O GLOBO - 01/04
Há países mais pobres que o Brasil com menos criminalidade. Há sociedades tão desiguais também com menos crimes
O “Jornal Nacional” e o “Jornal da Globo” estão exibindo nesta semana duas extraordinárias séries de reportagens que, por caminhos diferentes, mostram a mesma realidade: como a falta de produtividade, ou a baixa eficiência, tanto no setor público quanto no privado, atrasam e tornam o Brasil mais injusto.
O “Jornal da Globo” encarou um desafio complicado: mostrar como a impunidade é causa primária da criminalidade. Por que algumas sociedades e setores dentro de sociedades são mais violentos? — esta é uma eterna discussão e um tema atualíssimo no Brasil de hoje.
Mas o debate tem sido incompleto. Há questões, digamos, permanentes, como a relação entre pobreza e violência ou má distribuição de renda e criminalidade. Durante um certo tempo, na verdade, ainda hoje em certos setores, essas questões têm sido dominantes. A violência, se diz, é um problema social, não de polícia — e essa seria a tese de esquerda, para quem gosta de colocar velhas ideologias em tudo.
Nessa visão, a polícia entra como agente da violência e, especialmente, contra os pobres. Está acontecendo no Rio. Em protestos estimulados e promovidos pelo tráfico, pessoas das comunidades reclamam a retirada das UPPs, como se estas, e não os traficantes, fossem as responsáveis pela violência.
É certo que os policiais têm cometido erros terríveis, mas não se pode concluir daí que seja uma força contra a comunidade. Mas é certo que faltam preparo e competência em todo o sistema policial e jurídico no Rio e no Brasil.
A série do “Jornal da Globo” apanha um aspecto essencial desta história: a impunidade. Parte de um dado alarmante bastante conhecido: 27 assassinatos por cada grupo de cem mil pessoas, no país. Mas se concentra em outro dado mais alarmante e menos conhecido e debatido: de cada cem homicídios, no máximo oito são esclarecidos e os culpados, punidos. E, assim mesmo, depois de muito tempo.
Na Inglaterra, são 90% de casos resolvidos. E a taxa de homicídios, mostra a série do JG, vai lá para baixo. Esta é uma relação bem verificada. Penas mais elevadas, ao contrário, não derrubam a criminalidade. Se o assassino, como no Brasil, tem 92% de chance de não ser apanhado, qual a importância de a pena ser de dez ou 20 anos?
E para apanhar criminosos, mostra a série, precisa-se de algo que é uma raridade no Brasil: a polícia científica, tecnológica, que chega logo e bem equipada ao local do crime, o início de uma boa investigação.
A reportagem chega a dar tristeza: repartições de polícia supostamente técnica que deixam cadáveres amontoados num quintal, aguardando identificação e perícia. Por anos! Equipamentos de ponta que não são utilizados por falta de gente e de pequenas providências, como uma rede elétrica. Repartições policiais lotadas de funcionários administrativos e com falta de peritos e policiais para as operações-fim.
Tudo considerado, é um exemplo acabado do setor público brasileiro: caro e ineficiente. E, claro, socialmente injusto: tendo que selecionar quais assassinatos vai investigar, a polícia dá preferência aos casos de maior impacto na mídia ou que envolvam famílias, digamos, influentes. Os mortos pobres comuns ficam na fila, amontoados nos pátios. E todos os cidadãos comuns sentem a falta de segurança. Quer dizer, todos não: bairros mais ricos conseguem de algum modo mais polícia.
A rigor, a relação direta entre violência e pobreza nunca foi demonstrada de modo a não deixar dúvidas. Não basta mostrar que há mais violência em cidades ou bairros pobres.
Há países mais pobres que o Brasil com menos criminalidade. Há sociedades tão desiguais como a nossa também com menos crimes. E, entre os países ricos, o índice de criminalidade varia bastante, mais alto nos EUA, por exemplo, do que na Europa ou Japão. Sim, há mais desigualdade nos EUA, mas a criminalidade varia também em países europeus com o mesmo padrão de distribuição de renda e benefícios sociais.
Por outro lado, é certo que o ambiente social, a cultura e as condições de vida podem ser mais ou menos favoráveis à prática de crimes. Mas a tese, levada ao extremo, de que a polícia leva a violência aos mais pobres deixou um paradoxo: uma polícia mais violenta.
Foi assim: um lado responsabiliza a polícia e pede sua retirada (“Fora UPPs!”) ou a restrição de sua atividade (não poder abordar mascarados, por exemplo, ou não poder entrar em universidades nem para procurar traficantes); em reação, o outro lado pede mais polícia baixando o pau. Resultado, ficamos sem a polícia boa, competente, bem remunerada e bem equipada, que acha e prende os culpados de crimes diversos, de assassinatos a destruição de ônibus.
(As séries do JN e do JG estão no ar. Também podem ser vistas pelo site g1.com.br. Na próxima coluna, a questão da produtividade).
