O Brasil é um país curioso: a imensa
maioria dos cidadãos desconfia de políticos, mas deposita no estado a
esperança para solucionar todos os nossos males. O político é de carne e
osso, humano, e desperta as piores emoções nos eleitores; mas o estado é
uma abstração, tratado como um ente clarividente, onisciente e
onipotente. O brasileiro não liga “lé” com “cré”, não faz o elo entre
causa e efeito.
O resultado disso é um crescimento
espantoso do tamanho do estado, seguido de um aumento de seus gastos
também, que, por sua vez, impõem a necessidade de mais impostos. O PT
representou um passo ainda maior nessa direção, expandindo gastos
públicos correntes de forma irresponsável. Mas o problema é maior do que
o PT. É da Constituição de 1988, da escolha de modelo feita por nossa
sociedade.
Um dos maiores e melhores gestores do
país fez uma apresentação a seus clientes semana passada, no Rio e em
São Paulo, mostrando justamente como o buraco é mais embaixo. Os gastos
públicos crescem a quase 13% ao ano, enquanto o PIB quase não cresce. A
conta não fecha, e como a carga tributária já é absurdamente alta, a
saída é apelar para a inflação e o endividamento, que já está em patamar
bem elevado também. O risco é enorme.
Mas, como mostra o gestor, as principais
causas dessa expansão de gastos está na própria Constituição, sendo o
poder discricionário do governo limitado. Mesmo um governo mais
responsável e austero não teria como cortar drasticamente os gastos
públicos sem mexer na Constituição, eis o recado. Que é reforçado pelo
economista Fabio Giambiagi em sua coluna de hoje no GLOBO:
O drama do
gasto público é que o pressuposto da crítica — de que o dinheiro está
sendo desviado para fins escusos — está equivocado. O Brasil é um país
onde, historicamente, nos três níveis de governo, houve irregularidades
aos borbotões. Basta ler qualquer jornal. Na época do Getúlio, nos anos
JK, com os militares ou nos governos civis que se seguiram, na União, no
estado A ou no município B, em qualquer ano ou instância de governo,
com o partido X ou Y, qualquer historiador terá material para encher
páginas e páginas com os escândalos de cada época. Entretanto, quando se
tenta entender por que o gasto primário federal passou de 13,7% do PIB
em 1991 para 22,8% do PIB em 2013, não são os escândalos que explicam
isso. São todas coisas que estão diante de nosso nariz — e o país teima
em não enxergar. A “gastança” é fruto de decisões tomadas com o
beneplácito da grande maioria dos parlamentares — quando não da própria
população — que, tempos depois, revela o seu impacto financeiro em toda a
sua plenitude, com escasso efeito sobre a melhoria de bem-estar do
país. É por esse tipo de coisas que, no fim da vida, exasperado pelos
absurdos recorrentes década após década em matéria econômica, Roberto
Campos concluía que “a burrice nacional não associa o efeito com as
causas”.
O INSS é um dos maiores vilões, saindo de
3,4% do PIB em 1991 para 7,4% em 2013. O Bolsa Família, por exemplo,
custa 0,6% do PIB. Podemos criticar o programa, a falta de estratégia de
saída, o efeito moral negativo ao estimular a dependência de esmolas,
tudo isso é legítimo. Mas não basta apontar para tais gastos como
responsáveis pelo crescente aumento do estado, já um tanto inchado em
nosso país. As causas são mais estruturais.
Nada disso isenta o PT de
responsabilidade no quadro preocupante atual. O partido tem culpa de
muitos equívocos que agravaram a situação. Um deles é tema da coluna
de Raul Velloso no mesmo jornal, mostrando como a incompetência e o
fator ideológico prejudicaram o avanço da infraestrutura do Brasil.
Parte da explicação é justamente o que foi apontado por Giambiagi, ou
seja, a determinação constitucional que prioriza gastos com pessoal e
aposentadorias em vez de investimentos:
A escassez
de recursos para transportes se deve à opção, sacramentada na
Constituição de 1988, de destinar a maior parte dos recursos federais a
pagamentos a pessoas, ou seja, a Previdência, assistência social e
pessoal. Assim, mesmo tendo a carga tributária se elevado de forma
acachapante nos últimos anos, os recursos destinados a esses três
segmentos representam hoje nada menos que 75% do total. Adicionando os
8% da saúde, sobram 17% para o orçamento residual, onde os investimentos
em transportes se referem a apenas 1% do gasto total.
Mas mesmo com esse obstáculo, e
exatamente por conta dele, caberia ao governo delegar mais à iniciativa
privada, algo que o PT simplesmente se recusou a fazer por um bom tempo
por ranço ideológico. Criar um marco regulatório simples e confiável e
permitir a exploração dos setores de infraestrutura pelas empresas
privadas era algo que deveria ter sido feito desde o começo, e que ainda
não foi. Conclui Velloso:
Depois de um
período inicial de esforços bem-sucedidos, é possível afirmar que,
desde 2003, vive-se uma incompreensível reversão no processo de
concessão à iniciativa privada do direito de atuar em várias etapas da
infraestrutura. Isso choca quem analisa o assunto, pois, num quadro de
escassez aguda de recursos públicos, seria melhor dar exatamente o
contrário. Sem falar que, sob o modelo de bem-estar social seguido no
Brasil, os gastos com essa área tendem a explodir nos próximos anos. Ou
seja, a escassez de hoje se multiplicará em breve, se não forem postas
em prática reformas que reduzam o crescimento do gasto público. Nesse
contexto, é preciso enfrentar questões complexas como a introdução da
idade mínima de aposentadoria pelo INSS, a extinção do abono salarial e a
atenuação da absurda regra de ajuste do salário-mínimo, que é piso dos
benefícios sociais, pela variação do PIB de dois anos atrás. O obstáculo
é que, em ano de eleição, os políticos querem tudo, menos esse tipo de
discussão.
O resumo da história é que há muita coisa
que pode ser feita para melhorar a gestão estatal no Brasil, que piorou
bastante sob o PT; mas o foco a longo prazo deve ser o próprio modelo
de estado escolhido pela sociedade brasileira por meio de seus
representantes.
Tal modelo deposita um papel gigantesco ao estado como
locomotiva do progresso e da “justiça social”, acarretando uma expansão
de gastos que inviabiliza nossa economia. A própria sociedade brasileira
terá que se dar conta disso e escolher mudar, se quiser avançar rumo a
um país mais civilizado e próspero.
Rodrigo Constantino
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