O governo brasileiro mostra-se
incansável quando o assunto é colocar-se em maus lençóis em nome de sua simpatia
pelo regime dos irmãos Castro, em Cuba.
Não bastasse a utilização de quase 700
milhões de dólares em recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) para financiar a construção do Porto de Mariel, a 45 quilômetros
de Havana, a nova empreitada que vem sendo orquestrada pela alta cúpula prevê a
ida de empresas farmacêuticas brasileiras para produzir medicamentos em solo
cubano.
A estratégia é tentar
rentabilizar a zona portuária por meio da exportação de remédios produzidos em
parceria entre estatais cubanas e empresas brasileiras — em especial
fabricantes de genéricos e biossimilares. Desde a inauguração da primeira fase
do terminal de contêineres do porto, em janeiro, o governo vem travando uma
ofensiva velada para levar executivos a Cuba para participar de grupos de
trabalho.
O alto escalão da República tem
atuado, por assim dizer, como lobista de primeira linha dos irmãos Castro, sem
que qualquer contrapartida benéfica para o Brasil seja posta na mesa. Mas a
estratégia tem encontrado resistência: o alto custo de instalação de indústrias
na ilha e as dificuldades de exportação de produtos, devido ao embargo
econômico, tornam a empreitada economicamente inviável.
Além disso, a razão de o governo
demandar investimentos em Cuba, e não no Brasil, está cercada de pontos
nebulosos. Afinal, costurar acordos com outros países com o objetivo de
estimular a indústria nacional é agenda mais que bem-vinda para o país.
Contudo, não há lógica que justifique lançar mão do mesmo expediente para criar
(mais um) pacote de bondades para Cuba.
Em janeiro, a presidente Dilma
Rousseff, o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e seu sucessor, Arthur
Chioro — que está à frente da pasta desde que Padilha saiu para candidatar-se
ao governo paulista pelo PT — convidaram empresários do setor farmacêutico, que
ouviram da própria presidente a intenção do governo de levar empresas
brasileiras para se instalar na Zona Especial do Porto de Mariel e desenvolver
a economia local.
A estratégia é construída com base no argumento das vantagens
tributárias e alfandegárias da Zona Especial. Contudo, mesmo com todos os
incentivos, empresários ouvidos pelo site de VEJA se mostraram céticos.
Inviabilidade econômica — Os
convites vêm confundindo o empresariado porque contrariam o próprio plano que o
governo brasileiro tem para o setor farmacêutico. "Não faz o menor
sentido, pois o Brasil já tem uma estratégia bem desenhada para o setor, que é
de estimular a indústria nacional por meio das próprias compras governamentais.
O plano para Cuba vai contra a própria política industrial", diz Dante
Alário Junior, sócio e responsável pela área de pesquisa e desenvolvimento e
inovação da Biolab.
Sua empresa já recebeu vários convites para participar de
eventos promovidos pelo governo brasileiro em Cuba e investir na ilha — o
último deles ocorreu no início de junho — mas não tem interesse na empreitada
porque já investe num projeto de internacionalização nos Estados Unidos.
“Cuba
foi descartada porque não temos condições de investir também lá. Não faz
sentido para a empresa", afirma.
Outro executivo do setor ouvido
pelo site de VEJA, que prefere não ter seu nome revelado, afirmou que os
empresários se mantêm descrentes em relação à viabilidade dos investimentos. “O
setor farmacêutico sempre foi cético com a possibilidade de Cuba suprir um
negócio que exige alta tecnologia”, disse.
Parte do pessimismo deve-se também ao
fato de as empresas brasileiras já estarem firmando acordo com multinacionais
de outros países para produzir medicamentos (em especial os biossimilares),
sobretudo americanas e europeias.
O embargo econômico a Cuba anula a
viabilidade, diz o executivo, porque impede que tais empresas consigam exportar
os medicamentos produzidos na ilha para mercados consumidores importantes, como
Estados Unidos e México, que têm proximidade geográfica.
As farmacêuticas vêm sendo
procuradas há mais de um ano para realizar investimentos em Cuba. Num primeiro
momento, o contato foi estabelecido por intermédio da Odebrecht, responsável
pela construção do porto cubano.
