Análise
Para cientistas políticos,
declarações do governador Geraldo Alckmin sobre metroviários tentam
reduzir política e luta sindical a um papel secundário na vida nacional,
sobrepostas pelo tecnicismo
por Eduardo Maretti, da RBA
publicado
07/06/2014 13:48,
última modificação
07/06/2014 17:20
Comments
Danilo Verpa/Arquivo Folhapress
O secretário de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, e Alckmin: criminalização da política
São Paulo – As declarações do governador de
São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), atribuindo à greve dos metroviários
motivações "políticas", argumento também utilizado quando começaram a se
tornar públicos o caso do cartel do metrô e da CPTM, entre outros
episódios, fazem parte de uma estratégia repetida deliberadamente para
reduzir a política a um papel secundário na vida nacional.
Como se as greves não fossem em si mesmas políticas.
"Claro que é um discurso um pouco para deslegitimar as demandas e as reivindicações, não só deslegitimar, mas colocá-las num plano de que há interesses político-partidários, da competição político-eleitoral e ponto", diz o cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC).
"Toda e qualquer greve tem o objetivo de pressionar, partilhar e conquistar poder, poder de decisão. Mas Alckmin e vários outros governantes insistem nesse argumento de que a greve é 'política' não apenas para desmoralizar a ação política como para desmoralizar os partidos que ele acusa de estar fomentando a greve", acrescenta a cientista política Maria Victoria Benevides.
O discurso que reduz a política a uma simples motivação de "incomodar" o governo do estado quer fazer crer que a política é uma atividade menor e, no limite, vai no sentido de criminalizar a práxis política.
"A criminalização da política é um dos problemas mais sérios que temos de enfrentar, e não só no caso brasileiro, mas nas democracias representativas como um todo", acredita Marchetti. Para ele, essa atitude não é nova no país.
"O Brasil tem um histórico muito curto de vida democrática: a gente olha para a política sempre como uma atividade de criminosos. É um diagnóstico muito perigoso porque dá margem a um discurso tecnicista, como se a técnica, ao substituir a política, fosse produzir resultados melhores."
O professor lembra que esse discurso tecnicista "é o que os militares em 1964 traziam". "A sociedade brasileira muitas vezes se seduz muito com esse discurso. Desde Vargas, ou mesmo desde a construção da primeira República, esses discursos estavam lá. Não são novos na política brasileira".
Para ele, a redução da política a um teatro de atores menores ou desprezíveis a desloca para um cenário em que o embate e a divergência, próprios à democracia, se torna insuportável.
"Mas o cenário de embate e divergência é o que sustenta o regime democrático. Se a gente parte para uma ideia de um tecnicismo tentando anular o embate e o conflito, certamente vai legitimar regimes autoritários ou burocráticos que não zelam pela transparência, pela prestação de contas", acrescenta Marchetti.
Em entrevista recente à revista Carta Capital, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também traçou paralelo entre a negação da política e a ditadura. "Interessa a uma parte da elite brasileira a negação da política. O que vem depois é sempre pior, quando você nega a política.
A ditadura brasileira foi a negação da política. O que é muito grave, porque, se você atravessa um momento sem nenhuma referência, sem ninguém em condições de controlar a situação, o próprio Estado vai à deriva", completou.
"Essa posição de criminalizar a política serve a motivos inconfessáveis num ano eleitoral", acrescenta Maria Victoria.
Mas tanto ela como Marchetti relativizam a questão do discurso de Alckmin no caso da greve dos transportes – e dos metroviários em particular. "Eu pessoalmente tenho uma posição radical em relação à greve de transportes.
Sou favorável ao direito de greve, é um direito constitucional, mas acho que sempre existe um lado de responsabilidade de quem faz greve que deveria ser cumprido, porque quem acaba pagando o dano que a greve causa é o povo trabalhador. Não é o patrão nem o capital", avalia Maria Victoria.
"Acho que, como em outros países democráticos, a greve deve ser decidida com o compromissos de manter serviços."
A professora aconselha aos sindicalistas que reflitam sobre o assunto. "O que mais me incomoda é ver o povo todo abandonado, à noite, na chuva, no frio, com criança no colo, gente doente, gente que se não aparecer no trabalho não ganha, criança que se não for à escola não come."
Para Marchetti, embora haja, no discurso de deslegitimação das greves, a intenção de reduzir a política a um significado menor, esse discurso, por outro lado, também não deixa de ser um instrumento "natural do governante".
"O governante vai tentar minimizar o efeito da greve sobre seu mandato, isso em todas as esferas. O governo federal agora, negociando com os técnicos administrativos das universidades, se vale de um argumento parecido, a greve está ancorada em interesses eleitorais, de minar o governo."
Na opinião do cientista político da UFABC, esse discurso é "uma arma disponível" no sistema político.
Como se as greves não fossem em si mesmas políticas.
"Claro que é um discurso um pouco para deslegitimar as demandas e as reivindicações, não só deslegitimar, mas colocá-las num plano de que há interesses político-partidários, da competição político-eleitoral e ponto", diz o cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC).
"Toda e qualquer greve tem o objetivo de pressionar, partilhar e conquistar poder, poder de decisão. Mas Alckmin e vários outros governantes insistem nesse argumento de que a greve é 'política' não apenas para desmoralizar a ação política como para desmoralizar os partidos que ele acusa de estar fomentando a greve", acrescenta a cientista política Maria Victoria Benevides.
O discurso que reduz a política a uma simples motivação de "incomodar" o governo do estado quer fazer crer que a política é uma atividade menor e, no limite, vai no sentido de criminalizar a práxis política.
"A criminalização da política é um dos problemas mais sérios que temos de enfrentar, e não só no caso brasileiro, mas nas democracias representativas como um todo", acredita Marchetti. Para ele, essa atitude não é nova no país.
"O Brasil tem um histórico muito curto de vida democrática: a gente olha para a política sempre como uma atividade de criminosos. É um diagnóstico muito perigoso porque dá margem a um discurso tecnicista, como se a técnica, ao substituir a política, fosse produzir resultados melhores."
O professor lembra que esse discurso tecnicista "é o que os militares em 1964 traziam". "A sociedade brasileira muitas vezes se seduz muito com esse discurso. Desde Vargas, ou mesmo desde a construção da primeira República, esses discursos estavam lá. Não são novos na política brasileira".
Para ele, a redução da política a um teatro de atores menores ou desprezíveis a desloca para um cenário em que o embate e a divergência, próprios à democracia, se torna insuportável.
"Mas o cenário de embate e divergência é o que sustenta o regime democrático. Se a gente parte para uma ideia de um tecnicismo tentando anular o embate e o conflito, certamente vai legitimar regimes autoritários ou burocráticos que não zelam pela transparência, pela prestação de contas", acrescenta Marchetti.
Em entrevista recente à revista Carta Capital, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também traçou paralelo entre a negação da política e a ditadura. "Interessa a uma parte da elite brasileira a negação da política. O que vem depois é sempre pior, quando você nega a política.
A ditadura brasileira foi a negação da política. O que é muito grave, porque, se você atravessa um momento sem nenhuma referência, sem ninguém em condições de controlar a situação, o próprio Estado vai à deriva", completou.
"Essa posição de criminalizar a política serve a motivos inconfessáveis num ano eleitoral", acrescenta Maria Victoria.
Mas tanto ela como Marchetti relativizam a questão do discurso de Alckmin no caso da greve dos transportes – e dos metroviários em particular. "Eu pessoalmente tenho uma posição radical em relação à greve de transportes.
Sou favorável ao direito de greve, é um direito constitucional, mas acho que sempre existe um lado de responsabilidade de quem faz greve que deveria ser cumprido, porque quem acaba pagando o dano que a greve causa é o povo trabalhador. Não é o patrão nem o capital", avalia Maria Victoria.
"Acho que, como em outros países democráticos, a greve deve ser decidida com o compromissos de manter serviços."
A professora aconselha aos sindicalistas que reflitam sobre o assunto. "O que mais me incomoda é ver o povo todo abandonado, à noite, na chuva, no frio, com criança no colo, gente doente, gente que se não aparecer no trabalho não ganha, criança que se não for à escola não come."
Para Marchetti, embora haja, no discurso de deslegitimação das greves, a intenção de reduzir a política a um significado menor, esse discurso, por outro lado, também não deixa de ser um instrumento "natural do governante".
"O governante vai tentar minimizar o efeito da greve sobre seu mandato, isso em todas as esferas. O governo federal agora, negociando com os técnicos administrativos das universidades, se vale de um argumento parecido, a greve está ancorada em interesses eleitorais, de minar o governo."
Na opinião do cientista político da UFABC, esse discurso é "uma arma disponível" no sistema político.
Nenhum comentário:
Postar um comentário