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Embora seja um meio de comunicação recente, a internet já se consolidou em todo o planeta, influindo decisivamente na cultura de todos os países. Seu alcance ainda é imensurável. Revoluciona comportamentos, influi na política em seu sentido mais amplo, mexe — para o bem ou para o mal — com instituições e governos. Sua capacidade de extrapolar as fronteiras da informação, a uma velocidade bem superior à capacidade de a sociedade estabelecer os cânones ideais dentro dos quais a web deve operar, chega a ser estonteante.
Portanto, é compreensível que persistam dúvidas em relação a códigos morais, legais e culturais sob os quais a internet deva ser avaliada. Mas, em relação às certezas, duas são inalienáveis — a web deve respeitar o direito à privacidade, uma conquista das sociedades civilizadas, e o princípio da liberdade de expressão como cláusula pétrea das normas que regem o estado democrático de direito. E estes não são pressupostos incompatíveis, a obediência a um não implica a anulação do outro.
É neste sentido que se transforma em perigoso precedente a recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia de conceder a um cidadão espanhol o “direito de ser esquecido”. Trocando em miúdos: em sua sentença, a Corte acolheu o pleito do internauta de obrigar o Google, o grande buscador mundial de dados, a eliminar links com informações de sua vida pregressa.
Embora tal resolução não tenha efeito jurisdicional sobre a Justiça de todos os países, com ele o tribunal dá margem a um perigoso precedente: a pretexto de preservar a privacidade os juízes podem avançar perigosamente sobre o princípio, este sim inquestionável, da liberdade de expressão e informação.
Não à toa, contra essa posição levantaram-se vozes importantes, como o criador da Wikipédia, Jimmy Wales, que classificou a posição do tribunal como “uma das mais amplas censuras à internet”.
Nessa zona cinzenta colocam-se em risco outras conquistas da civilização, como o direito a preservar a História, e abrem-se brechas para o dolo. Por exemplo:
Alguém que publicamente foi condenado por atos lesivos à sociedade, como a prática de crimes hediondos, ou ações de lesa-pátria, ou outros que mereçam repulsa, deveria ser beneficiado pelo anteparo da sentença do tribunal europeu? Dados históricos, sempre essenciais para a compreensão do desenvolvimento da Humanidade, não estarão sujeitos ao perigoso resguardo do esquecimento?
No Brasil, a questão da liberdade de expressão na internet parece bem encaminhada, não só pela recente aprovação, pela Câmara, do Marco Civil, mas por compromissos claros da sociedade com esse princípio. Mas, ainda assim, há espasmos de autoritarismo mal disfarçados em alegadas defesas da privacidade — como a campanha a favor da censura de biografias.
É contra a disseminação desses surtos de arbitrariedade, que ecoam em sentenças como a do tribunal europeu, que é preciso ficar alerta. A Corte europeia parece ter dado um passo atrás, um exemplo que o Brasil não deve seguir.
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