Eliane Brum
Desacontecimentos
Na semana passada, a Corte Di Cassazione
de Roma anulou a sentença de 18 anos de prisão e o pagamento de 100
milhões de euros a que havia sido condenado o bilionário Stephan
Schmidheiny, herdeiro da Eternit suíça e fundador da Avina. Por
prescrição do crime – e não por inocência. No tribunal foi dito que o
Direito e a Justiça nem sempre andam juntos, mas os juízes devem seguir o
Direito, uma frase muito interessante.
O processo, histórico, foi liderado
pelas vítimas e familiares de vítimas de uma pequena cidade italiana do
Piemonte chamada Casale Monferrato, que coleciona centenas de mortes por
contaminação ambiental por amianto. No tribunal, ao ouvir a anulação da
sentença, os moradores e vítimas gritavam: “Vergonha!”.
No Brasil, como se sabe, o amianto é
permitido, com exceção de alguns estados, apesar da coleção de mortes de
trabalhadores, nas últimas décadas, por asbestose e mesotelioma. E,
cada vez mais, o amianto é usado nas casas dos mais pobres, em
periferias e favelas, nas aldeias indígenas e quilombolas, nas
colocações de ribeirinhos.
O pico da contaminação ambiental por amianto,
segundo os especialistas, ainda está por vir. Aqui, vivemos o poderoso
lobby da indústria que, em seus métodos, segue fielmente o paradigma do
lobby da indústria do tabaco, tão claro em filmes como “O informante” e
“Obrigado por fumar”.
Hoje, o Brasil é o terceiro produtor mundial, o
terceiro exportador e o quarto usuário de amianto.
Stephan Schmidheiny é um personagem
fascinante. Para alguns um herói, para outros um vilão. Desde os anos 90
faz uma bem sucedida “lavagem de biografia” – ou de “greenwashing”. De
príncipe do amianto se tornou “filantropo” e “ambientalista”. Ganhou
prêmios, honrarias, capas laudatórias de revistas. A fortuna construída
em boa parte com o amianto passou a financiar ações assistenciais e
projetos socioambientais.
A operação, altamente eficaz, é parte da
explicação de por que, em vários países e também no Brasil, os
trabalhadores do amianto lutam e morrem sozinhos, sem que setores da
população, historicamente ligados aos direitos humanos e ao movimento
socioambiental, lutem com eles naquele que já é internacionalmente
conhecido como um dos maiores escândalos de saúde publica da história e
que começa a ser compreendido como um desastre ambiental de enormes
proporções.
Banido na maior parte do mundo desenvolvido, o amianto hoje
faz estragos em países como Brasil, China e Índia, assim como no
continente africano.
Essa história está em curso. E, mesmo com tanto silêncio, vamos ouvir muito sobre ela nos próximos anos no Brasil.
Nesta coluna, conto o desfecho do
julgamento a partir de Romana Blasotti Pavesi, uma mulher de 85 anos que
perdeu cinco pessoas da família para o câncer do amianto. O primeiro
foi seu marido, Mario; a última sua filha, Maria Rosa. Estive na casa
dela há dois anos, num dos projetos de reportagem que banco com minhas
próprias economias, e acabei só escrevendo sobre Romana nesta coluna. As
fotos são de João Luiz Guimarães.
Como vocês sabem, acompanho a questão do
amianto no Brasil desde 2001. Neste post, coloco algumas das
reportagens que fiz ao longo dos últimos 13 anos.
Romana e o bilionário do amianto: a dor que não prescreve
A italiana que se tornou símbolo
da luta contra a fibra assassina é uma das vítimas derrotadas por
Stephan Schmidheiny no tribunal que envergonhou a Itália
Quando a entrevistei, dois anos
atrás, ela me disse que já não chorava. Em algum momento da sua luta
contra a Eternit, as lágrimas secaram dentro de Romana Blasotti Pavesi.
Passamos uma tarde e uma manhã conversando em seu apartamento em Casale
Monferrato. É difícil acreditar à primeira vista que na pequena cidade
do Piemonte a tragédia respira entre ruas e paisagens de cinema
italiano, nas vitrines das confeitarias onde os krumiris, o delicioso
biscoito de Casale, se oferecem a quem passa. Então pessoas como Romana
começam a falar. E quando falam enumeram seus mortos. E a narrativa mais
uma vez desafina com o cenário do apartamento em que sua solidão é
acompanhada por uma população de bibelôs bem ordenados e coloridos, por
uma coleção de pequenos elefantes de todas os formatos, origens e
texturas – a maioria deles com a tromba para cima, que é como ela gosta.
Pergunto a ela se é por significar boa sorte, ela responde que assim
parecem felizes. Romana pede um momento, diz com licença, e desaparece
no quarto. Volta de lá com uma caixa. De dentro ela tira com a ponta dos
dedos um cabelo longo e raro, com diferentes nuances de dourado e
vermelho. Bello, molto bello. É de Maria Rosa, ela diz. A filha de
Romana foi a quinta de sua família a morrer pelo câncer do amianto.
Leia o texto completo em:
http://internacional.elpais.com/internacional/2014/11/25/actualidad/1416870275_699327.html
A seguir, algumas das minhas reportagens sobre o amianto e a tragédia de saúde pública:
Lavagem de Biografia
Vítimas lançam uma ofensiva
internacional para cassar os títulos e prêmios do bilionário Stephan
Schmidheiny, ex-dono da Eternit suíça.
No Brasil, miram na Ordem do
Cruzeiro do Sul, dada a ele pelo presidente Fernando Henrique Cardoso
A maldição do amianto
Condenados pela fibra cancerígena, centenas de ex-trabalhadores da Eternit e da Brasilit lutam por indenizações na Justiça
*Atenção: essa reportagem foi postada em duas partes. É fundamental ler a segunda também, já que o texto é interrompido na metade
*Atenção: essa reportagem foi postada em duas partes. É fundamental ler a segunda também, já que o texto é interrompido na metade
2ª parte:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI144366-15223-2,00-A+MALDICAO+DO+AMIANTO.html
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI144366-15223-2,00-A+MALDICAO+DO+AMIANTO.html
Morto pelo Amianto
O ex-operário da Brasilit
Sebastião Alves da Silva, símbolo internacional da luta contra a fibra
cancerígena, perdeu sua última batalha
Vida e Morte
Brasilit e Eternit travam guerra
pesada para convencer governo e opinião pública sobre o futuro do
mineral. Em jogo, um mercado de R$ 2 bi
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