segunda-feira, 26 de maio de 2014

Igualdade e inclusão não se fazem com favores do governo, com bolsa família, com ajudinha temporária. Inclusão e igualdade se fazem com oportunidade de emprego, com salários dignos e preços acessíveis.


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 Antes de qualquer coisa eu gostaria de deixar claro que nunca fui “paga pau” desse país. Aliás, até vir para cá, e quando eu ainda acreditava nas mentiras do aquecimento global, eu nutria um certo desprezo por saber que os Estados Unidos não tinham assinado o tratado de Kyoto e, por ter estudado biologia, sempre achei isso um absurdo. Enquanto o mundo todo lutava para reduzir as emissões de gases na atmosfera, os americanos só pensavam em dinheiro.


Bastaram duas visitas para eu decidir por me mudar com meu marido para cá. E hoje, vivendo aqui há quase 30 dias, minha percepção mudou bastante, e posso dizer que a adaptação não tem sido uma das coisas mais fáceis, mas que estamos conseguindo evoluir a cada dia.


Se eu resolvesse enumerar as coisas boas me faltaria memória para colocar todas em um único texto, mas também poderia dizer que algumas coisas não são legais. Não, não é o lugar mais perfeito do mundo, mas está longe de ser o monstro que muita gente pinta no Brasil.


Muitos, só de ter ouvido falar, acham mesmo que os americanos têm o rei na barriga e que são antipáticos. Algumas pessoas vieram me perguntar e outras até insinuaram que eu poderia ser hostilizada de alguma maneira por ser imigrante. MENTIRA! Todos com quem me relacionei, desde as pessoas nos comércios até o nosso vizinho são extremamente simpáticos e solícitos – transbordam simpatia. O ambiente não é nem um pouco hostil, é na verdade bem convidativo a permanecer, de tão confortável que é.


Quando você vive a vida comum aqui, frequentando os lugares que os residentes frequentam como escola, mercado, academia, lojas, restaurantes e até clinica de pronto-atendimento, você percebe quanta desigualdade existe no Brasil e que por mais que se discuta sobre inclusão social estamos longe de trilhar o caminho certo. 


Aliás, o que estamos assistindo é a luta de classes cada vez mais acirrada e as pessoas odiando cada vez mais as diferenças. O negro sempre se sentindo preterido, o branco se sentindo hostilizado, as mulheres lutando por “igualdade” e os homens sendo culpados de terem nascido homens, pobres contra ricos e ricos contra pobres. É uma discussão sem fim que nunca chega a lugar algum, provavelmente porque estamos fazendo isso errado.
Queria dividir com vocês algumas das “primeiras” impressões que venho tendo e que têm me gerado reflexões sobre o tema: o que é igualdade na vida real.


Uma das primeiras coisas que fui buscar aqui foi a academia. Quem me acompanha no Facebook sabe que tenho hérnia de disco e preciso cuidar dela com atenção e carinho. Essa academia é a LA Fitness, uma rede que está presente em todos os Estados Unidos. Sua infraestrutura equivale a uma Companhia Atlética, mas o preço, pasmem: US$20 por mês. Por esse valor eu posso fazer todas as modalidades de treinos disponíveis, jogar basquete, jogar squash em salinhas particulares e fazer hidroginástica todos os dias, em qualquer horário. 



E o que me gera reflexão são as pessoas que vejo lá. São americanos, indianos, latinos, brasileiros (eu e o Flavio), chineses, japoneses e outras nacionalidades. Tem brancos e negros na mesma proporção. Tem mulheres, homens e homossexuais. Donas de casa, jovens moças e idosas, todas puxando ferro. Tem deficientes físicos. Tem obesos e malhados. Todos tendo acesso à mesma infraestrutura porque o preço é acessível a qualquer classe social.


No mercado que frequentamos, como o Wal Mart, o Publix ou mesmo o Target, tem americanos brancos e negros e tem todo o tipo de gente, de todos os lugares do mundo (mesmo estando em uma cidade menor), todos consumindo os mesmos produtos, já que os preços são acessíveis. Além disso os caixas são sempre sorridentes, são loiros, negros, jovens, idosos, mulheres, homens, americanos ou imigrantes, mas sempre solícitos.


Aliás eu nunca vi tantos idosos trabalhando. Ontem mesmo estive na Apple Store e entre jovens brancos clássicos ou com dread no cabelo, negros, orientais, mulheres, homens e gays tinha uma parcela de atendentes da terceira idade, cabelos brancos, olhos azuis e pele rosada (aqueles que um certo Lula já culpou pelas crises mundiais). 


Todos comprometidos e trabalhando. Estar na Apple Store aqui não é privilégio de uma única classe. Todo mundo tem iPhone. Além disso, não são poucas as escolas públicas que são patrocinadas pela Apple e assim que você matricula seu filho ele sai com um Mac Book Pro para usar durante o ano letivo.


