terça-feira, 29 de abril de 2014

A demagogia de Vladimir Safatle

29/04/2014
às 14:13 \ 



Os dois Vlads: ambos herdeiros de fazendas, ambos socialistas.

Em sua coluna de hoje na Folha, Vladimir Safatle tenta se defender da bordoada que levou de Vinícius Torres Freire no mesmo jornal, quando este mostrou que aquele tirava números da cartola só para impressionar com sua demagogia.

Safatle, para se defender, partiu para o ataque: Torres e todos os liberais brasileiros são como os escravocratas, insensíveis com a “injustiça social”. Ou seja, para rebater a acusação de demagogia, o socialista apelou para… uma demagogia ainda maior!

Vamos ao ping-pong, ele em vermelho, eu em azul:

A meu ver, há uma compulsão de repetição que acomete o liberalismo brasileiro há muito, que consiste em mimetizar discursos pretensamente racionais para justificar os arcaísmos de nossa sociedade. Em vez de reconhecer o caráter insuportável de tais arcaísmos, eles preferem deixar isso de lado, prometendo encarar “coisas mais importantes”.

Os liberais jamais ignoram os arcaísmos do país ou fingem que há coisas mais importantes. O que Safatle faz aqui, como sempre, é monopolizar as virtudes em vez de debater os meios. Os nossos arcaísmos não têm absolutamente nenhuma ligação com o liberalismo, até porque esse jamais vingou no Brasil, um país patrimonialista, estatista, semi-socialista. 

Os tais arcaísmos são insuportáveis, e por isso mesmo os liberais pregam… o liberalismo! O único modelo capaz de acabar com tantos privilégios, subsídios, barreiras protecionistas, esmolas, assistencialismo, paternalismo, enfim, com esse nefasto modelo de “capitalismo de estado” que concentra poder e recursos em demasia no Leviatã.

Já no Império, o escritor José de Alencar, que se julgava expoente da elite pensante brasileira, criticava os que lutavam contra a escravidão por não perceberem a pretensa racionalidade econômica por trás de um fenômeno que, a seu ver, não deveria ser apenas julgado moralmente.

Quanta demagogia! Em primeiro lugar, quem defendia a escravidão pela ótica racional estava simplesmente equivocado. Como ficou claro depois, e como muitos liberais sabiam antes, a escravidão era ineficiente do ponto de vista econômico. O Barão de Mauá, um dos maiores empreendedores que o país já teve, e que ninguém, nem mesmo Safatle, tentaria levá-lo para o lado socialista, libertou seus escravos e pagou salário aos seus trabalhadores, com base no mérito. Nada mais liberal do que isso.

O combate à escravidão pelas vias morais, a mais importante, sem dúvida, foi também obra do “lado de cá”, ou seja, de liberais que valorizavam a mensagem contida na Declaração de Independência dos Estados Unidos, documento que é um primor do liberalismo, inspirado em John Locke e na ideia de propriedade privada. No Brasil, Joaquim Nabuco era liberal ou socialista, como o Safatle? Pois é…

Chamar de “demagógica” a indignação por um motoboy pagar IPVA enquanto Eike Batista voa livremente em seu jato sem pagar nada é algo, a meu ver, similar.

Eika Batista paga menos imposto que o motoboy, por acaso? Para ficar só no meio de transporte, o dono do jatinho paga milhares e milhares de reais de imposto só no combustível. Aliás, os mais ricos, de forma geral, pagam bem mais impostos do que os mais pobres, lembrando que não usam os serviços públicos de péssima qualidade, ou seja, é tudo a fundo perdido. 

Mas esses fatos não se encaixam na narrativa socialista, que precisa vender a ideia de que rico, no Brasil, não paga quase nada de imposto, enquanto os pobres pagam muito mais. Mesmo em termos relativos isso não é bem verdade. E, uma vez mais, a resposta seria o liberalismo: tributa-se demais o consumo no país, e como o consumo é bem maior em proporção à renda para os mais pobres, eles acabam penalizados. 

Mas, bem, esperar que certas pessoas compreendam a justiça social como valor inegociável e, principalmente, fundamental para a coesão social talvez seja pedir demais. Esperar que essas mesmas pessoas entendam a desigualdade como um problema econômico maior por tirar o sentido do crescimento, já que impede à riqueza se transformar em bem socialmente partilhado, aí é quase esperar que elas andem de cabeça para baixo.

Justiça social é um valor inegociável? Bela expressão. Vazia, desprovida de sentido objetivo. O que Safatle entende por justiça social? Teria a Venezuela socialista mais justiça social do que a Hong Kong capitalista? O seu foco é apenas na desigualdade ou no nível absoluto de pobreza, na qualidade de vida dos mais pobres? Crescer com desigualdade é algo “sem sentido”? Melhor ter menos desigualdade na pobreza?

O índice de Gini mostra como países bem mais ricos e livres podem ser mais desiguais do que países miseráveis e autoritários. Qual deles Safatle prefere? Ucrânia, Cazaquistão, Paquistão, Egito e Armênia possuem índices bem menores, ou seja, menos desigualdade, do que Hong Kong, Chile, Peru, Cingapura e Estados Unidos. Por que tanta obsessão pela desigualdade?

Só mesmo um igualitário que odeia mais os ricos do que ama os pobres pode priorizar a desigualdade em vez de o crescimento. E só mesmo um demagogo do PSOL pode achar que tirar ainda mais impostos dos ricos é o caminho para um Brasil melhor, em vez de reduzir o tamanho do estado como um todo e a carga tributária como consequência. 

Agora, para alguns, R$ 5,8 bilhões dados de presente para os ricos deste país, em vez de usá-los para melhorar serviços públicos, é irrelevante. Para eles, US$ 1,25 bilhão para comprar a refinaria de Pasadena, nos EUA, talvez também o seja.  

Eis a mentalidade de um socialista: o IPVA não arrecadado de aeronaves (e atribui-se ao IPVA a benfeitoria das ruas, estradas e avenidas, sendo que aeronaves já pagam vários outros impostos) é um “presente” para os ricos. 

Safatle afirma, demagogicamente, que esses recursos seriam para melhorar serviços públicos para os mais pobres. Mas caramba! O nosso estado já arrecada 40% do PIB, e vejam o SUS, as estradas federais, as escolas públicas, a insegurança. Se ao menos o estado tomasse mais R$ 5 bilhões dos ricos…

Por fim, vai entender por que Safatle incluiu o exemplo de Pasadena no texto! Ora, se os liberais defendem justamente a privatização das estatais para evitar esse tipo de abuso, cometido por um partido de esquerda, o PT, como Safatle pode insinuar que até mesmo esse escândalo teria ligação com o liberalismo?

Vejam aqui Safatle discursando em evento da USP a favor da presidente Dilma:

Além disso, Safatle, que acusa tanto as “elites” do país, é filho de um fazendeiro em Goiás, Fernando Safatle, um dos fundadores do PT local, mas que também se relaciona bem com os tucanos do estado. Ou seja, ícone da elite local. Quando a fazenda da qual é herdeiro foi invadida pelo MST, a reintegração de posse foi imediatamente requisitada pela família. É muita cara de pau. É muita demagogia. É PSOL!

Rodrigo Constantino

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