, ou seja, voltados para as empresas no dia a dia e para as famílias, e excluindo o crédito direcionado para atividades específicas (para o setor produtivo, por exemplo, além do crédito rural e do habitacional), é possível perceber desaceleração mais forte ainda. 


Em 2008, a oferta de crédito avançou 32,7%, passando para uma alta de 8,4% no ano seguinte, que foi marcado pela crise financeira internacional. Em 2010, cresceu 16,9% e, em 2011, 16,5%. No ano seguinte, o aumento foi ainda menor: 13,6%. E no ano passado, cresceu somente 7,8%.


Thais Marzola Zara, economista-chefe na Rosenberg Consultores Associados, diz que o crédito está desacelerando, com crescimento bem próximo de zero para pessoa física, o que reflete “uma política monetária mais apertada e também uma concessão de crédito mais seletiva”. Isso significa que as últimas altas taxa básica de juros (Selic) definidas pelo Banco Central reduziram o volume de crédito, já que ele ficou mais caro nos últimos 13 meses. Os bancos também ficaram seletivos na hora de conceder os empréstimos porque querem o menor risco possível, como clientes sem dívidas ou pendências.


A professora Loide Gomes da Cunha (Foto: G1) 
 
A professora Loide Gomes da Cunha

A professora Loide Gomes da Cunha, de 59 anos, tentou pegar empréstimo no banco onde tem conta, o Banco do Brasil, mas teve o pedido negado por uma restrição interna e recorreu ao dinheiro mais caro da financeira. “O duro são os juros, porque eles enfiam a faca. Mas no sufoco você vem e faz (...). Os juros estão altíssimos. Você pega emprestado R$ 4 mil e paga R$ 12 mil, é um absurdo”, afirmou. Ela diz que vai pagar o valor em 18 meses. “Eu precisei agora porque estou com uma viagem marcada e tive um imprevisto, senão eu não faria.”


A pensionista Maria José Gonçalves Apovian, de 61 anos, não teve a mesma sorte e saiu da financeira sem conseguir o dinheiro emprestado. “Está difícil porque estou com o limite esgotado.” Ela só pode comprometer 30% do total do benefício com o crédito. “Eles não renegociam porque eu não tenho margem.” Ela tentou refinanciar uma dívida que já tem no local porque está precisando de R$ 1,5 mil. Antes, tentou em outra financeira e no banco onde tem conta, sem sucesso. “Eu vou me virar, de algum jeito tenho que me virar. Pegar emprestado com um amigo e depois pagar juros, qualquer coisa.”


Pensionista Maria José Gonçalves Apovian (Foto: G1)Pensionista Maria José Gonçalves Apovian


Para a economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, embora os bancos estejam mais seletivos na hora de conceder os empréstimos, não existe falta de oferta. Ela lembra do indicador do Serasa, que mostrou a queda na demanda do consumidor por crédito no primeiro trimestre. Isso significa que os brasileiros estão fugindo dos empréstimos. “Não é falta de crédito. Os bancos estão seletivos, é claro, mas as famílias estão muito mais cautelosas.” Ainda segundo a economista, a renda dos trabalhadores está crescendo menos e o mercado de trabalho está perdendo dinamismo, com menos oferta de vagas.


Para se livrar das dívidas, a autônoma Regina de Castro Proette, de 50 anos, juntou dinheiro e foi à financeira quitar o empréstimo que tinha. “Eu fiz o empréstimo em 60 meses, tinha 42 pagas e quitei o restante. (...) Agora estou feliz. Eu acredito que não é momento de pegar dívida, principalmente até passar a Copa. Acredito que não é o momento certo para financiamento, empréstimo. Eu não faria outro”, revela.

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