26/03/2014 11h40
Casos na Justiça provocam embates e causam receio em pretendentes.
Levantamento feito a pedido do G1 mostra polêmicas em MG, ES e RJ.
Decisões da Justiça que têm devolvido aos pais biológicos crianças em
processo de adoção têm causado apreensão nos grupos de apoio e em
pretendentes pelo país.
Levantamento feito pela Associação Nacional dos
Grupos de Adoção (Angaad) a pedido do G1 mostra que há casos polêmicos em Minas Gerais, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro.
Entre eles estão o caso de uma menina de 4 anos de Contagem (MG) e o de um menino de 1 ano de Serra (ES).
No primeiro, a Justiça obrigou no fim do ano passado que a criança
fosse devolvida aos pais biológicos, mas um mandado de segurança
paralisou a reinserção.
Uma decisão sobre o caso deve sair nos próximos
dias. No segundo, a família adotiva conseguiu apenas neste mês reaver a
guarda do garoto, que também havia sido levado, aos 8 meses de idade,
após uma ordem da Justiça.
Para a presidente da Angaad, Suzana Schettini, o que tem ocorrido é uma
supervalorização da família biológica, com decisões que não levam em
conta o interesse da criança.
“O que a gente tem vivenciado são
verdadeiras tragédias familiares nas quais os pais adotivos são
vilipendiados, desrespeitados, desqualificados e a criança é massacrada,
em um verdadeiro estupro psicológico”, afirma.
A juíza Vera Lúcia Deboni, coordenadora da Secretaria da Infância e da
Juventude da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), no entanto,
diz que é preciso cautela ao analisar aos processos. Isso porque, na
maioria dos casos, as decisões foram tomadas após uma adoção consensual
ou com a destituição do poder pátrio ainda em curso.
"A família
biológica tem o direito de buscar a permanência da criança em seu
contexto e, para isso, é preciso garantir todos os prazos para se
defender das acusações feitas contra ela", afirma.
saiba mais
No caso de Contagem, por exemplo, a família perdeu a guarda acusada de maus-tratos, mas, alegando ter se recuperado, pediu a criança de volta.
Já no caso de Paracambi
(RJ), a mãe biológica consentiu com a adoção logo no nascimento, mas a
criança acabou retirada da família adotiva após mais de um ano e meio.
Na decisão, o juiz ponderou que, devido à idade, “a adaptação ao
verdadeiro lar” se dará de forma tranquila e que “essa é a natureza das
coisas: aquele que gerou que cuide e conviva com seu filho”.
No Rio, um outro drama similar: após dois anos de convivência com a
família adotiva, a menina foi devolvida para a mãe biológica, que se
arrependeu de dar a filha à adoção e pediu na Justiça seu retorno,
segundo a Angaad.
"Alguns magistrados, na melhor das intenções, colocam as crianças em
famílias substitutas antes da decisão definitiva da destituição do poder
familiar. E isso pode acabar revertendo mesmo", afirma Vera Lúcia
Deboni.
Suzana, da Angaad, critica, no entanto, a demora em se conceder a
guarda definitiva das crianças. “Muitas comarcas, que não têm equipes
técnicas adequadas, não priorizam os processos de adoção, estendendo
muito o tempo da guarda provisória, o que também abre espaço para esses
tipos de situação”, diz.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família,
Rodrigo Pereira, a demora afeta toda a política nacional de adoção.
“É
uma burocratização. É claro que a adoção tem que estar cercada de
segurança. Mas se há pessoas mal intencionadas, elas formam 1% do total.
E aí as outras 99% acabam pagando por elas.
A guarda provisória durar
mais de um ano é algo absurdo, que gera insegurança e instabilidade
jurídica.”
Família biológica x família adotiva
Pereira diz que já fez reuniões com o Ministério da Justiça para tentar alterar a legislação, que diz que a manutenção ou reintegração da criança e do adolescente em sua família biológica terá preferência em relação a qualquer outra providência.
“A família não é um elemento da
natureza. Os laços de sangue não são suficientes para garantir uma
relação familiar. Muitas dessas decisões [de devolução] estão
travestidas de preconceito”, afirma.
Para a juíza Vera Deboni, entretanto, há uma regra constitucional que
delimita a primazia da família biológica. "O que não pode ser feito como
processo civilizatório é dizer que pobre não pode ter filho.
Se a
família não tem condições, é preciso criar a partir das retaguardas e
das estruturas sociais necessárias as condições para que ela possa
manter a criança.
A pobreza jamais poderá ser o motivo da perda do poder
familiar. E hoje, por conta da ansiedade de muitos adultos que
pretendem a adoção, que desejam uma criança recém-nascida, muitas vezes
isso acontece."
Atualmente há 5,4 mil crianças aptas à adoção no Cadastro Nacional.
São
mais de 30 mil pretendentes cadastrados. Mas um abismo ainda os
separam. Parte dos especialistas diz que a repercussão dos casos de
devolução noticiados tem feito muitos desistirem do ato.
“Há
pretendentes receosos e outros que estão no processo de adoção e têm
ouvido do filho: ‘pai, o juiz vai me tirar aqui de casa também?’”,
afirma Suzana.
Sobre os embates no país, a juíza Vera Deboni diz que a solução precisa
ser pensada caso a caso.
"Se, de um lado, a criança tiver um vínculo
afetivo efetivamente criado com a família substituta e, do outro, houver
a família biológica retomando a convivência, há equipes técnicas que
trabalham com mediação familiar que podem contribuir na busca de
alternativas, não só de guarda compartilhada, que divide deveres e
direitos, mas no compartilhamento da convivência, de períodos de visita. A criatividade jurídica pode ser utilizada."
Procurado, o Conselho Nacional de Justiça diz que não se posiciona
sobre os casos por se tratar de "entendimentos jurisdicionais".
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