Paulistanos falam sobre as dificuldades de obter crédito e pagar as dívidas.
Economistas já previam crescimento baixo da economia no 1º trimestre.
Baseados no aumento da renda e do crédito, os gastos das famílias vêm empurrando o crescimento da economia do país nos últimos anos. Mas a farra parece estar acabando. Os brasileiros estão mais endividados e pensam bem antes de fazer uma compra parcelada em várias vezes. Os bancos, por sua vez, também estão mais restritivos, temendo a inadimplência. E os juros mais altos tornam o crédito ainda mais caro.
O resultado é que, com menos crédito no mercado, o consumo cresce menos, e prejudica o desempenho da economia. O desempenho fraco do Produto Interno Bruto (PIB) nos três primeiros meses do ano, divulgado nesta sexta-feira (30), confirmou as expectativas ruins: a economia do país cresceu de 0,2% frente ao trimestre anterior. Já o consumo das famílias mostrou queda de 0,1% – o primeiro recuo desde o terceiro trimestre de 2011.
As famílias têm a sensação de que as coisas não estão indo bem e não querem assumir compromissos financeiros grandes, avalia Otto Nogami, professor de economia do Insper. “Elas tendem a ser mais cautelosas e a não assumir maiores compromissos financeiros, como as compras em 10 vezes no cartão, os 3 chequinhos, uma vez que já estão enforcadas”, diz.
A aposentada Maria da Gloria Santos Cerqueira
As incertezas sobre o futuro da economia têm levado os índices a níveis próximos aos da crise financeira de 2008. O Índice de Expectativa do Consumidor, calculado pela CNI, atingiu em maio seu menor valor desde março de 2009, em meio à crise mundial. Em São Paulo, a confiança do consumidor recuou 25% na comparação com o mesmo mês de 2013, a maior queda desde junho de 1994, segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Esse cenário de incerteza econômica é o principal fator de pressão para o PIB, segundo Nogami: “o consumidor está procurando se endividar menos. Começa a surgir um clima de desconfiança, de incerteza. A euforia, que é a grande propulsora do consumo, desapareceu”, diz.
Dados do Banco Central mostram desaceleração do crédito nos últimos anos. Em 2010, o crédito total cresceu 20,6%, mas perdeu força nos anos seguintes. Em 2011, 2012 e 2013, as altas foram ficando menores: 18,8%, 16,4% e 14,6%, respectivamente. No primeiro trimestre deste ano, o crescimento foi de 1,63% – o menor desde o primeiro trimestre de 2009.
Quando se pega somente os empréstimos com “recursos livres”, ou seja, disponibilizado para as empresas no dia a dia e para as famílias, excluindo o crédito direcionado par atividades específicas (como casa própria), a evolução do crédito mostra uma desaceleração mais forte ainda. No primeiro trimestre, esse tipo de crédito caiu 0,36% – a primeira queda da série histórica do BC, que começa em 2007.
Em abril deste ano, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reclamou da escassez de crédito, sugerindo que os bancos estão restringindo a oferta.
A professora Loide Gomes da Cunha sentiu essa restrição: tentou pegar empréstimo no banco onde tem conta mas não conseguiu, e recorreu ao dinheiro mais caro da financeira. “O duro são os juros, porque eles enfiam a faca. Mas no sufoco você vem e faz (...). Os juros estão altíssimos. Você pega emprestado R$ 4 mil e paga R$ 12 mil, é um absurdo”, afirmou.
Para a economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, no entanto, os bancos estão mais seletivos, mas não existe falta de oferta. Ela lembra que indicador do Serasa mostrou que caiu a demanda do consumidor por crédito no 1º trimestre.
saiba mais
“Não é falta de crédito. Os bancos estão seletivos, é claro, mas as famílias estão muito mais cautelosas”, diz. Ele destaca que os indicadores apontam para uma perda de dinamismo do mercado de trabalho e menor crescimento da renda dos trabalhadores. “As pessoas olham para frente, não veem expectativa de melhora e têm receio de ter problemas no futuro”, diz.
De acordo com um funcionário de uma financeira no centro de São Paulo, que falou ao G1 sem se identificar, a concessão de crédito tem ficado mais burocrática porque a maioria das pessoas já está com o nome sujo na hora de pedir o empréstimo. “O movimento aumentou agora nos últimos dois, três meses. Mas tinha caído bastante”, disse.
Roberto Vertamatti, diretor de economia da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), ressalta que os últimos dados disponíveis sobre endividamento das famílias evidenciam que a renda das famílias tem ficado mais comprometida.
Regina de Castro Proette
“Eu acredito que não é momento de pegar dívida, principalmente até passar a Copa. Acredito que não é o momento certo para financiamento, empréstimo”, contou ao G1 a autônoma Regina de Castro Proette. Para se livrar das dívidas, Regina juntou dinheiro e foi à financeira quitar o empréstimo que tinha. “Agora estou feliz. Eu não faria outro”.
saiba mais
Observando apenas os empréstimos com “recursos livres”, ou seja, voltados para as empresas no dia a dia e para as famílias, e excluindo o crédito direcionado para atividades específicas (para o setor produtivo, por exemplo, além do crédito rural e do habitacional), é possível perceber desaceleração mais forte ainda.
Em 2008, a oferta de crédito avançou 32,7%, passando para uma alta de 8,4% no ano seguinte, que foi marcado pela crise financeira internacional. Em 2010, cresceu 16,9% e, em 2011, 16,5%. No ano seguinte, o aumento foi ainda menor: 13,6%. E no ano passado, cresceu somente 7,8%.
Thais Marzola Zara, economista-chefe na Rosenberg Consultores Associados, diz que o crédito está desacelerando, com crescimento bem próximo de zero para pessoa física, o que reflete “uma política monetária mais apertada e também uma concessão de crédito mais seletiva”. Isso significa que as últimas altas taxa básica de juros (Selic) definidas pelo Banco Central reduziram o volume de crédito, já que ele ficou mais caro nos últimos 13 meses. Os bancos também ficaram seletivos na hora de conceder os empréstimos porque querem o menor risco possível, como clientes sem dívidas ou pendências.
A professora Loide Gomes da Cunha
A pensionista Maria José Gonçalves Apovian, de 61 anos, não teve a mesma sorte e saiu da financeira sem conseguir o dinheiro emprestado. “Está difícil porque estou com o limite esgotado.” Ela só pode comprometer 30% do total do benefício com o crédito. “Eles não renegociam porque eu não tenho margem.” Ela tentou refinanciar uma dívida que já tem no local porque está precisando de R$ 1,5 mil. Antes, tentou em outra financeira e no banco onde tem conta, sem sucesso. “Eu vou me virar, de algum jeito tenho que me virar. Pegar emprestado com um amigo e depois pagar juros, qualquer coisa.”
Pensionista Maria José Gonçalves Apovian
Para se livrar das dívidas, a autônoma Regina de Castro Proette, de 50 anos, juntou dinheiro e foi à financeira quitar o empréstimo que tinha. “Eu fiz o empréstimo em 60 meses, tinha 42 pagas e quitei o restante. (...) Agora estou feliz. Eu acredito que não é momento de pegar dívida, principalmente até passar a Copa. Acredito que não é o momento certo para financiamento, empréstimo. Eu não faria outro”, revela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário