| 20 Maio 2014
Desde
que comecei a ler livros, meu sonho era um dia emergir do meio social
culturalmente depressivo e ter um círculo de amigos com quem pudesse
conversar seriamente sobre arte, literatura, filosofia, religião, as
perplexidades morais da existência e a busca do sentido da vida – o
ambiente necessário para um escritor desenvolver sua autoconsciência e
seus talentos. Li centenas de biografias de escritores e todos eles
tiveram isso.
Nunca realizei esse sonho, nunca tive esse ambiente estimulante.
Por
volta dos quarenta anos, entendi que não o teria nunca, e decidi que
minha obrigação era fazer tudo para que outros o tivessem.
Toda
a minha atividade de ensino é voltada para isso. É com profundo
desprezo que ouço gente dizendo que o objetivo dos meus esforços é
“criar um movimento de direita”.
Não
conheço coisa mais inútil do que tomadas de posição doutrinal em
política. O sujeito adota certas regras gerais e delas deduz o que se
deve fazer na prática. Por exemplo, acredita em liberdade individual e
daí conclui que não se pode proibir o consumo de cocaína e crack.
Ou
acredita em justiça social e por isso acha que o governo deve controlar
todos os preços e salários. O que caracteriza esse tipo de pensamento é a
arbitrariedade das premissas, escolhidas na base da pura preferência
pessoal, e o automatismo mecânico do raciocínio que leva às conclusões.
No Brasil, praticamente todas as diferenças entre direita e esquerda se definem assim.
A
coisa torna-se ainda pior pela tendência incoercível de raciocinar a
partir de figuras de linguagem, chavões e clichês, em vez de conceitos
descritivos criticamente elaborados. Isso torna o “debate político
nacional” um duelo entre fetiches verbais imantados de uma carga
emocional quase psicótica. Os fatos concretos, a complexidade das
situações, as diferenças entre níveis de realidade, o senso das
proporções e das nuances, ficam fora da conversa.
Aristóteles
já ensinava que a política não é uma ciência teorético-dedutiva, na
qual as conclusões se seguissem matematicamente das premissas, mas uma
ciência prática enormemente sutil, onde tudo dependia da frónesis,
o senso da prudência, assim como do exercício da dialética.
Mas a
dialética é a arte de seguir ao mesmo tempo duas ou mais linhas de
raciocínio, e a impossibilidade de fazer isso é, dentre as 28
deficiências de inteligência assinaladas pelo pedagogo israelense Reuven
Feuerstein, certamente a mais disseminada entre estudantes,
professores, jornalistas e formadores de opinião em geral no Brasil. Não
raro essa deficiência é tão arraigada que chega a determinar, por si,
toda a forma mentis de alguma personalidade falante. Naquilo que
neste país se chama um “debate”, o que se observa nos contendores é a
incapacidade de apreender o argumento do adversário, a ausência de uma
verdadeira relação intelectual, substituída pela reiteração de opiniões
prontas que o debate em nada enriquece.
O
que me colocou contra a esquerda nacional desde o início dos anos 90
não foi nenhuma tomada de posição “liberal” ou “conservadora”, mas a
simples constatação de dois fatos: (1) a instrumentalização política das
instituições de cultura e ensino pela “revolução gramsciana” estava
acabando com a vida intelectual no Brasil e em breve iria reduzi-la a
zero, como de fato veio a acontecer; (2) a opção preferencial dos
partidos de esquerda pelo Lumpenproletariat, tomado erroneamente
como sinônimo de “povo” por influência residual de Herbert Marcuse,
estava destinada a transformar a existência cotidiana dos brasileiros no
carnaval sangrento que hoje vemos por toda parte.
Como
é óbvio e patente que a solução de quaisquer problemas na sociedade
depende da dose de inteligência circulante e do nível de consciência
moral da população, daí decorria que, para denunciar a atividade maligna
da esquerda nacional, que estava destruindo essas duas coisas, não era
preciso que eu me definisse quanto àqueles inumeráveis pontos
específicos de política econômico-social em que tanto de deliciam os
doutrinários de todos os partidos e que em muitos casos eu considerava
superiores à minha capacidade de análise.
Nos
meus artigos, aulas e conferências, como o pode atestar qualquer
observador isento, não se trata nunca de advogar determinada política em
particular, mas apenas de lutar para que as condições intelectuais e
morais mais genéricas e indispensáveis a qualquer debate político
saudável não se percam ao ponto de desaparecer por completo do horizonte
de consciência da classe nominalmente “intelectual”.
Quando
essas condições forem restauradas, não terei a menor dificuldade de me
voltar para assuntos da minha preferência e deixar que o debate político
transcorra normalmente sem a minha gentil intervenção.
Mas
o fato é que, se a deterioração mental do país começou já no tempo dos
militares, logo em seguida a esquerda triunfante a agravou ao ponto da
mais desesperadora calamidade, e o fez de propósito, planejadamente,
maquiavelicamente, disposta a tudo para impor, de um lado, a hegemonia
cultural de cabos eleitorais, agitadores de botequim e doutores
salafrários com carteirinha do Partido; de outro, a beatificação do
Lumpenproletariado e, com isso, a completa perversão da consciência
moral na população brasileira.
Até
o momento nenhum partido de esquerda deu o menor sinal de
arrependimento. Ao contrário, cada um se esmera na autoglorificação como
se fosse uma plêiade de heróis e santos.
Assim,
não me deixam remédio senão estar na direita, no mínimo porque esta, no
momento, não tem os meios de concorrer com a esquerda na prática do
mal.
Publicado no Diário do Comércio.
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