Em sua coluna
de hoje na Folha, Vladimir Safatle tenta se defender da bordoada que
levou de Vinícius Torres Freire no mesmo jornal, quando este mostrou que
aquele tirava números da cartola só para impressionar com sua
demagogia.
Safatle, para se defender, partiu para o
ataque: Torres e todos os liberais brasileiros são como os
escravocratas, insensíveis com a “injustiça social”. Ou seja, para
rebater a acusação de demagogia, o socialista apelou para… uma demagogia
ainda maior!
Vamos ao ping-pong, ele em vermelho, eu em azul:
A meu ver,
há uma compulsão de repetição que acomete o liberalismo brasileiro há
muito, que consiste em mimetizar discursos pretensamente racionais para
justificar os arcaísmos de nossa sociedade. Em vez de reconhecer o
caráter insuportável de tais arcaísmos, eles preferem deixar isso de
lado, prometendo encarar “coisas mais importantes”.
Os liberais
jamais ignoram os arcaísmos do país ou fingem que há coisas mais
importantes. O que Safatle faz aqui, como sempre, é monopolizar as
virtudes em vez de debater os meios. Os nossos arcaísmos não têm
absolutamente nenhuma ligação com o liberalismo, até porque esse jamais
vingou no Brasil, um país patrimonialista, estatista, semi-socialista.
Os tais
arcaísmos são insuportáveis, e por isso mesmo os liberais pregam… o
liberalismo! O único modelo capaz de acabar com tantos privilégios,
subsídios, barreiras protecionistas, esmolas, assistencialismo,
paternalismo, enfim, com esse nefasto modelo de “capitalismo de estado”
que concentra poder e recursos em demasia no Leviatã.
Já no
Império, o escritor José de Alencar, que se julgava expoente da elite
pensante brasileira, criticava os que lutavam contra a escravidão por
não perceberem a pretensa racionalidade econômica por trás de um
fenômeno que, a seu ver, não deveria ser apenas julgado moralmente.
Quanta
demagogia! Em primeiro lugar, quem defendia a escravidão pela ótica
racional estava simplesmente equivocado. Como ficou claro depois, e como
muitos liberais sabiam antes, a escravidão era ineficiente do ponto de
vista econômico. O Barão de Mauá, um dos maiores empreendedores que o
país já teve, e que ninguém, nem mesmo Safatle, tentaria levá-lo para o
lado socialista, libertou seus escravos e pagou salário aos seus
trabalhadores, com base no mérito. Nada mais liberal do que isso.
O combate à
escravidão pelas vias morais, a mais importante, sem dúvida, foi também
obra do “lado de cá”, ou seja, de liberais que valorizavam a mensagem
contida na Declaração de Independência dos Estados Unidos, documento que
é um primor do liberalismo, inspirado em John Locke e na ideia de
propriedade privada. No Brasil, Joaquim Nabuco era liberal ou
socialista, como o Safatle? Pois é…
Chamar de
“demagógica” a indignação por um motoboy pagar IPVA enquanto Eike
Batista voa livremente em seu jato sem pagar nada é algo, a meu ver,
similar.
Eika Batista
paga menos imposto que o motoboy, por acaso? Para ficar só no meio de
transporte, o dono do jatinho paga milhares e milhares de reais de
imposto só no combustível. Aliás, os mais ricos, de forma geral, pagam
bem mais impostos do que os mais pobres, lembrando que não usam os
serviços públicos de péssima qualidade, ou seja, é tudo a fundo
perdido.
Mas esses
fatos não se encaixam na narrativa socialista, que precisa vender a
ideia de que rico, no Brasil, não paga quase nada de imposto, enquanto
os pobres pagam muito mais. Mesmo em termos relativos isso não é bem
verdade. E, uma vez mais, a resposta seria o liberalismo: tributa-se
demais o consumo no país, e como o consumo é bem maior em proporção à
renda para os mais pobres, eles acabam penalizados.
Mas, bem,
esperar que certas pessoas compreendam a justiça social como valor
inegociável e, principalmente, fundamental para a coesão social talvez
seja pedir demais. Esperar que essas mesmas pessoas entendam a
desigualdade como um problema econômico maior por tirar o sentido do
crescimento, já que impede à riqueza se transformar em bem socialmente
partilhado, aí é quase esperar que elas andem de cabeça para baixo.
Justiça
social é um valor inegociável? Bela expressão. Vazia, desprovida de
sentido objetivo. O que Safatle entende por justiça social? Teria a
Venezuela socialista mais justiça social do que a Hong Kong capitalista?
O seu foco é apenas na desigualdade ou no nível absoluto de pobreza, na
qualidade de vida dos mais pobres? Crescer com desigualdade é algo “sem
sentido”? Melhor ter menos desigualdade na pobreza?
O índice de Gini
mostra como países bem mais ricos e livres podem ser mais desiguais do
que países miseráveis e autoritários. Qual deles Safatle prefere?
Ucrânia, Cazaquistão, Paquistão, Egito e Armênia possuem índices bem
menores, ou seja, menos desigualdade, do que Hong Kong, Chile, Peru,
Cingapura e Estados Unidos. Por que tanta obsessão pela desigualdade?
Só
mesmo um igualitário que odeia mais os ricos do que ama os pobres pode
priorizar a desigualdade em vez de o crescimento. E só mesmo um demagogo
do PSOL pode achar que tirar ainda mais impostos dos ricos é o caminho
para um Brasil melhor, em vez de reduzir o tamanho do estado como um
todo e a carga tributária como consequência.
Agora,
para alguns, R$ 5,8 bilhões dados de presente para os ricos deste país,
em vez de usá-los para melhorar serviços públicos, é irrelevante. Para
eles, US$ 1,25 bilhão para comprar a refinaria de Pasadena, nos EUA,
talvez também o seja.
Eis a mentalidade de um socialista: o IPVA não arrecadado de aeronaves (e atribui-se ao IPVA a benfeitoria das ruas, estradas e avenidas, sendo que aeronaves já pagam vários outros impostos) é um “presente” para os ricos.
Safatle
afirma, demagogicamente, que esses recursos seriam para melhorar
serviços públicos para os mais pobres. Mas caramba! O nosso estado já
arrecada 40% do PIB, e vejam o SUS, as estradas federais, as escolas
públicas, a insegurança. Se ao menos o estado tomasse mais R$ 5 bilhões
dos ricos…
Por fim, vai
entender por que Safatle incluiu o exemplo de Pasadena no texto! Ora,
se os liberais defendem justamente a privatização das estatais para
evitar esse tipo de abuso, cometido por um partido de esquerda, o PT,
como Safatle pode insinuar que até mesmo esse escândalo teria ligação
com o liberalismo?
Vejam aqui Safatle discursando em evento da USP a favor da presidente Dilma:
Além
disso, Safatle, que acusa tanto as “elites” do país, é filho de um
fazendeiro em Goiás, Fernando Safatle, um dos fundadores do PT local,
mas que também se relaciona bem com os tucanos do estado. Ou seja, ícone
da elite local. Quando a fazenda da qual é herdeiro foi invadida pelo
MST, a reintegração de posse foi imediatamente requisitada pela família.
É muita cara de pau. É muita demagogia. É PSOL!
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