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As
paredes mofadas, deterioradas pelo tempo, revelam o abandono da Unidade
de Internação do Plano Piloto (UIPP).
Hoje dividido em apenas cinco
alas, o complexo é escuro e insalubre: distante da realidade de qualquer
ambiente que pretenda recuperar jovens infratores.
As péssimas
condições de conservação das instalações atingiram o limite da dignidade
humana.
Por isso, depois de 38 anos de funcionamento, o antigo Caje
chega ao seu fim. A notícia de que a última unidade do prédio será
demolida encerra quase quatro décadas de superlotação, mortes e
rebeliões.
Amanhã, os últimos cem jovens que ainda estão na unidade se despedem.
Eles devem ser transferidos para os centros de internação de São
Sebastião, Recanto das Emas e Planaltina. No próximo sábado, todo o
complexo do Caje será demolido. Depois disso, a ideia é dar início a um
novo modelo de ressocialização infanto-juvenil no Distrito Federal.
“Pegamos um sistema totalmente abandonado, com lotação, inadequação de
espaço, um setor jogado no porão, e estamos trabalhando para reverter
isso”, afirmou a secretária da Criança, Rejane Pitanga.
Expectativa
Para os internos, a expectativa é de encontrar unidades mais seguras e
que ofereçam oportunidades profissionalizantes. “Não sei ainda para
onde eu vou. Mesmo assim, espero que seja um lugar mais seguro, com
menos ‘guerra’ entre rivais. E também queria que tivesse mais oficinas
pra gente ocupar o tempo e sair daqui com uma profissão”, diz Alan (nome
fictício), 17 anos, internado há, pelo menos, dez meses.
Tempo de
permanência que acabou aumentando por causa de uma tentativa de
homicídio dentro da unidade.
Desde a sua fundação, em 1976, dois servidores e 30 adolescentes
foram mortos no Caje. A violência era uma das denúncias mais frequentes
dos fatos que ocorriam dentro do complexo. Só em 2012, em 20 dias,
três jovens foram assassinados. À época, a delegada Gláucia Ésper, da
Delegacia da Criança e do Adolescente, disse que as mortes poderiam
estar sendo organizadas para evitar novas internações.
Antes e depois
ESTRUTURA DO CAJE: O Centro de Atendimento
Juvenil Especializado de Brasília (Caje/DF) possuía dez pavilhões
destinados aos internos, sendo um feminino, um disciplinar, um
provisório (o mais problemático), um de internos “nota dez”, um pavilhão
de “seguro” e cinco pavilhões distribuídos entre as faixas etárias
(considerados de comportamento mediano).
O QUE SERÁ FEITO NO LOCAL: De acordo com a
secretária da Criança, o terreno é do Tribunal de Justiça. No entanto, o
governador Agnelo já está em contato com o Judiciário para firmar uma
parceria e solucionar a questão. “Nossa ideia é utilizar o espaço como
um centro de assistência e de atividades sociais aos jovens”, adiantou
Rejane Pitanga.
Superlotação é uma das marcas
Bruno (nome fictício), 18 anos, aguarda ansiosamente pela
transferência. O jovem, que já foi internado outras vezes no Caje,
acredita que o local não coopera com a ressocialização dos adolescentes.
“A gente não faz muita coisa aqui. Tem muita briga entre rivais. Quem
fica muito tempo sem ter o que fazer acaba fazendo besteira. Seria legal
a gente encontrar um espaço que invista no nosso futuro, que nos ajude a
ter uma formação, com mais dignidade”, imagina.
Em seus anos de funcionamento, o Caje foi alvo frequente de
denúncias de superlotação. Em quarto comum, projetado para abrigar uma
ou duas pessoas, por exemplo, era comum que mais de seis jovens fossem
acomodados. Todo o complexo deveria ter apenas 162 adolescentes.
Contudo, o número de internos já chegou a quase 500. "Chegamos a ter 150
jovens em um espaço onde cabiam 23 pessoas. Hoje, temos 60 quartos
para 211 pessoas, que dá uma média de três em cada cômodo", diz o
diretor da UIPP, Renato Villela.
Alívio
Vizinhos da antiga unidade de internação confessam que já sentem
medo de morar próximo ao local. “É um alívio para a gente saber que eles
vão sair daqui. Por mais que a gente não queira ter preconceito, quando
vem a notícia de alguma rebelião ou fuga, todo mundo fica em estado de
alerta. Essa sensação de impunidade é muito ruim e deixa a gente em
pânico mesmo”, confessa a nutricionista Fernanda Laignier, moradora da
716 Norte.
Comerciantes também assumem o alívio. “A gente fica mais tranquilo,
não tem jeito. Direto ouvimos notícias de que os adolescentes estão até
mais violentos que os adultos, e como não ter medo? A gente fica com
medo de que alguém fuja e venha nos roubar”, assume a vendedora Rosane
Diniz, 41 anos. Para ela, “unidades de internação de adolescentes não
devem ficar próximas de casas e comércios pelo perigo que representam”.
Perfil
No último dia de funcionamento integral do Caje foi divulgada
também pesquisa que revela o perfil dos jovens em medidas
socioeducativas do DF. O estudo, feito pela Codeplan em parceria com a
Secretaria da Criança, entrevistou mais de mil jovens e mostra como
eles vivem o que esperam do futuro.
Para a coordenadora de Estudos e
Análises Transversais, Jamila Rodrigues, o mais importante dos dados,
contudo, diz respeito à pouca eficiência das internações.
“A gente percebeu por meio dos estudos a baixa reincidência de
adolescentes que cumprem medidas por meio aberto, que é de 28%. Já
aqueles que cumprem internações reincidem muito mais. Eles são mais de
80%”, aponta Jamila. Por isso, “a pesquisa mostra que o Estado deve
fazer algo enquanto esses meninos estão em meio aberto. A luta para
resgatá-los é fora das internações, apostando em educação e integração
familiar”.
A maioria dos adolescentes infratores tem entre 16 e 18 anos. São
negros, de baixa renda e moradores de cidades mais afastadas, entre
elas Ceilândia (20%), Samambaia (13%) e Recanto das Emas (8%). Em
casa, 40% conviviam apenas com a mãe; 13,7% com companheiro (a); e
apenas 1,1% com pai e madrasta.
Unidades do DF
Unidade de internação do Plano Piloto (UIPP) – que será demolida
Unidade de internação do Recanto das Emas (Unire)
Unidade de internação São Sebastião (UISS)
Unidade de Internação de Saída Sistemática (UNISS)
Núcleo de Atendimento Integrado (NAI)
Memória
Em 2012, o GDF assinou um termo com o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) se comprometendo a desativar completamente as instalações da UIPP.
Pelo acordo, sete novas unidades de internação no Distrito Federal
devem ser erguidas até dezembro de 2015. Cada uma delas terá capacidade
para abrigar 90 adolescentes.
A primeira etapa de desativação ocorreu no final do ano passado,
com a transferência de adolescentes para a Unidade de Internação
Provisória de São Sebastião, antigo Cesami, e para Unidade de Saída
Sistemática, no Recanto das Emas.
A remoção permitiu o fechamento de três módulos do Caje.
Jornal de Brasilia
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