quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Modesto Carvalhosa: "Vivemos uma oportunidade única de acabar com a corrupção”

BLOG do SOMBRA

“Estou otimista com os rumos das investigações contra a Petrobras e as empreiteiras”


O advogado paulistano Modesto Carvalhosa, 82 anos, é considerado um dos mais renomados e atuantes especialistas brasileiros em direito empresarial. Já comprou brigas bilionárias e defendeu os interesses de grandes empresas, como o Grupo Pão de Açúcar. Na esfera pública, montou um conselho de ética durante o governo Itamar Franco – equipe extinta, posteriormente, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. A longeva carreira poderia ter gerado em Carvalhosa um certo ceticismo em relação à eficácia das ações de combate à corrupção no País. Mas não gerou. “Estou otimista com os rumos das investigações contra a Petrobras e as empreiteiras”, afirma o advogado, que vai lançar em dezembro o livro Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas. ...

Acompanhe, a seguir, sua entrevista:

DINHEIRO – O escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras e as maiores empreiteiras do País pode ser considerado o maior da história da República?
MODESTO CARVALHOSA – Sim, o Brasil está passando por um momento histórico. A Operação Lava Jato está para o Brasil assim como a Operação Mãos Limpas, que praticamente acabou com a influência da máfia, esteve para a Itália. É o mais importante episódio de julgamento de corrupção da história recente. A Itália de hoje é bem diferente da Itália de antes dos anos 1990. Para fazer um paralelo, é evidente que estamos na Operação Mãos Limpas brasileira. Se a apuração dos fatos prosseguir com o rigor que estamos observando e houver a ampliação das delações premiadas, teremos a possibilidade de limpar o País de uma maneira bem efetiva.

DINHEIRO – E se terminar em pizza?
CARVALHOSA – Não acredito. Um fator importantíssimo nesse caso é a Lei Anticorrupção, que começou a vigorar em janeiro deste ano. Dois pontos se destacam: uma Polícia Federal muito ativa e uma Justiça Federal muito autônoma. Essa lei que pune as empresas, não somente as pessoas físicas, ajuda muito. Afinal, quem tira o lucro da corrupção toda? É a empresa. Você tem de punir partidos, deputados, senadores, servidores públicos, mas não se pode esquecer do corruptor, que é a empresa.

DINHEIRO – Muitas empresas se apresentam como vítimas, como se estivessem sendo achacadas.
CARVALHOSA – Isso é uma piada. Empresa nenhuma pode aceitar a extorsão de funcionário público. Quando se trata de pagamento de propina, tanto em matéria penal quanto em matéria administrativa, existem duas figuras: a da comissão pura e a da comissão omissiva. Ou seja, comissão pura é quando você vai até o agente público e o corrompe. Isso é também chamado de corrupção ativa. Já a corrupção omissiva é quando se aceita a extorsão. Tanto uma como outra são totalmente abrangidas pela Lei Anticorrupção e passíveis de punição.

DINHEIRO – O vice-presidente da Mendes Júnior, Sérgio Cunha Mendes, admitiu ter pago R$ 8 milhões ao doleiro Alberto Youssef para evitar represálias em contrato da empreiteira com a Petrobras...
CARVALHOSA – Represálias coisa nenhuma. O que houve foi superfaturamento dos contratos. Outra coisa: R$ 8 milhões são uma gorjetinha perto dos bilhões que foram pagos pela Petrobras.

DINHEIRO – Mas essas gorjetas sempre existiram em forma de comissões...
CARVALHOSA – Aos olhos da lei, a gorjeta não é o crime, mas produto do crime. Uma coisa é o crime e outro é o produto. O crime foi o contrato superfaturado na Petrobras. Pagamentos de gorjetinha de R$ 8 milhões para cá, R$ 20 milhões ali, R$ 10 milhões para o deputado, R$ 150 milhões para os partidos, são os produtos do crime. Foram gerados pelo crime, que são os contratos superfaturados originados no cartel.

DINHEIRO – O sr. acredita que há cartel?
CARVALHOSA – Só as empresas acham que não há cartel. Ninguém é ingênuo de achar que todo esse sistema de corrupção é fruto do acaso, sem conexão entre elas. Esse argumento parte das empreiteiras porque elas têm de se defender. Repito: estamos na operação Mãos Limpas no Brasil. Se não aproveitarmos este momento histórico para limpar e mudar os hábitos políticos no País, nunca mais faremos isso. Estamos diante de uma oportunidade única de acabar com a corrupção.

DINHEIRO – A omissão de respostas nos processos não compromete o sucesso da investigação? Muitos executivos já estão falando que não sabiam de nada.
CARVALHOSA – O processo penal administrativo da Lei Anticorrupção fala em responsabilidade objetiva. Não há subjetividade, ou seja, não há dolo nem culpado. É como se você, por exemplo, estivesse dirigindo na rua e um carro batesse no seu. Trata-se de uma responsabilidade objetiva. Não interessa o que aconteceu: bateu, pagou. As empresas também passam a ter essa responsabilidade. Se ela agiu corruptamente, é responsável pela conduta ilícita, e não pela intenção. Não é porque uma empresa é uma pessoa jurídica que ela deixa de ter intenção. Não pode se falar que uma empresa tem dolo, que pode escolher entre o bem e o mal. Uma empresa não tem ambiguidades nem sentimentos. Ela está restrita ao cumprimento do objeto social. Além disso, não se pode colocar uma empresa na cadeia, certo? Mas você pode dar uma multa de bilhões, inabilitá-la e até dissolvê-la.

