quarta-feira, 26 de março de 2014

Devoluções de crianças em adoção a pais biológicos preocupam entidades


  26/03/2014 11h40


Casos na Justiça provocam embates e causam receio em pretendentes.


Levantamento feito a pedido do G1 mostra polêmicas em MG, ES e RJ.

 Do G1, em São Paulo

Casos polêmicos - adoção (Foto: Arte/G1)


Decisões da Justiça que têm devolvido aos pais biológicos crianças em processo de adoção têm causado apreensão nos grupos de apoio e em pretendentes pelo país. 

Levantamento feito pela Associação Nacional dos Grupos de Adoção (Angaad) a pedido do G1 mostra que há casos polêmicos em Minas Gerais, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro.


No primeiro, a Justiça obrigou no fim do ano passado que a criança fosse devolvida aos pais biológicos, mas um mandado de segurança paralisou a reinserção. 

Uma decisão sobre o caso deve sair nos próximos dias. No segundo, a família adotiva conseguiu apenas neste mês reaver a guarda do garoto, que também havia sido levado, aos 8 meses de idade, após uma ordem da Justiça.


Para a presidente da Angaad, Suzana Schettini, o que tem ocorrido é uma supervalorização da família biológica, com decisões que não levam em conta o interesse da criança. 

“O que a gente tem vivenciado são verdadeiras tragédias familiares nas quais os pais adotivos são vilipendiados, desrespeitados, desqualificados e a criança é massacrada, em um verdadeiro estupro psicológico”, afirma.

A juíza Vera Lúcia Deboni, coordenadora da Secretaria da Infância e da Juventude da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), no entanto, diz que é preciso cautela ao analisar aos processos. Isso porque, na maioria dos casos, as decisões foram tomadas após uma adoção consensual ou com a destituição do poder pátrio ainda em curso. 

"A família biológica tem o direito de buscar a permanência da criança em seu contexto e, para isso, é preciso garantir todos os prazos para se defender das acusações feitas contra ela", afirma.

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No caso de Contagem, por exemplo, a família perdeu a guarda acusada de maus-tratos, mas, alegando ter se recuperado, pediu a criança de volta.

Já no caso de Paracambi (RJ), a mãe biológica consentiu com a adoção logo no nascimento, mas a criança acabou retirada da família adotiva após mais de um ano e meio. Na decisão, o juiz ponderou que, devido à idade, “a adaptação ao verdadeiro lar” se dará de forma tranquila e que “essa é a natureza das coisas: aquele que gerou que cuide e conviva com seu filho”.

No Rio, um outro drama similar: após dois anos de convivência com a família adotiva, a menina foi devolvida para a mãe biológica, que se arrependeu de dar a filha à adoção e pediu na Justiça seu retorno, segundo a Angaad.


"Alguns magistrados, na melhor das intenções, colocam as crianças em famílias substitutas antes da decisão definitiva da destituição do poder familiar. E isso pode acabar revertendo mesmo", afirma Vera Lúcia Deboni.

Suzana, da Angaad, critica, no entanto, a demora em se conceder a guarda definitiva das crianças. “Muitas comarcas, que não têm equipes técnicas adequadas, não priorizam os processos de adoção, estendendo muito o tempo da guarda provisória, o que também abre espaço para esses tipos de situação”, diz.




Para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Rodrigo Pereira, a demora afeta toda a política nacional de adoção. 

“É uma burocratização. É claro que a adoção tem que estar cercada de segurança. Mas se há pessoas mal intencionadas, elas formam 1% do total. E aí as outras 99% acabam pagando por elas. 

A guarda provisória durar mais de um ano é algo absurdo, que gera insegurança e instabilidade jurídica.”

Família biológica x família adotiva
 
Pereira diz que já fez reuniões com o Ministério da Justiça para tentar alterar a legislação, que diz que a manutenção ou reintegração da criança e do adolescente em sua família biológica terá preferência em relação a qualquer outra providência. 

“A família não é um elemento da natureza. Os laços de sangue não são suficientes para garantir uma relação familiar. Muitas dessas decisões [de devolução] estão travestidas de preconceito”, afirma.


novo gráfico adoção crianças por idade (Foto: Editoria de arte/G1)


Para a juíza Vera Deboni, entretanto, há uma regra constitucional que delimita a primazia da família biológica. "O que não pode ser feito como processo civilizatório é dizer que pobre não pode ter filho. 

Se a família não tem condições, é preciso criar a partir das retaguardas e das estruturas sociais necessárias as condições para que ela possa manter a criança. 

A pobreza jamais poderá ser o motivo da perda do poder familiar. E hoje, por conta da ansiedade de muitos adultos que pretendem a adoção, que desejam uma criança recém-nascida, muitas vezes isso acontece."

Atualmente há 5,4 mil crianças aptas à adoção no Cadastro Nacional.

São mais de 30 mil pretendentes cadastrados. Mas um abismo ainda os separam. Parte dos especialistas diz que a repercussão dos casos de devolução noticiados tem feito muitos desistirem do ato.

 “Há pretendentes receosos e outros que estão no processo de adoção e têm ouvido do filho: ‘pai, o juiz vai me tirar aqui de casa também?’”, afirma Suzana.

Sobre os embates no país, a juíza Vera Deboni diz que a solução precisa ser pensada caso a caso. 

"Se, de um lado, a criança tiver um vínculo afetivo efetivamente criado com a família substituta e, do outro, houver a família biológica retomando a convivência, há equipes técnicas que trabalham com mediação familiar que podem contribuir na busca de alternativas, não só de guarda compartilhada, que divide deveres e direitos, mas no compartilhamento da convivência, de períodos de visita.  A criatividade jurídica pode ser utilizada."

Procurado, o Conselho Nacional de Justiça diz que não se posiciona sobre os casos por se tratar de "entendimentos jurisdicionais".

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