segunda-feira, 16 de junho de 2014

Época - Guilherme Fiuza: Governo à prova de vaias






Dilma Rousseff prometeu e cumpriu: fez o discurso de abertura da Copa do Mundo e não levou uma vaia sequer. Os pessimistas estavam errados. É bem verdade que ela tomou o cuidado de fazer seu discurso pela televisão, que ninguém é de ferro. Mas isso é detalhe, perto do que o governo popular planeja: governar sozinho, ao estilo do saudoso companheiro Hugo Chávez, com o golpe instituído pelo decreto 8.243. Vem aí um governo à prova de vaias.


O decreto que Dilma assinou e publicou discreta e rapidamente, às vésperas da Copa, é uma obra-prima do chavismo. Institui conselhos populares com poder de formular e tomar decisão na administração pública. Esses conselhos serão constituídos por representantes da "sociedade civil" - apelido dos militantes de aluguel do PT. 


Finalmente, o governo popular não precisará mais perder tempo com o corpo técnico das instituições públicas, que não entende os objetivos da revolução bolivariana. Quem sabe até se torne possível ampliar o programa Mais Médicos, com a criação do Mais Professores - em que funcionários de Fidel Castro ensinarão nas escolas brasileiras as maravilhas do regime cubano.

É claro que a opinião pública brasileira está mais uma vez babando na gravata, completamente por fora dessa implantação de prótese chavista. A única resistência ao decreto de Dilma surgiu no Congresso Nacional, que, com sua bravura patriótica, identificou mais uma oportunidade para chantagear o governo. 


Este é o ponto a que chegamos no império do oprimido: para salvar o país de uma picaretagem, só outra picaretagem.

O decreto dos conselhos populares atropela o Congresso e concentra a discussão e formulação de políticas no aconchego dos órgãos aparelhados pelo PT. Daí a indignação dos congressistas leais ao governo Dilma: até agora, ninguém lhes disse quanto eles ganharão nisso. Na época de Marcos Valério, as coisas eram mais organizadas.

Se não for cassado, o decreto 8.243 será uma contribuição decisiva para que o governo do PT possa acelerar suas realizações sem a interferência desse intruso chamado Brasil. As ideias geniais de Dilma, Lula, Mercadante, Dirceu, Gilberto Carvalho e grande elenco fisiológico tramitarão na velocidade da luz, e aí os brasileiros verão o que é bom para tosse. A nova realidade virá lá do alto como um raio, com a força inapelável e absoluta de um pronunciamento de Dilma em cadeia de rádio e TV.

Com o texto escrito à sua frente e ninguém para interromper (nem vaiar), o céu é o limite para a "presidenta". Foi assim que ela deu um show no pronunciamento de abertura da Copa do Mundo. Ali de dentro do estúdio, cercada pelo povo do marketing, Dilma desafiou todo mundo. Defendeu desinibida o legado da Copa para os brasileiros - o bom desse formato eletrônico de democracia é não ter de explicar os disparates colaterais. 


Se o "legado" inclui um presente de mais de R$ 3,5 bilhões do BNDES (ou de você), derramados em estádios de futebol superfaturados, isso não vem ao caso e fim de papo. Aí a governanta nacional pode prosseguir com seu comício otimista, exaltando poeticamente os aeroportos brasileiros.

Está tudo pronto, bradou Dilma. O estrangeiro que tivesse acabado de desembarcar no aeroporto do Galeão, e entendesse o português presidencial, teria a certeza de que os brasileiros são os campeões mundiais do humor. No aeroporto internacional da cidade que receberá a final da Copa - também conhecido como Favela Antônio Carlos Jobim -, está tudo pronto. 


Se o passageiro calhar de precisar de um dos cinco elevadores enguiçados, está convidado a arrastar sua bagagem por algumas dezenas de metros morrendo de rir. Esteiras e escadas rolantes interditadas reservam o mesmo tipo de emoção, no clima da Copa. Tudo pronto.

Aeroportos remendados pelos quatro cantos do país fazem Dilma Rousseff explodir de orgulho, daquilo que ela mesma classificou como "padrão Brasil", novo parâmetro de excelência para a infraestrutura nacional. Deve ser muito gostoso defender publicamente esse padrão tão peculiar e não escutar nem meia vaia. 


O Brasil há de aceitar, no escurinho da Copa do Mundo, o golpe dos conselhos populares. O país merece escutar o PT falando sozinho.

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