segunda-feira, 9 de junho de 2014

A “gastança” do governo é uma escolha equivocada da sociedade






O Brasil é um país curioso: a imensa maioria dos cidadãos desconfia de políticos, mas deposita no estado a esperança para solucionar todos os nossos males. O político é de carne e osso, humano, e desperta as piores emoções nos eleitores; mas o estado é uma abstração, tratado como um ente clarividente, onisciente e onipotente. O brasileiro não liga “lé” com “cré”, não faz o elo entre causa e efeito.


O resultado disso é um crescimento espantoso do tamanho do estado, seguido de um aumento de seus gastos também, que, por sua vez, impõem a necessidade de mais impostos. O PT representou um passo ainda maior nessa direção, expandindo gastos públicos correntes de forma irresponsável. Mas o problema é maior do que o PT. É da Constituição de 1988, da escolha de modelo feita por nossa sociedade.


Um dos maiores e melhores gestores do país fez uma apresentação a seus clientes semana passada, no Rio e em São Paulo, mostrando justamente como o buraco é mais embaixo. Os gastos públicos crescem a quase 13% ao ano, enquanto o PIB quase não cresce. A conta não fecha, e como a carga tributária já é absurdamente alta, a saída é apelar para a inflação e o endividamento, que já está em patamar bem elevado também. O risco é enorme.


Mas, como mostra o gestor, as principais causas dessa expansão de gastos está na própria Constituição, sendo o poder discricionário do governo limitado. Mesmo um governo mais responsável e austero não teria como cortar drasticamente os gastos públicos sem mexer na Constituição, eis o recado. Que é reforçado pelo economista Fabio Giambiagi em sua coluna de hoje no GLOBO:


O drama do gasto público é que o pressuposto da crítica — de que o dinheiro está sendo desviado para fins escusos — está equivocado. O Brasil é um país onde, historicamente, nos três níveis de governo, houve irregularidades aos borbotões. Basta ler qualquer jornal. Na época do Getúlio, nos anos JK, com os militares ou nos governos civis que se seguiram, na União, no estado A ou no município B, em qualquer ano ou instância de governo, com o partido X ou Y, qualquer historiador terá material para encher páginas e páginas com os escândalos de cada época. Entretanto, quando se tenta entender por que o gasto primário federal passou de 13,7% do PIB em 1991 para 22,8% do PIB em 2013, não são os escândalos que explicam isso. São todas coisas que estão diante de nosso nariz — e o país teima em não enxergar. A “gastança” é fruto de decisões tomadas com o beneplácito da grande maioria dos parlamentares — quando não da própria população — que, tempos depois, revela o seu impacto financeiro em toda a sua plenitude, com escasso efeito sobre a melhoria de bem-estar do país. É por esse tipo de coisas que, no fim da vida, exasperado pelos absurdos recorrentes década após década em matéria econômica, Roberto Campos concluía que “a burrice nacional não associa o efeito com as causas”.


O INSS é um dos maiores vilões, saindo de 3,4% do PIB em 1991 para 7,4% em 2013. O Bolsa Família, por exemplo, custa 0,6% do PIB. Podemos criticar o programa, a falta de estratégia de saída, o efeito moral negativo ao estimular a dependência de esmolas, tudo isso é legítimo. Mas não basta apontar para tais gastos como responsáveis pelo crescente aumento do estado, já um tanto inchado em nosso país. As causas são mais estruturais.


Nada disso isenta o PT de responsabilidade no quadro preocupante atual. O partido tem culpa de muitos equívocos que agravaram a situação. Um deles é tema da coluna de Raul Velloso no mesmo jornal, mostrando como a incompetência e o fator ideológico prejudicaram o avanço da infraestrutura do Brasil. Parte da explicação é justamente o que foi apontado por Giambiagi, ou seja, a determinação constitucional que prioriza gastos com pessoal e aposentadorias em vez de investimentos:


A escassez de recursos para transportes se deve à opção, sacramentada na Constituição de 1988, de destinar a maior parte dos recursos federais a pagamentos a pessoas, ou seja, a Previdência, assistência social e pessoal. Assim, mesmo tendo a carga tributária se elevado de forma acachapante nos últimos anos, os recursos destinados a esses três segmentos representam hoje nada menos que 75% do total. Adicionando os 8% da saúde, sobram 17% para o orçamento residual, onde os investimentos em transportes se referem a apenas 1% do gasto total.


Mas mesmo com esse obstáculo, e exatamente por conta dele, caberia ao governo delegar mais à iniciativa privada, algo que o PT simplesmente se recusou a fazer por um bom tempo por ranço ideológico. Criar um marco regulatório simples e confiável e permitir a exploração dos setores de infraestrutura pelas empresas privadas era algo que deveria ter sido feito desde o começo, e que ainda não foi. Conclui Velloso:


Depois de um período inicial de esforços bem-sucedidos, é possível afirmar que, desde 2003, vive-se uma incompreensível reversão no processo de concessão à iniciativa privada do direito de atuar em várias etapas da infraestrutura. Isso choca quem analisa o assunto, pois, num quadro de escassez aguda de recursos públicos, seria melhor dar exatamente o contrário. Sem falar que, sob o modelo de bem-estar social seguido no Brasil, os gastos com essa área tendem a explodir nos próximos anos. Ou seja, a escassez de hoje se multiplicará em breve, se não forem postas em prática reformas que reduzam o crescimento do gasto público. Nesse contexto, é preciso enfrentar questões complexas como a introdução da idade mínima de aposentadoria pelo INSS, a extinção do abono salarial e a atenuação da absurda regra de ajuste do salário-mínimo, que é piso dos benefícios sociais, pela variação do PIB de dois anos atrás. O obstáculo é que, em ano de eleição, os políticos querem tudo, menos esse tipo de discussão.


O resumo da história é que há muita coisa que pode ser feita para melhorar a gestão estatal no Brasil, que piorou bastante sob o PT; mas o foco a longo prazo deve ser o próprio modelo de estado escolhido pela sociedade brasileira por meio de seus representantes. 

Tal modelo deposita um papel gigantesco ao estado como locomotiva do progresso e da “justiça social”, acarretando uma expansão de gastos que inviabiliza nossa economia. A própria sociedade brasileira terá que se dar conta disso e escolher mudar, se quiser avançar rumo a um país mais civilizado e próspero.

Rodrigo Constantino

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