Outra coisa legal é que aqui quase não vemos criança na rua, só quando estão esperando pelo ônibus escolar gratuito, porque crianças e adolescentes aqui estão na escola. Vão pela manhã e chegam em casa às 14h, 15h e até às 16h. As escolas públicas são boas, e não existe a necessidade de pagar escola para ninguém por conta do ensino fraco ou pelo risco de traficantes ficarem na porta como moscas de padaria em cima dos pequenos e dos adolescentes.

A quantidade de deficientes físicos (acho que por causa das guerras muitos homens voltam literalmente sem algum membro do corpo) vivendo uma vida normal, frequentando os shoppings e mercados, praticando esportes e jantando em restaurantes é enorme. Aqui todos os lugares são construídos com acesso para deficientes.


Mais uma coisa que me chamou a atenção é que qualquer pessoa, independente de etnia e condição social, tem carro. Primeiro porque carro custa barato demais. Segundo porque se você for cidadão você compra um carro muito bom (um Toyota Camry, por exemplo) por míseros US$150 mensais. Ontem mesmo vi uma senhora idosa andando de Camaro (achei incomum porque é diferente vê-lo sendo dirigido por uma idosa), e vejo centenas ou milhares de negros de BMW novo. 


Vi brancos de carro velho e também de carros novos. E vejo as pessoas que prestam serviço para nós aqui em casa chegando em seus carros gigantes e fazendo um serviço que nós no Brasil consideramos “braçal”, como pintar paredes ou instalar papel. Alguns são americanos e outros são imigrantes. Mas todos trabalham sem preguiça.


E posso continuar falando de muitas outras coisas, como jogar tênis, por exemplo, não ser uma atividade exclusiva dos mais abastados. Aqui tem quadras espalhadas pelas cidades e basta você chegar, entrar e usar. E já vi brasileiros, colombianos, americanos, brancos, negros e amarelos jogando lado a lado. Ou o cara que estaciona um Mustang no estacionamento grátis e o outro que estaciona seu carro mais simples no Valet, curtindo as coisas boas da vida juntos.


Isso tudo tem me feito pensar sobre todo o mal estar que vivemos no Brasil. E está me fazendo entender que igualdade e inclusão não se fazem com favores do governo, com bolsa família, com ajudinha temporária. Inclusão e igualdade se fazem com oportunidade de emprego, com salários dignos e preços acessíveis.


Se o governo no Brasil tivesse como iniciativa estimular os empresários a crescer e o mercado a expandir as coisas seriam sim muito diferentes. Só vivendo aqui consegui entender como o plano Real conseguiu levar tantas pessoas para a classe média e nivelar tanta gente. Imagine como é bom você trabalhar em um local que te paga o suficiente para você consumir como qualquer outra pessoa, dar do bom e do melhor para sua família e se possível ainda doar seu tempo e algum dinheiro para trabalhos voluntários e projetos da escola de seus filhos?


Estou aqui há muito pouco tempo, e me considero leiga em muitos assuntos, mas o que vejo como maior indicativo de inclusão é uma economia estável. Aqui não são só brancos e negros, magros e gordos, mulheres, homens e homossexuais. Esse país abre oportunidades para gente do mundo todo que está disposta a arregaçar as mangas e trabalhar.


A solução para o Brasil está longe de ser tantos projetos de leis favorecendo uns ou outros. Se leis resolvessem de fato, 80% dos nossos políticos estariam no mínimo cassados, para não dizer presos. Precisamos de gente menos dodói, que consiga olhar o povo brasileiro como um só e não de uma maneira tão segmentada. Precisamos de um governo que aja para o aquecimento do mercado, da nossa economia, que cobre menos impostos, e de empresários que estejam dispostos a lucrar um pouco menos para vender mais. Isso tudo junto daria às pessoas mais acesso a produtos e serviços que hoje no Brasil são exclusivos de classes mais altas.


Estou com saudade do meu país. Sinto falta de ouvir as pessoas falando no meu idioma e gosto de muitas coisas de onde eu vim. Mas estamos em uma rota suicida e quase sem volta. Deus nos ajude nas próximas eleições e espero de verdade que nos próximos anos a direita brasileira retome a atividade de uma maneira mais efetiva para gerar mais discussão e um outro tipo de mentalidade para o povo.


Como disse Abraham Lincoln um dia, eu quero um governo “do povo, pelo povo e para o povo”, para todo o povo, com menos exceções. Quero um governo que não atrapalhe e que se meta menos em nossas vidas. E que as leis e as oportunidades sejam iguais para todos. É pedir muito?

Publicado no blog de Flávio Quintela, Maldade Destilada.

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