A impunidade eterna dos torturadores da ditadura militar e seus mandantes foi acordada em pleno regime de exceção. De
um lado estavam os algozes, utilizando a libertação dos presos
políticos e a permissão de volta dos exilados como moeda de troca para
munirem-se de uma espécie de habeas corpus preventivo, pois sabiam ter
cometido os mais hediondos crimes contra a humanidade. Do
outro as vítimas, representadas por uma oposição intimidada e que,
ansiosa por virar uma página terrível da nossa História, não mediu o
alcance das concessões feitas à tirania.
25 de maio de 2014
Selou-se
o pacto num Congresso que várias vezes fora fechado e expurgado, tendo,
ademais, a representação popular sido falseada por um verdadeiro
arsenal de casuísmos.
É
óbvio que um mostrengo político-jurídico desses violenta os preceitos
legais das nações civilizadas e contraria as orientações da ONU para
países que voltam à civilização depois de surtos de totalitarismo.
AUTOANISTIA
Revogar
a autoanistia dos torturadores seria uma medida imprescindível e
urgente em qualquer redemocratização digna deste nome, mas o que ocorreu
no Brasil foi uma transição para enganar trouxa, tutelada pelas mesmas
forças que moviam os cordéis da ditadura por trás da cortina. As chances
de uma ruptura verdadeira acabaram no dia em que foi rejeitada a emenda
das diretas-já.
Os
presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando
Henrique Cardoso. previsivelmente, não quiseram ou não ousaram mexer
nesse vespeiro.
Só
no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva a revogação da Lei de
Anistia foi discutida numa reunião ministerial, mas a corrente dos que
temiam espantalhos (encabeçada por Nelson Jobim) prevaleceu.
Para
salvarem as próprias faces, os ministros vencidos (Paulo Vannuchi e
Tarso Genro) apontaram aos cidadãos inconformados o caminho dos
tribunais. Era o que restava, pois o Executivo optara pela omissão e o
Legislativo se fingia de morto; mas, percebia-se, ilusório. Já naquele
agosto de 2008 eu advertia que ficaríamos patinando sem sair do lugar.
NO SUPREMO
A
batalha jurídica realmente terminou quando o Supremo Tribunal Federal,
numa das decisões mais estapafúrdias e escabrosas de sua História,
decidiu avalizar a anistia extorquida mediante chantagem em 1979.
Enquanto viger tal decisão, serão infrutíferos os esforços dos santos
guerreiros que, movendo uma espécie de guerrilha jurídica, buscam
brechas e atalhos para condenar os dragões da maldade.
Quanto
muito, conseguem levá-los aos bancos dos réus nas instâncias
inferiores, mas eles invariavelmente são e serão inocentados acima, a
menos que o STF mude seu entendimento sobre o fulcro da questão. E este,
ao que tudo indica, só o fará se e quando a Lei da Anistia for
revogada.
É,
claro, louvável a iniciativa do Ministério Público Federal, de
denunciar cinco militares envolvidos na tortura, assassinato e ocultação
do cadáver do ex-deputado Rubens Paiva – com base, inclusive, em
documentos encontrados no sítio do coronel Paulo Malhães, recentemente
assassinado por bandidos comuns.
Mas, se o STF continuar zelando pelo sono dos injustos, a tentativa dará em nada, como das outras vezes.
RIOCENTRO
Também
no Rio de Janeiro, o Grupo de Justiça de Transição do MPF denunciou
seis envolvidos no atentado do Riocentro, ação terrorista que causaria
um morticínio em larga escala se um dos petardos não tivesse explodido
antes do tempo.
A
juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal, acertadamente
acatou a denúncia, argumentando tratar-se, à luz do Direito
Internacional, de um crime contra a humanidade -portanto,
imprescritível.
Este
caso tem uma especificidade que possibilita a abertura de uma exceção à
regra da impunidade: os fardados e o civil (um ex-delegado) não estão
cobertos pela anistia de agosto de 1979, pois brincaram com fogo em abril de 1981, ao tentarem inibir o processo de redemocratização e o desmonte da engrenagem repressiva dos anos de chumbo.
Se
nem assim for feita justiça, é melhor darmos uso mais apropriado ao
espaço físico dos tribunais – talvez disponibilizando-o para os grupos
teatrais, que nele poderão representar suas farsas.
Celso Lungaretti
Jornal Grito Cidadão
NOTAS AO PÉ DO TEXTO
A esquerda, necessariamente vesga para enxergar os acontecimentos políticos da contra-revolução de 64, não passa pela ingenuidade na análise dos fatos, mas pela cegueira ideológica, pelo fanatismo, pela distorção dos acontecimentos, pela farsa intelectual, de modo a justificar a insurreição contra o Estado de Direito, que ocasionou a resposta militar, ao desafio de transformar o país numa Cuba.
Foca-se apenas a violência da reação à tentativa comuno-fascita de 'montar' uma ditadura de esquerda, agindo com parcialidade na interpretação histórica, ao ocultar a mesma violência que grupos clandestinos praticaram: assassinatos, ações terroristas em espaços públicos, sequestros, assaltos e outros atos criminosos infligidos à sociedade. Não se trata de defender as atrocidades praticadas - note-se, de ambos os lados - mas de se cobrar coerência histórica, seriedade, honestidade, pressupostos básicos para que se estabeleça a verdade.
A grande farsa da Comissão da Verdade, da discussão da revogação da Anistia, atinge apenas os militares que participaram da contra-revolução em funções de comando, mas silencia e até mesmo gratifica-se os "revolucionários" que apenas queriam devolver a "democracia" ao país.
E todo esse teatro revanchista ocorre exatamente no governo Lula (ou melhor, no desgoverno), legando ao governo seguinte, indicado por ele, a continuação da farsa.
"Anos de chumbo", como denominou a esquerda o movimento contra-revolucionário, tem o respaldo da História, narrada pelos verdadeiros fatos que a desenham.
m.americo
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