Em 2014, o governo passou a fazer os convites,
excluindo da lista as empresas associadas à Interfarma, que são essencialmente
estrangeiras. Procurada pela reportagem, a Odebrecht disse que "apoia o
acordo bilateral entre Brasil e Cuba no desenvolvimento de medicamentos".
A companhia, inclusive, assinou um Memorando de Entendimentos com a
farmacêutica cubana Cimab para a criação de uma joint-venture na ilha. Contudo,
o acordo nunca saiu do papel.
Mesmo sem um interesse claro em
investir na ilha, as empresas são alvo de tamanha insistência do governo — em
especial do Ministério da Saúde e do Desenvolvimento — que não ousam declinar
totalmente as ofertas de negócios.
“As que foram a Cuba quiseram atender a um
pedido da Presidência. É muito difícil não ir”, disse o médico e deputado
federal Eleuses Paiva (PSD-SP), que está ciente das conversas no Ministério da
Saúde.
“Agora, se as indústrias forem se instalar, é porque o governo está
montando situações econômicas fantásticas”, disse o deputado. "A indústria
de genéricos acabou de construir um parque nacional. É tudo recente demais para
ir a Cuba”, disse.
De Brasília a Havana — A última
reunião realizada em Cuba ocorreu nos dias 5 e 6 de junho, liderada pelo
Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da
Saúde, Carlos Gadelha.
O encontro contou também com a participação de
executivos da Eurofarma, da PróGenéricos (Associação dos produtores de
medicamentos genéricos) e de representantes da Fiocruz e da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
Procuradas, as empresas participantes negaram
que o encontro tenha sido realizado com o objetivo de levar as farmacêuticas a
se instalarem em Cuba. Contudo, a pauta do encontro, à qual o site de VEJA teve
acesso, mencionava a discussão de “investimentos no Porto de Mariel”.
Comandante da missão, Carlos
Gadelha é um dos nomes do Ministério da Saúde citados nos escândalos da
Operação Lava-Jato. Conduzida pela Polícia Federal, a Operação desmontou um
esquema bilionário de lavagem de dinheiro orquestrado pelo doleiro Alberto
Yousseff, preso desde março e pivô dos escândalos.
O laboratório comandado pelo
doleiro, o Labogen, é apontado pela Polícia Federal como o carro-chefe do
esquema de lavagem de dinheiro. Durante as investigações, a PF interceptou
conversa telefônica entre o empresário Pedro Argese e Youssef, relacionadas à
assinatura de parcerias entre o Ministério da Saúde e empresas privadas.
Em um
dos trechos, Argese comenta ter conversado com Gadelha. De acordo com a
transcrição, divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, o secretário teria
prometido dar todo o apoio possível para a retomada do Labogen.
O Ministério da Saúde nega que o
governo brasileiro queira incentivar a instalação de empresas farmacêuticas em
Cuba. Afirmou que o encontro de junho teve "por objetivo o monitoramento e
avaliação das prioridades científicas, tecnológicas e de saúde pública para os
respectivos países em áreas como terapia e controle de câncer, terapia celular
e neurociências”.
Em nota, afirmou ainda que o país tem cerca de vinte projetos
em andamento entre laboratórios públicos e privados brasileiros com instituições
cubanas. “Em nenhum dos projetos aprovados pelo Comitê, cabe ressaltar, está
prevista a instalação de fábricas brasileiras em Cuba.”
A pasta, contudo, não combinou a
resposta com os cubanos. Artigo extenso do jornal castrista Granma aponta o
Brasil como principal parceiro de Cuba no setor farmacêutico. Diz o texto que
uma nova etapa na cooperação entre os dois países iniciou-se após a visita a
Havana da presidente Dilma, em janeiro deste ano.
E que a criação de empresas
mistas (brasileiras e cubanas) colocadas na Zona Especial do Porto de Mariel,
"utilizando tecnologia cubana e capital brasileiro", servirá para
incentivar a produção de biossimilares para "satisfazer as necessidades
dos sistemas de saúde de ambos os países e permitir a exportação conjunta a
outros mercados".
O que ainda não está claro — e o governo se negou a
explicar — é a razão de se investir capital dos contribuintes brasileiros para
desenvolver a indústria de outro país. Trata-se, mais uma vez, de um presente
generosíssimo do Brasil ao regime cubano. (Revista VEJA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário