Denúncia: Nem a maquete resta
Em 2010, José Serra inaugurou a maquete. Na imagem, uma animação de como seria o projeto.
A construção de uma ligação seca entre as cidades de Santos e Guarujá,
no litoral paulista, é uma promessa tão antiga quanto os
congestionamentos enfrentados pelos motoristas que utilizam a balsa para
fazer a travessia.
Na década de 1970, o então governador Roberto de
Abreu Sodré anunciou a construção de uma ponte. Não cumpriu a promessa,
repetida ao longo de todas as eleições para governador desde então.
Em
2010, na ânsia de provar sua capacidade administrativa, José Serra,
candidato à Presidência da República, virou motivo de chacota ao
inaugurar a maquete de uma ponte estaiada, orçada em cerca de 900
milhões de reais, com 4,8 quilômetros de pistas e o maior vão livre do
País, para possibilitar a passagem de todas as embarcações que utilizam o
Porto de Santos.
“Vamos dar mais segurança para as pessoas e para os
navios e mais rapidez, que são coisas fundamentais”, discursou Serra, ao
lembrar o fato de a ponte ser a escolha mais segura...
Três anos após a inauguração na maquete, o projeto de Serra foi
abandonado pelo seu companheiro de partido Geraldo Alckmin, que
descartou a ponte e lançou o edital para a construção de um túnel
submerso, orçado em 2,4 bilhões de reais. No entendimento dos técnicos
da Dersa, estatal ligada à Secretaria de Logística e Transporte, a ponte
seria inviável por interferir no espaço do cone de aproximação do
aeroporto local.
Em março deste ano, cinco consórcios inscreveram-se na
disputa para construir em pouco mais de três anos o túnel com três
faixas para cada sentido, caminho para pedestres e ciclistas e
possibilidade de abrigar um VLT.
Além da mudança no modelo, o governo,
após realizar uma pesquisa de origem e destino, resolveu mudar o local
da travessia. Há mais de cem anos realizada no local onde ficam as
balsas, a travessia pelo túnel de 762 metros de extensão será feita
entre o bairro Macuco, em Santos, e o linhão da Codesp, no Guarujá.
Mudanças de projetos, local e valores à parte, a novela parecia seguir
para seus últimos capítulos não fosse a entrada em cena do autor do
trabalho exposto na maquete inaugurada por Serra.
Considerado o pai das
pontes estaiadas no Brasil, o engenheiro Catão Francisco Ribeiro está
disposto a colocar em risco seus negócios no estado de São Paulo para
denunciar um suposto esquema de corrupção por trás da escolha do túnel.
Formado pela USP, Ribeiro é responsável pelos projetos das principais
pontes brasileiras e acumula prêmios pela complexidade de seus cálculos.
Entre outras, fez o projeto das pontes estaiadas do Real Parque,
Octávio Frias de Oliveira e da Estação Jamil Sabino, todas em São Paulo.
Sobre os rios Negro (AM), Tocantins (TO) e Potengi (RN). Com base em
seus estudos sobre a obra da Baixada Santista, Ribeiro pretende acionar a
Polícia Federal para provar ser um descalabro a opção por um túnel de
2,4 bilhões de reais no lugar de uma ponte de 900 milhões e com a mesma
capacidade funcional, segundo ele.
E como o túnel será construído com uma técnica inédita no Brasil,
aponta Ribeiro, as empreiteiras enxergam na obra uma possibilidade de
ganhar expertise, enquanto lucram com os aditivos necessários para
superar o ineditismo da execução do contrato. O projeto foi desenvolvido
por uma empresa holandesa.
Dos consórcios inscritos na licitação, dois
deles se associaram a companhias do país europeu: o Túnel
Santos/Guarujá, formado pela Norberto Odebrecht, Queiroz Galvão e OAS, e
o Construtor Túnel Santos/Guarujá das brasileiras Camargo Corrêa e
Carioca Christiani-Nielsen com a espanhola Ferrovial Agroman.
Além do
custo da obra, o engenheiro garante ser a ponte mais indicada que o
túnel, por causa dos seguintes quesitos: funcionalidade, manutenção,
impactos ambientais, prazos de entrega e desapropriações.
“O custo é
muito menor, a arquitetura da ponte é uma obra de arte, enquanto o túnel
fica escondido. Pode ter as mesmas utilidades que o túnel e elimina as
balsas. Precisará de menos desapropriações e tem impacto ambiental
menor. Ganha de 10 a zero.”
Sobre a inviabilidade por conta da altura da ponte, Ribeiro afirma ter
sido a mudança de local apenas uma estratégia do governo. “É o interesse
do empreiteiro prevalecendo. São grupos que saqueiam o Estado com a
corrupção, patrocinados por agentes públicos corrompidos e interessados
em criar dificuldades. Ao fazer esse túnel no lugar inadequado,
viabilizaram a corrupção (entrevista à pág. 36).”
O engenheiro também
contesta a pesquisa de origem e destino realizada pela Dersa para optar
pelo novo local. Segundo ele, a razão verdadeira para a mudança é o fato
de a ponte no antigo local “acabar com uma mina de ouro, a balsa
mantida pela Dersa”.
Em nota, a Dersa classifica como “levianas e mentirosas” as acusações
de Ribeiro. “O mínimo que se espera é que cite os nomes ou encaminhe as
supostas informações de irregularidades às autoridades.”
Os estudos de
origem e destino citados pelo engenheiro, informa a empresa, foram
feitos com base em 7,5 mil entrevistas públicas e disponíveis a
consultas. A respeito do projeto da ponte, a Dersa informa haver dúvidas
quanto à sua localização, solução tecnológica de construção e aos
impactos nas áreas urbanas.
Na nova localização, argumenta a estatal, a
ponte está inviabilizada pelas restrições impostas pela navegação aérea,
que prevê altura máxima de 75 metros. A balsa continuaria a operar com
menor volume, cerca de 80% do tráfego seria atraído para o túnel.
Dos
custos, informa, 1,9 bilhão de reais refere-se às obras, 360 milhões
serão destinados às desapropriações e reassentamentos e 200 milhões às
compensações ambientais e obras complementares de engenharia, supervisão
e gerenciamento. Ribeiro promete levar as denúncias até as últimas
consequências.
Fonte: Por FABIO SERAPIÃO - 23/06/2014 - - 08:30:12
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