segunda-feira, 16 de junho de 2014

"Em 10 anos, as aspirações e as queixas cresceram", diz ministro


O Ministro de Assuntos Estratégicos vê a população insatisfeita com os serviços prestados pelo governo e com a demora dos investimentos


Publicação: 16/06/2014 06:00  Correio Braziliense
 

O economista Marcelo Neri tem uma das missões mais espinhosas na Esplanada: explicar o descontentamento dos brasileiros à sociedade e ao próprio governo. 
 
 Alçado ao cargo de ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) após presidir o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), ele busca justificativas não apenas com números. 
 
 
“Se quisermos entender o Brasil e os brasileiros, temos que entender não o aspecto objetivo, mas também o subjetivo”, comenta. 
 
Para ele, os ganhos dos brasileiros vão muito além do padrão de consumo: alcançam a habitação e o mercado de trabalho. Mas, depois de 10 anos, tais conquistas já são dadas como garantidas pelas pessoas. 
 
 
As aspirações cresceram, o que acaba, muitas vezes, alimentando queixas. 
 
E elas se juntam a um tipo de insatisfação bem mais forte, o das pessoas de renda mais alta. Elas computaram ganhos menores, estreitando a diferença entre seu padrão de vida e o dos mais pobres. 
 
Assim, a etapa seguinte do desenvolvimento, apostou Neri, está longe de ser simples. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.
 (Antonio Cruz/CB/D.A Press - 11/5/13)


Tornou-se comum dizer que a situação no Brasil melhorou da porta para dentro, mas não da porta para fora. É o que ocorreu?
 
 
A própria presidente Dilma disse isso. Por que isso ocorre? Estamos em um país grande, diverso e desigual. 
 
Então, é difícil dar uma resposta que contemple o país inteiro. Um grande ganho que houve foi no mercado de trabalho fora de casa. 
 
As pessoas conseguiram mais empregos formais. E há cada vez mais famílias com casa própria, o que é muito importante. O problema é que, entre essas duas conquistas, entre a casa e o trabalho, a vida está mais complicada. 
 
As pessoas vivem o inferno da mobilidade urbana. Muita gente comprou carro, mas há carência de políticas públicas e de investimentos públicos. 
 
A infraestrutura demora, há defasagens, enquanto o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo têm efeito instantâneo. Mesmo o VLT (veículo leve sobre trilhos), que é mais rápido do que o metrô, demora muito para ser implantado.

Quem está mais insatisfeito?
 
A nova classe média não está mais insatisfeita pelas pesquisas que tenho visto. 
 
Houve conquistas, e as pessoas buscam mais. Querem ser notadas também, o que explica o rolezinho. 
 
Mas não vêm daí os manifestantes que, inicialmente, ocuparam as ruas em junho do ano passado. 
 
Essas são pessoas dos grupos de maior renda, que tiveram menor ganho. 
 
A analogia da Belíndia, criada pelo Edmar Bacha (segundo o qual o Brasil convivia com a riqueza belga e miséria indiana nos anos 1980), continua atual, com um sentido diferente. 
 
O lado indiano do Brasil cresce tanto quanto a Índia hoje. E o lado belga do Brasil anda tão devagar quanto a Bélgica. 
 
Os 5% mais pobres tiveram, de 2001 a 2012, aumento da renda por pessoa de 138%, já descontada a inflação. Já os 5% mais ricos computaram alta de 26%. Essas pessoas não gostam tanto da situação, por motivos compreensíveis.

Os números são suficientes para explicar as diferenças?
 
Se quisermos entender o Brasil e os brasileiros, temos que entender não o aspecto objetivo, mas também o subjetivo. Vejo na situação de hoje, de um lado, o efeito aspiração, que é mais importante para essa nova classe média. 
 
 
E há o que a literatura chama de efeito comparação, que é olhar para o vizinho, algo mais sociológico. 
 
Isso também ajuda a explicar o que ocorre. A classe média tradicional se acostumou com a altíssima desigualdade. 
 
Mas a distância em relação à empregada e ao peão de obra hoje não é a mesma de antes. 
 
Há também a globalização, a internet, a conectividade, que permitem comparações das pessoas com o resto do mundo. As informações circulam com muito mais velocidade.

Esse tipo de mudança é inédita no país?
 
 
Ao olhar a história brasileira nos últimos 60 anos, é possível ver que, de 10 em 10 anos, o Brasil vive uma grande mudança, com mobilização seguida por transformação. 
 
 
É possível lembrar pelas efemérides deste ano. Vivemos os 50 anos do golpe, 40 anos do início do processo de abertura, com a Revolução dos Cravos (em Portugal) e a derrota do governo (o regime militar brasileiro) nas urnas. Em 1984, houve o auge da luta pela democratização, com as Diretas Já. 
 
Em 1994, tivemos o Plano Real. E faz uma década que estamos crescendo com redução de desigualdade. 
 
Depois de 10 anos, as pessoas se adaptam à nova realidade, passam a ter novas aspirações. 
 
 
E os que não ganharam tanto ficaram com demandas e frustrações acumuladas. Neste ano, temos Copa e eleições, que são eventos catalisadores.

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