quinta-feira, 17 de abril de 2014

Barroso, o pensador político, interessa-me menos do que Barroso, o guardião da Constituição

16/04/2014
às 20:33 \



Leitores pedem que eu comente o artigo do ministro Luís Roberto Barroso publicado hoje e intitulado “Estado e livre iniciativa na experiência constitucional brasileira”. Nele, Barroso sustenta alguns pontos de vista bem liberais, após assumir que flertou com o socialismo na juventude. Reconhecer erros juvenis e mudar é sempre uma atitude louvável.

Barroso confessa sem rodeios: “Eu faço parte de uma geração que acreditava no Estado como o grande protagonista do processo social. A geração que perdeu o embate ideológico quando o muro caiu”. Em seguida, tenta definir sua visão ideológica atualmente:

O tempo e a idade me tornaram um liberal igualitário, algo próximo a um social democrata. Há um ponto ótimo de equilíbrio entre o mercado e a política. Esse ponto está no cruzamento da livre iniciativa, de um lado, e serviços públicos de qualidade, do outro, juntamente com uma rede de proteção social para os que não são competitivos porque não podem ser. Na minha vivência brasileira, sou convencido de que o Estado, na sua atuação econômica, é quase sempre um Midas pelo avesso: o que ele toca vira lata.

Não sei bem o que é “liberal igualitário”, uma vez que o liberalismo prega a igualdade perante as leis, o que inexoravelmente vai levar a resultados diferentes entre indivíduos diferentes. Mas confesso que esse tipo de discurso, claramente social-democrata, de uma centro-esquerda mais civilizada, não me incomoda tanto. Faz parte do jogo democrático de qualquer sociedade avançada.


Óbvio que o desafio será traçar essa linha divisória entre o escopo do governo e a iniciativa privada, assim como garantir que a rede de proteção seja básica e, de preferência, temporária, e não uma forma permanente de “todos viverem à custa de todos”. Mas, repito, é um discurso de centro-esquerda que, para os padrões nacionais, já seria até mesmo confundido com liberalismo.

Quando Barroso mergulha no texto propriamente dito, divide a história de nosso estado em três partes: patrimonialismo, oficialimo e autoritarismo. Confusão entre público e privado, dependência estatal para tudo, e quebra da legalidade constitucional: nossas marcas registradas. Como discordar de Barroso? Vejamos esse trecho sobre o segundo aspecto, por exemplo:

oficialismo é a característica que faz depender do Estado – isto é, da sua bênção, apoio e financiamento – todo e qualquer projeto pessoal, político ou empresarial de grande porte. Sem o apoio da situação não se consegue concessão, obra pública ou projetos relevantes. Quase tudo no Brasil depende de financiamento do BNDEs, da Caixa Econômica, dos fundos de pensão, com tudo que isso acarreta em termos de burocracia e ingerência governamental. Se o Presidente da República não gosta do presidente de uma empresa privada, mesmo que ela seja de capital aberto, a sorte do indigitado está selada, porque sem boa-vontade governamental é quase impossível empreender, em larga escala, no Brasil. Este não é um fenômeno de uma pessoa ou de um governo. É como tem sido desde sempre.

Sim, um diagnóstico preciso dessa dependência do estado para tudo. E tem sido assim desde sempre, concordo, mas acrescentaria que “nunca antes na história deste país” foi tão forte tal dependência, pois o PT abusa da prerrogativa como nenhum outro partido antes fez. Mas vamos em frente. Barroso acrescenta uma outra característica, o paternalismo:

Há uma última característica, digamos assim, da formação nacional que não tem cunho institucional, mas que também é digna de nota e carece de superação. Refiro-me à crença de que os recursos financeiros do Estado saem de lugar nenhum e que, portanto, o Estado pode tudo, devendo ser o provedor paternalista de todas as necessidades. Em síntese: as relações da cidadania brasileira com o Estado têm a marca de disfunções graves e atávicas.

A esquerda sempre fugiu da aula sobre escassez. Assim fica fácil pregar sempre mais estado, como se seus recursos brotassem do solo, nascessem em árvores ou caíssem do céu. As benesses estatais acabam não cabendo no PIB, sem falar da corrupção, da perda de incentivos para a produtividade e do desvio de recursos escassos de finalidades mais importantes.

Barroso critica, ainda, o intervencionismo estatal na economia, o agigantamento do estado que só foi parcialmente revertido com as privatizações, e ainda condenou o refluxo ocorrido nessa área por questões ideológicas, atrasando a concessão de rodovias, portos e aeroportos e prejudicando nossa infraestrutura.
Por fim, Barroso alega que é preciso superar o preconceito contra o empreendedorismo. É a iniciativa privada que produz riqueza, mas temos um “capitalismo envergonhado” (eu diria um “capitalismo de estado” ou “capitalismo de laços”, na verdade). Escreve Barroso:

Ser progressista significa querer distribuir as riquezas de forma mais justa. Mas a história provou que, ao menos no atual estágio da condição humana, a iniciativa privada é melhor geradora de riquezas do que o Estado. Trata-se de uma constatação e não de uma opção ideológica. Precisamos aceitar esta realidade e pensar a vida a partir dela.

Em suma, eis a visão de um social-democrata mais esclarecido, que defende o capitalismo sob regras claras e conhecidas, sem tanta interferência estatal, e uma rede de proteção básica para os que ficarem para trás, sem cair no paternalismo. Nada mal. Uma agenda tipicamente tucana, diga-se de passagem. E o PSDB, como sabemos, representa a nossa esquerda mais civilizada, com a qual dá para manter um diálogo construtivo, ao contrário do PT.

Tudo isso é muito interessante, e admito que apreciei o texto do ministro. Mas fecho lembrando apenas de uma coisa importante: Barroso, o pensador político, interessa-me menos do que Barroso, o guardião da Constituição. É para isso que ele está no STF: para proteger nossa “carta magna”, não para “acelerar o processo histórico”, para julgar com base em sua ideologia, tampouco para aliviar a barra de companheiros que lhe colocaram lá.

Será julgado por seu desempenho nessa fundamental missão de preservar nossa Constituição, não pelo que considera adequado como papel do estado, pois é ministro do STF, não candidato a eleições. E, convenhamos, nesse quesito não começou nada bem no julgamento do mensalão, elogiando réu e levantando suspeitas sobre seu apego à Constituição sem malabarismos. Está com a reputação em xeque…

Rodrigo Constantino

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