Aproveitando-se da proximidade do Mundial, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto torna-se o principal protagonista das manifestações, bloqueia avenidas de São Paulo e promete "Copa de sangue" se não tiver reivindicações atendidas.
Na
chuvosa noite da quinta-feira 22, o MTST levou mais de 20 mil pessoas
às ruas de São Paulo. Ao contrário das manifestações de junho de 2013, o
movimento tem pauta bem definida.
“Se tentarem nos tirar à força, teremos uma Copa de sangue” Guilherme Boulos, líder do MTST.
O rol de preocupações do governo federal com a miríade de grupos
dispostos a usar a Copa do Mundo para transformar em realidade as mais
variadas demandas sociais e trabalhistas ganhou um protagonista de peso
na quinta-feira 22. Com mais de 20 mil pessoas a travar as principais
avenidas de São Paulo em uma noite chuvosa, o Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST) deu uma demonstração de força e de
mobilização popular rara. ...
Ao contrário das manifestações de junho, que levaram milhões de pessoas
às ruas há um ano, o MTST tem uma pauta clara e definida – moradia para
as populações de baixa renda – e um controle absoluto sobre seus
integrantes. Demandas difusas e ausência de liderança, marcas
registradas da onda de protestos que tomou conta do País nos últimos 12
meses, não fazem parte do cardápio do movimento dos sem-teto. O que pode
ser bom e ao mesmo tempo ruim para o governo, às vésperas da Copa do
Mundo.
O MTST tem um líder disposto a negociar e, se não for atendido, partir
para o enfrentamento: trata-se de Guilherme Boulos, um jovem de classe
média alta formado em filosofia pela USP. Na quinta-feira 22, ele deixou
claro que está determinado a promover o caos nas ruas de São Paulo para
ter as demandas dos sem-teto atendidas. Do alto de um carro de som
parado no meio da Ponte Estaiada, um dos cartões-postais da cidade,
ameaçou: “Se não atenderem nossas reivindicações, no dia 12 de junho de
não teremos Copa do Mundo. Teremos um junho vermelho, porque vamos tomar
as ruas da cidade”, disse ele, para o delírio das mais de 20 mil
pessoas que marcharam sob seu comando, por mais de cinco quilômetros,
com uma disciplina quase militar. O coordenador do movimento também fez
ameaças à possibilidade de a Justiça ordenar a reintegração de posse dos
terrenos invadidos pelo movimento em São Paulo, em especial o batizado
de “Copa do Povo”, localizado a menos de três quilômetros do estádio
Itaquerão, onde Brasil e Croácia abrem o Mundial no dia 12. “Se tentarem
nos tirar à força, teremos uma Copa de sangue”, ameaçou. “Se a opção da
construtora e dos governos for tratar a questão como caso de polícia e
buscar garantir posse sem nada para as famílias, vai haver resistência”,
prometeu Boulos.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto vem promovendo manifestações com
frequência em São Paulo. Nas últimas semanas, milhares de integrantes
do MTST fecharam ruas e avenidas da cidade. Mas nada se compara ao ato
promovido pelos sem-teto na noite da quinta-feira 22. Além do número de
pessoas, a direção dos sem teto demonstrou um grande poder de
organização e um controle absoluto sobre os integrantes do movimento. Ao
comando dos coordenadores, os manifestantes liberavam calçadas para os
pedestres, fechavam ruas ou simplesmente trancavam a passagem para quem
quisesse ir e vir. O ato, que começou no largo da Batata, zona oeste de
São Paulo, passou pelas avenidas Faria Lima, uma das mais importantes da
cidade, e Cidade Jardim e terminou na ponte Estaiada. A manifestação
tinha o apoio do Comitê Popular da Copa, que, na semana passada, reuniu
1.500 pessoas num ato que acabou em confronto entre manifestantes e PMs.
Há duas semanas, o MTST já havia invadido sedes de empresas que
construíram estádios que receberão jogos da Copa. “Os empresários e a
Fifa tiveram seu pedaço do bolo. O trabalhador agora quer sua fatia”,
afirmou Boulos.
Após meses de manifestações que não conseguiram mobilizar a população
contra a Copa do Mundo, o MTST chega às vésperas do Mundial como
candidato a ser o principal protagonista na disputa que será travada
fora dos gramados. Para o governo, a notícia boa é que há com quem
dialogar e negociar. A ruim é que os sem-teto parecem ter uma visão
muito mais pragmática do que ideológica a respeito do que representa o
Mundial e seu sucesso para o governo de Dilma Rousseff ou, em âmbito
estadual, para Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT) na cidade
de São Paulo. Entre as reivindicações das dezenas de milhares de homens,
mulheres e crianças que pararam São Paulo na noite da quinta-feira 22
está a reforma urbana, com foco em moradia, emprego, saúde e educação.
ELE COMANDA
Líder do MTST, Guilherme Boulos: um jovem de classe média alta formado em filosofia pela USP.
O MTST, segundo seus líderes, seria um reflexo da incapacidade das
políticas de proteção social do governo em melhorar de fato a vida da
população de baixa renda nas metrópoles. Ao contrário do Brasil rural e
das pequenas cidades, onde programas como o Bolsa Família, por exemplo,
ampliaram a qualidade de vida de uma parcela significativa da população,
nas metrópoles a vida tem se tornado mais complicada ao longo dos
últimos anos. Aos problemas de transporte e violência somou-se a
inflação no preço dos imóveis e o consequente aumento no preço dos
aluguéis. Em cidades como Rio e São Paulo, a variação foi, em alguns
casos, superior a 100%, fazendo com que muitas pessoas tivessem que se
deslocar para áreas ainda mais periféricas.
