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Por João Vinhosa
O presente artigo tem a finalidade de reproduzir a carta por
mim encaminhada em 26 de maio de 2014 ao presidente da OAB Marcus Vinicius
Coelho. É a seguinte a sua íntegra:
Em cumprimento ao disposto no Acordo Brasil-EUA para
combater cartéis, o Brasil notificou os Estados Unidos da América sobre as
investigações aqui realizadas contra o Cartel do Metrô de São Paulo.
A partir desse procedimento, os parceiros começaram a trocar
informações sobre o caso, numa efetiva colaboração entre suas autoridades de
defesa da concorrência – o que é a razão de ser de tal Acordo.
As autoridades brasileiras deram ampla divulgação ao fato,
afirmando que, com isso, estavam mandando o seguinte duro recado a todas
transnacionais que formam cartéis para atuarem em nosso mercado interno: não se
acumpliciem para lesar o consumidor brasileiro, porque, se o fizerem,
notificaremos nosso parceiro, e, em conseqüência, suas atuações nos EUA
passarão a ser investigadas pelas autoridades norte-americanas.
Esse foi o mais duro golpe aplicado nos cartéis
internacionais que aqui atuam. Temendo serem investigadas nos EUA, as matrizes
das empresas que formavam cartéis passaram a ordenar que suas controladas
evitassem a prática de tal tipo de crime no Brasil.
Ao notificar os Estados Unidos, o Brasil não só inibiu a
prática em nosso país do mais danoso crime contra a economia popular – a
formação de cartel – como, também, ficou livre da eventual acusação de estar
descumprindo deliberadamente referido Acordo.
Acontece, presidente Marcus Vinícius, que o que foi acima
relatado não passa de um sonho de uma noite de verão.
Mais lamentável ainda, Excelência, é que a ficção acima
narrada poderia ter se tornado realidade há vários anos. E só não se tornou
realidade em decorrência de equivocadas e contraditórias interpretações da
Procuradoria Geral da República (PGR) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
sobre os termos do Acordo. Explicarei a seguir.
No final de 2004, a PGR instaurou um processo para apurar
denúncia segundo a qual – por não notificar as autoridades norte-americanas a
respeito das investigações aqui realizadas sobre o Cartel do Oxigênio – o
Brasil estava descumprindo o Acordo.
A PGR decidiu que a não notificação aos Estados Unidos era o
procedimento correto. Ela interpretou da seguinte maneira os termos do Acordo:
“O tratado apenas obriga as partes soberanas a notificarem uma à outra a
respeito de investigações que coletem indícios de que os cartéis apurados
também atuam no território da contraparte”.
Por discordar radicalmente do entendimento da PGR sobre tão
grave assunto, em abril de 2011, submeti-o à apreciação da OAB, que instaurou o
processo OAB 2011.18.03263-01.
O relator do processo Welber Oliveira Barral, em seu voto,
partiu de uma falsa premissa: considerou que a denúncia havia sido baseada em
um caso ocorrido em “licitações realizadas por dois hospitais localizados em
Brasília”. E, a partir dessa falsa premissa, chegou à falsa conclusão que o
caso era irrelevante para os EUA.
Resumidamente, Barral concordou com as “autoridades
brasileiras” que, segundo ele, determinaram que as investigações aqui
realizadas “não eram relevantes” para os EUA.
Assim – por terem determinado que as investigações sobre o
Cartel do Oxigênio não eram relevantes para os EUA – a notificação só seria
obrigatória se ficasse comprovado que integrantes do cartel estavam praticando
o mesmo crime em território norte-americano.
Devido ao fato de as investigações aqui realizadas não terem
coletado indícios da prática de cartel nos EUA, a notificação foi considerada
incabível pelo relator Barral.
Ocorre, Senhor Presidente, que o caso dos “dois hospitais
localizados em Brasília”, na verdade, é como aqueles contrabandos que caem de
pára-quedas em Medidas Provisórias com o objetivo de atenderem a interesses
escusos. E, o que é mais grave: trapaças desse tipo nivelam a reputação da OAB
à reputação de nosso legislativo.
A situação tornou-se ainda mais preocupante após eu ter
comprovado categoricamente, no Recurso interposto junto à OAB, que a denúncia
não tinha nada a ver com os citados hospitais fantasmas, e era da maior
importância para os EUA.
O relator do Recurso, Cezar Britto, sequer contestou
qualquer das onze razões por mim apresentadas para comprovar que as
investigações aqui realizadas eram da maior relevância para os EUA. Ele usou
uma terceira e diferente razão para justificar a “não notificação”: o
desinteresse dos EUA em ser notificado.
Ao indeferir o Recurso, o relator Britto afirmou que as
autoridades norte-americanas estavam cientes do Cartel do Oxigênio, e “mesmo
cientes de tais fatos, essas autoridades decidiram por não solicitar qualquer
esclarecimento ou informação sobre o caso através de uma consulta. Adotar
entendimento divergente do adotado pelo próprio Estado estrangeiro interessado
em ser, quando cabível, notificado, não faria sentido”.
Antes de tudo, Excelência, é de se destacar que os
interesses financeiros em torno da notificação sobre as investigações em
questão são incomensuráveis. Para que se tenha noção de valores, por causa das
ditas “irrelevantes” investigações, a multa aplicada pelo CADE à líder do
mercado brasileiro (empresa totalmente pertencente à norte-americana Praxair
Inc. que também lidera o mercado norte-americano) foi de R$ 2,3 bilhões.
Logo, lícito torna-se inferir que muito dinheiro rolou na
luta para evitar a notificação aos EUA. Por isso, tudo tem que ser visto com
muita cautela. Uma coisa é o Estado, que, ao firmar o Acordo, se mostrou
interessado em ser notificado; outra coisa é a anônima autoridade
norte-americana que, por algum motivo, não se mostrou interessada em ser
notificada. Em outras palavras: quem garante que as “autoridades norte-americanas”
que estavam cientes do fato não levaram uma grana para não se interessarem pelo
mesmo?
Para não nos alongarmos sobre o perigo de se misturar o
interesse de um Estado com o interesse de determinadas autoridades, uma verdade
incontestável, Excelência: qualquer pessoa com a mínima capacidade de
discernimento sabe que ter “autoridade corrupta” não é exclusividade de nosso
país.
Voltando ao caso do Cartel do Metro de São Paulo, Senhor
Presidente, é certo que o consumidor brasileiro passará a ter uma eterna dívida
de gratidão com a OAB, caso ela se interesse em discutir a necessidade da
notificação aos EUA das investigações que, de tão importantes, mereceram até
uma CPI. Talvez, com o empenho da OAB, possa se tornar realidade o que
denominei de “sonho de uma noite de verão” (royalties para William
Shakespeare).
Finalizando, Senhor Presidente, informo os links das
seguintes matérias ligadas ao assunto:
2 – “O cartel do metrô de São Paulo e o Acordo
Brasil-EUA para combater cartéis”.
João Vinhosa é Engenheiro - joaovinhosa@hotmail.com
Postado por Jorge
Serrão às 09:52:00
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