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...a confiança
empresarial anda baixa, e não apenas ela: medidas da confiança do
consumidor também não são animadoras, mas, isto dito, é um erro
acreditar que alterações de humor, de empresários ou consumidores,
surjam do nada e, a partir daí, afetem o desempenho econômico. A relação
entre causa... |
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição de 11 de junho de 2014
Hoje
"humor" é entendido como um estado de espírito, mas houve época em que
era visto como algo físico, fluidos que controlavam, entre outras
coisas, o próprio temperamento das pessoas (o fleumático, por exemplo,
seria dominado pela "fleuma", humor procedente do sistema respiratório).
Doenças eram atribuídas a desequilíbrios entre humores; daí prescrições
de tratamentos como sangrias e afins, supostamente para recuperar o
equilíbrio perdido.
A falta de base científica, porém, da teoria
dos humores ficou clara com o desenvolvimento da medicina, levando ao
seu abandono, do qual se salvaram apenas expressões como "mau humor",
utilizadas, é claro, num contexto bastante distinto do original.
É
irônico, portanto, que a mesma visão medieval ressurja expressa na
noção que a prostração da economia brasileira - aparente no "pibículo"
do primeiro trimestre, assim como o que nos espera ao longo deste ano -
se deva ao mau humor dos empresários.
Obviamente a confiança
empresarial anda baixa, e não apenas ela: medidas da confiança do
consumidor também não são nada animadoras, mas, isto dito, é um erro
acreditar que alterações de humor, de empresários ou consumidores,
surjam do nada e, a partir daí, afetem o desempenho econômico. A relação
entre causa e efeito parece ser precisamente a inversa: é o desempenho
da economia que afeta o estado de espírito a que chamamos de "confiança"
ou "humor", ou qualquer nome que se queria dar à sensação que algo está
muito errado no país.
Em particular, colhemos agora os frutos
da política econômica adotada, de forma gradual, de 2009 para cá. Ao
longo destes anos o compromisso com a meta fiscal foi substituído pela
"contabilidade criativa": o governo finge que cumpre a meta, à custa de
uma perda sem precedentes da transparência (e credibilidade) das contas
públicas e lamenta que os analistas não compartilhem de sua fantasia.
Da
mesma forma, a meta de inflação foi abandonada. A política monetária
passou a se guiar por outros objetivos: crescimento em alguns momentos, a
taxa de câmbio em outros. De outra forma como explicar o comportamento
de um Banco Central, que afirma prever a inflação acima da meta tanto
este ano como no próximo e, no entanto, interrompe o processo de aperto
monetário?
Não por acaso as expectativas de inflação se
aproximam do limite superior da meta em 2014 e sugerem inflação superior
a 6% no ano que vem, expressão mais nítida da desconfiança com relação à
política econômica.
No campo microeconômico as frequentes (e
desencontradas) intervenções do governo também minam a capacidade de
planejamento. Como esquecer o fracasso da primeira rodada de concessões
rodoviárias, em que o suposto "filé" entre as estradas federais (a
BR-262) não atraiu sequer um candidato, ou mesmo o leilão do campo de
Libra, em que apenas um consórcio foi formado?
Mais recentemente
os controles de preços (resultado direto do descaso no front
inflacionário) adicionaram novas complicações. Os que acreditaram, por
exemplo, na retórica governamental e investiram em biocombustíveis agora
amargam os prejuízos decorrentes da manutenção dos preços de
combustíveis em patamares inconsistentes com níveis internacionais.
Empresas
distribuidoras de energia também sofrem com estes controles e, se
alguém ainda acredita que isto não terá qualquer impacto em seus planos
de investimento, haverá de se decepcionar.
Instabilidade
macroeconômica, mudanças de regras, controles de preços formam um caldo
de cultura muito pouco propício ao crescimento econômico e não deveria
ser surpreendente que a confiança dos agentes econômicos fosse abalada
por estes desenvolvimentos.
À luz disto, atribuir o crescimento
medíocre ao humor empresarial é uma piada de mau gosto, de quem tenta
afastar de si a responsabilidade pela visão medieval que tem dominado
nossa política econômica nos últimos anos.
• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN
- DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E
EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É
PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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