segunda-feira, 26 de maio de 2014

Alianças partidárias estão na raiz da corrupção



Josias de Souza



Como ocorre às vésperas de toda eleição, o espírito de bazar baixou na política brasileira. 

Os partidos negociam seu tempo de propaganda no rádio e na tevê à luz do dia, na frente das crianças. Barganha-se de tudo, com exceção da mãe, que não tem valor de mercado. Há cenas constrangedoras, como a que aparece na foto acima. Um encontro de Dilma Rousseff com Fernando Collor. Um rindo para o outro, em comunhão fraternal de interesses.

Captada há quatro dias, essa imagem simboliza o paradoxo que aprisiona os candidatos no Brasil: antes de se vender no horário eleitoral como protótipos do avanço, eles entregam a alma ao atraso em troca de alguns minutos adicionais de propaganda eleitoral. Com isso, o país vive sob uma eterna crise de compostura. As ruas são incapazes de enxergar ética nos políticos. E os políticos são incapazes de demonstrá-la.

No mercado da baixa política, o preço dos partidos aumenta na proporção direta do tamanho de suas bancadas na Câmara. Quanto mais deputados federais uma legenda possui, maior o seu tempo de propaganda. Leva a mercadoria o candidato que oferecer mais vantagens: verbas, estrutura de campanha e, sobretudo, posições na engrenagem do Estado que sirvam de trampolim para o fechamento de negócios.

No plano federal, a despeito de não ser mais o portento eleitoral que já foi, Dilma ainda é vista pelos partidos como a principal perspectiva de poder. Por isso, ela se revelou mais sedutora do que seus antagonistas. No ritmo que as coisas caminham, Dilma conseguirá filiar Aécio Neves e Eduardo Campos ao MST, o Movimento dos Sem Televisão.

Eleita em 2010 numa campanha em que teve 10min38s de propaganda diária, Dilma vai à cruzada da reeleição com um latifúndio eletrônico jamais visto na história das eleições do Brasil pós-redemocratização. Por ora, ela dispõe de algo como 14 minutos de propaganda diária. Chegará a 15min27 se Lula for bem sucedido no esforço que empreende para enfiar um ainda reticente PR dentro da megacoligação oficial. Aécio tem, por enquanto, um minifúndio de 5 minutos. Campos, pouco mais de 2 minutos.

Dilma tem a aparência de uma mulher decente. Não apenas no sentido de honesta, mas em todos os sentidos que a palavra engloba. Pelo que se sabe dela, e até pelo seu jeitão, híspido como um cacto, a presidente tem uma boa cara. Mas não há semblante austero que resista à confraternização com personagens como Collor –escorraçado da Presidência em 1992, nas pegadas de uma CPI que teve o ex-PT no papel de torquemada.

Dilma sorriu para Collor na quarta-feira (21), num almoço em que o partido do senador, o PTB, entregou-lhe seus 49 segundos de propaganda. No dia seguinte, o juiz federal Sérgio Moro, do Paraná, informaria ao STF que a Polícia Federal encontrou numa batida no escritório do doleito Alberto Yosseff oito comprovantes de depósito em favor do comensal de Dilma. No total, Collor recebeu do doleiro pilhado na Operação Lava Jato a cifra de R$ 50 mil.

Ex-alvo do petismo, Collor é, hoje, autor de patrióticas nomeações na diretoria da BR Distribuidora, braço da Petrobras. A mesma estatal em que atuou, sob o patrocínio do PT e dos aliados PP e PMDB, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, investigado na Lava Jato por suspeitas de ter servido de escada para negócios que resultaram em comissões milionárias a políticos.

Na versão mais adocicada, Dilma faria nesse enredo apenas o papel de presidente realista lidando com uma classe política nitidamente viciada e adotando meios torpes para atingir fins nobres. O diabo é que esse tipo de processo, além de já ter estourado o saco da plateia, aniquila qualquer esperança que ainda possa existir de restauração das práticas políticas. Afinal, se uma presidente de cara boa e um político safado ensinam a mesma coisa, de onde virá a salvação?

Dilma não está só nesse esforço para desmoralizar a política. Aécio Neves inclui em sua coligação o Solidariedade do deputado Paulo Pereira da Silva. Conhecido como Paulinho da Força Sindical, o personagem não tem propriamente uma boa biografia. Formou a sua legenda a partir de uma costela do PDT, engordada por adesistas de vários matizes. Entre eles o deputado baiano Luiz Argôlo, outro parceiro de tenebrosas relações monetárias com o doleiro Youseff.

Eduardo Campos faz pose de representante da “nova política”. Mas governou Pernambuco a bordo de uma aliança em que coube de tudo –do PP de Severino Cavalcanti ao PR de Inocêncio Oliveira. Deve-se a higienização do seu discurso a exigências de Marina Silva. Antes da adesão da criadora da Rede, Campos negociava alianças com o mensaleiro preso Roberto Jefferson (PTB) e com o ex-ministro Carlos Lupi (PDT), afastado da pasta do Trabalho sob suspeita de corrupção.

A desfaçatez se estende às campanhas estaduais. Em São Paulo, maior e mais importante Estado da federação, o governador tucano Geraldo Alckmin ensopa a camisa para conquistar o tempo de propaganda do PR de Valdemar Costa Neto, outro mensaleiro preso. O rival petista Alexandre Padilha está na bica de se associar ao PP de Paulo Maluf, alvejado no STF por um pedido de repatriação de R$ 53 milhões em verbas malversadas na prefeitura paulistana.

Enquanto forem tratadas como normais, as alianças partidárias esdrúxulas continuarão fazendo do Brasil essa democracia em que a corrupção deixou de ser rotina para virar uma emergência. Perdeu-se no caminho algo essencial: o recato. Daí a sucessão de escândalos, um engolfando o outro. Para que a coisa se resolva, algo de muito anormal precisa suceder no Brasil. Reforma política é pouco. É preciso reformas a alma. Inclusive a do eleitor.

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