Para rentabilizar o porto de Mariel, a alta cúpula age como lobista dos irmãos Castro para convencer empresas do setor farmacêutico a não apenas negociar com o regime, mas também instalar fábricas na ilha; até o momento, as companhias resistem.
O
governo brasileiro mostra-se incansável quando o assunto é colocar-se
em maus lençóis em nome de sua simpatia pelo regime dos irmãos Castro,
em Cuba.
Não bastasse a utilização de quase 700 milhões de dólares em
recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
para financiar a construção do Porto de Mariel, a 45 quilômetros de
Havana, a nova empreitada que vem sendo orquestrada pela alta cúpula
prevê a ida de empresas farmacêuticas brasileiras para produzir
medicamentos em solo cubano.
A estratégia é tentar rentabilizar a zona
portuária por meio da exportação de remédios produzidos em parceria
entre estatais cubanas e empresas brasileiras — em especial fabricantes
de genéricos e biossimilares. Desde a inauguração da primeira fase do
terminal de contêineres do porto, em janeiro, o governo vem travando uma
ofensiva velada para levar executivos a Cuba para participar de grupos
de trabalho. ...
Generosidade sem fim: Dilma Rousseff e Raúl Castro, durante a inauguração do Porto de Mariel (Roberto Stuckert Filho/PR).
O alto escalão da República tem atuado, por assim dizer, como lobista
de primeira linha dos irmãos Castro, sem que qualquer contrapartida
benéfica para o Brasil seja posta na mesa.
Mas a estratégia tem
encontrado resistência: o alto custo de instalação de indústrias na ilha
e as dificuldades de exportação de produtos, devido ao embargo
econômico, tornam a empreitada economicamente inviável. Além disso, a
razão de o governo demandar investimentos em Cuba, e não no Brasil, está
cercada de pontos nebulosos.
Afinal, costurar acordos com outros países
com o objetivo de estimular a indústria nacional é agenda mais que
bem-vinda para o país. Contudo, não há lógica que justifique lançar mão
do mesmo expediente para criar (mais um) pacote de bondades para Cuba.
Em janeiro, a presidente Dilma Rousseff, o então ministro da Saúde,
Alexandre Padilha, e seu sucessor, Arthur Chioro — que está à frente da
pasta desde que Padilha saiu para candidatar-se ao governo paulista pelo
PT — convidaram empresários do setor farmacêutico, que ouviram da
própria presidente a intenção do governo de levar empresas brasileiras
para se instalar na Zona Especial do Porto de Mariel e desenvolver a
economia local.
A estratégia é construída com base no argumento das
vantagens tributárias e alfandegárias da Zona Especial. Contudo, mesmo
com todos os incentivos, empresários ouvidos pelo site de VEJA se
mostraram céticos.
Inviabilidade econômica — Os convites vêm confundindo o empresariado
porque contrariam o próprio plano que o governo brasileiro tem para o
setor farmacêutico.
"Não faz o menor sentido, pois o Brasil já tem uma
estratégia bem desenhada para o setor, que é de estimular a indústria
nacional por meio das próprias compras governamentais. O plano para Cuba
vai contra a própria política industrial", diz Dante Alário Junior,
sócio e responsável pela área de pesquisa e desenvolvimento e inovação
da Biolab.
Sua empresa já recebeu vários convites para participar de
eventos promovidos pelo governo brasileiro em Cuba e investir na ilha — o
último deles ocorreu no início de junho — mas não tem interesse na
empreitada porque já investe num projeto de internacionalização nos
Estados Unidos.
“Cuba foi descartada porque não temos condições de
investir também lá. Não faz sentido para a empresa", afirma.
Outro executivo do setor ouvido pelo site de VEJA, que prefere não ter
seu nome revelado, afirmou que os empresários se mantêm descrentes em
relação à viabilidade dos investimentos. “O setor farmacêutico sempre
foi cético com a possibilidade de Cuba suprir um negócio que exige alta
tecnologia”, disse.
Parte do pessimismo deve-se também ao fato de as
empresas brasileiras já estarem firmando acordo com multinacionais de
outros países para produzir medicamentos (em especial os biossimilares),
sobretudo americanas e europeias.
O embargo econômico a Cuba anula a
viabilidade, diz o executivo, porque impede que tais empresas consigam
exportar os medicamentos produzidos na ilha para mercados consumidores
importantes, como Estados Unidos e México, que têm proximidade
geográfica.
As farmacêuticas vêm sendo procuradas há mais de um ano para realizar
investimentos em Cuba.
Num primeiro momento, o contato foi estabelecido
por intermédio da Odebrecht, responsável pela construção do porto
cubano.
Em 2014, o governo passou a fazer os convites, excluindo da
lista as empresas associadas à Interfarma, que são essencialmente
estrangeiras. Procurada pela reportagem, a Odebrecht disse que "apoia o
acordo bilateral entre Brasil e Cuba no desenvolvimento de
medicamentos".
A companhia, inclusive, assinou um Memorando de
Entendimentos com a farmacêutica cubana Cimab para a criação de uma
joint-venture na ilha. Contudo, o acordo nunca saiu do papel.
Mesmo sem um interesse claro em investir na ilha, as empresas são alvo
de tamanha insistência do governo — em especial do Ministério da Saúde e
do Desenvolvimento — que não ousam declinar totalmente as ofertas de
negócios.
“As que foram a Cuba quiseram atender a um pedido da
Presidência. É muito difícil não ir”, disse o médico e deputado federal
Eleuses Paiva (PSD-SP), que está ciente das conversas no Ministério da
Saúde. “Agora, se as indústrias forem se instalar, é porque o governo
está montando situações econômicas fantásticas”, disse o deputado.
"A
indústria de genéricos acabou de construir um parque nacional. É tudo
recente demais para ir a Cuba”, disse.
De Brasília a Havana — A última reunião realizada em Cuba ocorreu nos
dias 5 e 6 de junho, liderada pelo Secretário de Ciência, Tecnologia e
Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha. O encontro
contou também com a participação de executivos da Eurofarma, da
PróGenéricos (Associação dos produtores de medicamentos genéricos) e de
representantes da Fiocruz e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa).
Procuradas, as empresas participantes negaram que o encontro
tenha sido realizado com o objetivo de levar as farmacêuticas a se
instalarem em Cuba. Contudo, a pauta do encontro, à qual o site de VEJA
teve acesso, mencionava a discussão de “investimentos no Porto de
Mariel”.
Comandante da missão, Carlos Gadelha é um dos nomes do Ministério da
Saúde citados nos escândalos da Operação Lava-Jato. Conduzida pela
Polícia Federal, a Operação desmontou um esquema bilionário de lavagem
de dinheiro orquestrado pelo doleiro Alberto Yousseff, preso desde março
e pivô dos escândalos.
Fonte: TALITA FERNANDES - revista Veja - 16/06/2014 - - 09:12:28
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