Há países mais pobres que o Brasil com menos criminalidade. Há sociedades tão desiguais também com menos crimes
O “Jornal Nacional” e o “Jornal da Globo” estão exibindo nesta semana duas extraordinárias séries de reportagens que, por caminhos diferentes, mostram a mesma realidade: como a falta de produtividade, ou a baixa eficiência, tanto no setor público quanto no privado, atrasam e tornam o Brasil mais injusto.
O “Jornal da Globo” encarou um desafio complicado: mostrar como a impunidade é causa primária da criminalidade. Por que algumas sociedades e setores dentro de sociedades são mais violentos? — esta é uma eterna discussão e um tema atualíssimo no Brasil de hoje.
Mas o debate tem sido incompleto. Há questões, digamos, permanentes, como a relação entre pobreza e violência ou má distribuição de renda e criminalidade. Durante um certo tempo, na verdade, ainda hoje em certos setores, essas questões têm sido dominantes. A violência, se diz, é um problema social, não de polícia — e essa seria a tese de esquerda, para quem gosta de colocar velhas ideologias em tudo.
Nessa visão, a polícia entra como agente da violência e, especialmente, contra os pobres. Está acontecendo no Rio. Em protestos estimulados e promovidos pelo tráfico, pessoas das comunidades reclamam a retirada das UPPs, como se estas, e não os traficantes, fossem as responsáveis pela violência.
É certo que os policiais têm cometido erros terríveis, mas não se pode concluir daí que seja uma força contra a comunidade. Mas é certo que faltam preparo e competência em todo o sistema policial e jurídico no Rio e no Brasil.
A série do “Jornal da Globo” apanha um aspecto essencial desta história: a impunidade. Parte de um dado alarmante bastante conhecido: 27 assassinatos por cada grupo de cem mil pessoas, no país. Mas se concentra em outro dado mais alarmante e menos conhecido e debatido: de cada cem homicídios, no máximo oito são esclarecidos e os culpados, punidos. E, assim mesmo, depois de muito tempo.
Na Inglaterra, são 90% de casos resolvidos. E a taxa de homicídios, mostra a série do JG, vai lá para baixo. Esta é uma relação bem verificada. Penas mais elevadas, ao contrário, não derrubam a criminalidade. Se o assassino, como no Brasil, tem 92% de chance de não ser apanhado, qual a importância de a pena ser de dez ou 20 anos?
E para apanhar criminosos, mostra a série, precisa-se de algo que é uma raridade no Brasil: a polícia científica, tecnológica, que chega logo e bem equipada ao local do crime, o início de uma boa investigação.
A reportagem chega a dar tristeza: repartições de polícia supostamente técnica que deixam cadáveres amontoados num quintal, aguardando identificação e perícia. Por anos! Equipamentos de ponta que não são utilizados por falta de gente e de pequenas providências, como uma rede elétrica. Repartições policiais lotadas de funcionários administrativos e com falta de peritos e policiais para as operações-fim.
Tudo considerado, é um exemplo acabado do setor público brasileiro: caro e ineficiente. E, claro, socialmente injusto: tendo que selecionar quais assassinatos vai investigar, a polícia dá preferência aos casos de maior impacto na mídia ou que envolvam famílias, digamos, influentes. Os mortos pobres comuns ficam na fila, amontoados nos pátios. E todos os cidadãos comuns sentem a falta de segurança. Quer dizer, todos não: bairros mais ricos conseguem de algum modo mais polícia.
A rigor, a relação direta entre violência e pobreza nunca foi demonstrada de modo a não deixar dúvidas. Não basta mostrar que há mais violência em cidades ou bairros pobres.
Há países mais pobres que o Brasil com menos criminalidade. Há sociedades tão desiguais como a nossa também com menos crimes. E, entre os países ricos, o índice de criminalidade varia bastante, mais alto nos EUA, por exemplo, do que na Europa ou Japão. Sim, há mais desigualdade nos EUA, mas a criminalidade varia também em países europeus com o mesmo padrão de distribuição de renda e benefícios sociais.
Por outro lado, é certo que o ambiente social, a cultura e as condições de vida podem ser mais ou menos favoráveis à prática de crimes. Mas a tese, levada ao extremo, de que a polícia leva a violência aos mais pobres deixou um paradoxo: uma polícia mais violenta.
Foi assim: um lado responsabiliza a polícia e pede sua retirada (“Fora UPPs!”) ou a restrição de sua atividade (não poder abordar mascarados, por exemplo, ou não poder entrar em universidades nem para procurar traficantes); em reação, o outro lado pede mais polícia baixando o pau. Resultado, ficamos sem a polícia boa, competente, bem remunerada e bem equipada, que acha e prende os culpados de crimes diversos, de assassinatos a destruição de ônibus.
(As séries do JN e do JG estão no ar. Também podem ser vistas pelo site g1.com.br. Na próxima coluna, a questão da produtividade).
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