A coluna
de João Pereira Coutinho na Folha hoje está fantástica, como de
costume. Trata de tema muito sério – o racismo -, mas com suas
imperdíveis tiradas de humor. No mais, sua análise está, em minha
opinião, perfeita: vaidade, tudo é vaidade! A febre que tomou conta das
redes sociais após o episódio com Daniel Alves, com várias
“celebridades” posando com uma banana, demonstra como somos dominados
por aquilo que Luiz Felipe Pondé chama de “marketing do comportamento”.
Coutinho começa assumindo com sinceridade
que todos temos nossos preconceitos, não apenas no bom sentido (sim,
ele existe, são os valores e costumes adquiridos antes do filtro
racional, mas ainda assim de extrema importância, tradições que
resistiram aos “testes do tempo” por alguma função útil), mas também no
sentido mais “rasteiro”.
Ele passa então a descrever alguns dos
seus, dos quais compartilho (a parte de manter distância de adolescentes
não tenho como colocar em prática, pois sou pai de uma, mas entendo
perfeitamente que os outros não precisam achar “lindos” os nossos filhos
nessa fase de erupções vulcânicas dos hormônios e profunda necessidade
de autoafirmação). Cada um com seus preconceitos. Mas racial?
O que a cor da pele mais morena ou mais clara tem a ver com moral? Sim, Coutinho conhece as explicações antropológicas, de que tribos adquiriram sentimentos atávicos de “nós” contra “eles”, e que “o outro” representava uma ameaça em potencial, ou seja, o “diferente” pode ser um risco. Mas sua incompreensão continua, e Coutinho diz: “imaginar que a pigmentação da pele tem importância moral ou epistemológica é um sintoma de primitivismo brutal”.
Tudo certo até aqui. Mas nem por isso
devemos aplaudir a “macaquice viral” das fotos de “celebridades” com
bananas nas mãos. O que incomoda nisso, segundo Coutinho, é a vaidade
presente no ato. Não se trata apenas de um gesto de solidariedade para
com o jogador, e sim uma propaganda pessoal para os outros, para mostrar
todos os seus “bons sentimentos”. O “circo” foi armado para expor a
grande “tolerância” dos famosos (ou candidatos à fama). É algo bastante
artificial.
A hipocrisia, enfim. O tema me interessa
muito, a ponto de ser a essência do meu último livro, que fala
justamente sobre isso. Pensemos em Luciano Huck, um dos primeiros a
postar foto com banana e talvez o maior ícone desse “marketing do
comportamento”, o Mr. Bondade: como deve ser cansativo para ele manter a
pose o tempo todo! Penso na personagem de Judie Foster em “O Deus da
Carnificina”, de Polanski, quando ela admite que tudo aquilo (a pose de
boa moça tolerante) era extremamente cansativo.
O mestre em dissecar tal hipocrisia é Tom Wolfe, autor de Radical Chic e Fogueira das Vaidades. Estou lendo seu novo livro, Sangue nas Veias,
que se passa aqui em Miami, onde estou. É justamente sobre raças. E é
excelente, pois uma vez mais o escritor desnuda seus alvos, expondo o
que jaz por trás das máscaras. Eis a alfinetada que ele dá logo no
prólogo:
Do nada, uma frase surge na sua cabeça: “Todos… precisam de sangue nas veias! A religião está morrendo… mas todo mundo continua precisando acreditar em algo.
Seria intolerável… ninguém aguentaria… finalmente ser obrigado a dizer a
si mesmo: ‘Para que continuar fingindo? Eu não passo de um átomo
aleatório dentro de um superacelerador conhecido como universo.’ Só que
acreditar em, por definição, significa cegamente, irracionalmente,
não é? Portanto, meu povo, isso deixa apenas nosso sangue, as linhas
sanguíneas que correm pelo nosso próprio corpo, para nos unir. ‘La Raza!‘, como bradam os porto-riquenhos. ‘A Raça!‘, exclama o mundo inteiro. Todos, em toda parte, têm apenas uma última coisa na cabeça… Sangue nas veias!” Todos, em toda parte, vocês só têm uma escolha… Sangue nas veias!
Tratar brancos, negros, amarelos e pardos
“com o mesmo respeito daltônico”, como recomenda Coutinho, eis a arma
que pode combater o racismo com o tempo. “Cotidianamente. E, sobretudo,
anonimamente. Sem fazer propaganda”. Caso contrário, fica difícil
engolir a genuinidade do ato. Fica parecendo que tudo não passa de um
alimento para a própria vaidade. Muito melhor simplesmente comer a
banana sem fazer alarde.
Nenhum comentário:
Postar um comentário