DINHEIRO – A presidenta Dilma Rousseff declarou que não vai sobrar pedra sobre pedra. O sr. acredita nisso?
CARVALHOSA – Não sei. Só sei que vai mudar totalmente os hábitos e relacionamentos de corrupção em todo o Brasil. Agora é para valer, assim como o julgamento do mensalão foi para valer. Agora não tem conversa, tem o Ministério Público Federal, tem o Poder Judiciário, tem a Polícia Federal. Mas as empreiteiras continuam tentando confundir a opinião pública.

DINHEIRO – Confundindo?
CARVALHOSA – Sim, dizendo que a lei não está regulamentada, que os fatos ocorreram antes da aprovação da lei, etc. Tudo isso é balela.

DINHEIRO – Mas como os fatos fraudulentos foram assinados antes da publicação da lei, as empresas não estariam isentas de cumprir a atual Lei Anticorrupção?
CARVALHOSA – Esse argumento é absurdo. É como se eu tivesse uma casa de bingo, aberta antes da proibição, e alegasse que o estabelecimento tem o direito de continuar funcionando porque foi aberto antes da proibição. É uma alegação infantil e sórdida. O delito vem dos contratos superfaturados vigentes. Estes são contratos superfaturados que estão em pleno vigor. É uma desculpa que, inclusive, o vice-presidente Michel Temer acatou. Ele falou que o Brasil vai parar se isso for para a frente e que deveriam apenas cobrar o dinheiro de volta, não entrar com ação contra as empresas. Isso é crime de responsabilidade.

DINHEIRO – Mas já houve inúmeros casos de corrupção que foram varridos para debaixo do tapete...
CARVALHOSA – A corrupção das empreiteiras começou nos anos 1940, com o presidente Washington Luís, que dizia que governar era construir estradas. A partir daí, criou-se no Brasil uma estrutura institucional de corrupção. Desde então, não existe nenhum contrato no Brasil que não contenha itens de corrupção.

DINHEIRO – Então existe uma questão cultural no País?
CARVALHOSA – Podemos afirmar que se instaurou uma estrutura institucional de corrupção. Não se pode imaginar nenhuma obra, nenhum fornecimento, em que não haja corrupção. As empreiteiras mantêm um relacionamento vicioso com o poder público.

DINHEIRO – Passado todo esse turbilhão, o governo poderá ser lembrado como o que promoveu uma limpeza no País?
CARVALHOSA – O governo não faz limpeza nenhuma, quem faz a limpeza são as instituições autônomas. Essa conversa da Dilma lembra a operação pega ladrão. É mais ou menos assim: você está no metrô e um batedor de carteira tira a sua carteira do seu bolso. Aí ele é o primeiro a gritar ‘pega ladrão’. Aí todo mundo fica desbaratinado, pois ninguém vai pensar que ele é o ladrão. Todo mundo sai correndo atrás de uma pessoa que ninguém sabe quem é. Nesse exemplo, o governo é o ladrão também.

DINHEIRO – O sr. acha que algum presidente de empreiteira poderá ser condenado?
CARVALHOSA – Eu acho que sim. O mensalão mostrou a todos nós que pode haver punição no Brasil.

DINHEIRO – O sr. é favorável ao financiamento público de campanha?
CARVALHOSA – Sou. Creio que as empresas não podem financiar os políticos.

DINHEIRO – Há quem aponte o dedo para o PT, como se se a corrupção tivesse surgido em 2003...
CARVALHOSA – Não tenho a menor dúvida de que sempre houve corrupção em outros governos. Nesse caso, estão datando a corrupção por causa da nomeação política na Petrobras. Também não acho que foi o PT que instaurou a corrupção na Petrobras, mas, como o partido está no poder, vai sofrer mais. Além disso, como o PT sempre foi um partido muito moralista, sofre pressão agora.

DINHEIRO – O sr. é a favor da delação premiada?
CARVALHOSA – Completamente. É o único caminho para desbaratar a corrupção no País. Porque o sujeito, ao saber que terá de cumprir 20 anos, percebe que a única opção que tem é denunciar os outros, que são os políticos. A delação premiada é a solução, como foi a operação Mãos Limpas na Itália. Nos Estados Unidos, a delação premiada conseguiu acabar com a máfia.

DINHEIRO – Para os corruptores, qual é a pena adequada?
CARVALHOSA – Os dirigentes das empreiteiras, se não quiserem participar da delação premiada, devem ir para a prisão. E devem ser aplicadas multas para as empresas.

Fonte: Istoé Dinheiro - Por: CLAYTON NETZ E HUGO CILO. Foto: Luisa Santosa - 27/11/2014 - - 20:32:30

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