Apesar de faltar menos de um mês para o início da Copa, ainda é cedo
para saber se Boulos e os sem-teto cumprirão as ameaças. Por enquanto, o
movimento se aproveita da proximidade do início do Mundial para
pressionar os governos a estabelecer compromissos. Mas, em um momento de
inflação alta, contas públicas desequilibradas e eleições à vista,
promessas vagas podem servir apenas como a fagulha necessária para
eclodir o incêndio. Combustível, há de sobra.
Gangsterismo sindical
Em meio à investigação sobre as greves, surge um personagem que
constrange o prefeito Fernando Haddad: o petista Luiz Moura, aliado do
secretário de Transportes
FOLHA CORRIDA
O deputado Luiz Moura, ligado ao secretário de Haddad, participou de reunião em que membros do PCC planejavam ações criminosas.
A greve dos cobradores e motoristas de ônibus que impôs o caos e o
tumulto na maior cidade do País na última semana está sob investigação
da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo. Sem qualquer
aviso e, aparentemente, sem a participação do sindicato, a paralisação
conturbou a vida de um milhão de paulistanos. O MP e a polícia suspeitam
de uma grande articulação de patrões e empregados para pressionar o
governo municipal a aumentar o repasse dos subsídios às empresas, que só
este ano injetará R$ 1,65 bilhão nos cofres das empresas de viação. Ao
todo, os grevistas bloquearam 16 dos 28 terminais urbanos da cidade,
afetando cerca de 200 linhas. O saldo da greve deixou um rastro de 71
coletivos danificados (cinco incendiados), cerca de cinco mil ônibus sem
circular, milhares de passageiros afetados – muitos expulsos à força
dos coletivos sob a mira de revólver.
Em meio ao caos instalado na cidade, a atuação da Polícia Militar
durante os protestos, classificada de “omissa” pelo secretário de
Transportes da cidade, Jilmar Tatto (PT), ao não garantir, de acordo com
ele, “o direito de ir e vir da população”, deflagrou uma troca de
acusações entre os governos estadual e municipal e trouxe à tona um
personagem conhecido no PT: o deputado estadual petista Luiz Moura. Não
bastasse a inoperância do prefeito Fernando Haddad, que, na última
semana, além de ter sido surpreendido pela greve, assistiu impassível à
ação dos manifestantes, o surgimento de Moura o deixou numa situação
constrangedora, para dizer o mínimo.
Aliado de Jilmar Tatto, secretário de Haddad, Moura é dono de quatro
linhas de peruas e participou de um encontro, no dia 17 de março, ápice
dos incêndios a ônibus em São Paulo, na sede da Cooperativa Transcooper,
em Itaquera, na zona leste, em que membros do PCC planejavam as ações
criminosas. A Transcooper tem permissão da prefeitura para explorar
linhas de ônibus em três áreas da cidade. No encontro, monitorado pela
Polícia Civil, estariam, em tese, sendo discutidos temas de interesse
dos cooperados. Porém, segundo a investigação, 11 desses suspeitos de
ligação com o PCC não participam formalmente de atividades do setor. De
acordo com o boletim de ocorrência da ação, cerca de 40 pessoas se
reuniam para “ajustar condutas teoricamente infracionais”. De acordo com
o subsecretário estadual de Comunicação, Márcio Aith, o motivo não era
“nada republicano”. Além do petista Luiz Moura, entre os participantes
havia um homem procurado pela Justiça: Carlos Roberto Maia, conhecido
como Carlinhos Alfaiate, acusado de participar do furto do Banco
Central, no Ceará, em 2005, quando foram levados R$ 164,8 milhões.
Mas, no atual contexto de greves e caos em São Paulo, é a folha corrida
de Luiz Moura que chama a atenção. Hoje na Assembleia de São Paulo,
Moura no início da década de 90 praticou assaltos à mão armada, passou
mais de um ano e meio preso e ainda virou fugitivo, depois de escapar da
cadeia antes de cumprir os 12 anos a que fora condenado. Na sentença
judicial, chegou a ser classificado de “periculoso sob o aspecto social”
e dono de personalidade “mal formada e inclinada para a prática de
crimes contra o patrimônio”. Da condição de foragido por assalto, em
cerca de quatro anos Moura conseguiu amealhar um patrimônio de cerca de
R$ 5 milhões, segundo ele próprio declarou à Justiça Eleitoral em 2010.
Seu irmão, Senival Moura, também é velho conhecido nas hostes petistas.
Vereador pela legenda, Senival criou um sindicato de perueiros. A dupla
de irmãos contribuiu para Tatto fazer do chamado transporte alternativo
uma espécie de curral eleitoral. Há pelo menos uma década, a polícia
suspeita da infiltração do PCC no setor.
Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO, Fernando Neves/Futura
Press/Folhapress; Marlene Bergamo/Folhapress; Apu Gomes/Folhapress; Luiz
Carlos Marauskas/Folhapress
Fonte: Revista Istoé - 25/05/2014 - - 00:49:59
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