“Sou a favor da
ideia socialista. Mas uma vez disse a meu pai: ‘se isso é socialismo, eu sou
contra o socialismo” (Yuri Ribeiro
Prestes, historiador filho de Luiz Carlos Prestes viveu na Rússia de 1970 a
1994 jornal Folha de São Paulo de
2 de novembro de 1997)
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por
Carlos I. S. Azambuja
A partir do momento
em que, na ex-União Soviética os arquivos da 3ª Internacional foram abertos aos pesquisadores, vários mitos e lendas
não mais se sustentam. Alguns livros, editados com base nesses arquivos, foram
publicados, dando conta de detalhes inéditos do Movimento Comunista
Internacional.
A 3ª Internacional, ou Komintern, do
alemão“Komunistiche Internationale”, foi uma entidade com sede em Moscou,
criada por Lenin, que funcionou de 1919 a 1943.
O Komintern era dirigido pela “Uskaia Komissia”, a“Pequena Comissão”, responsável por
todas as decisões relativas aos aspectos políticos, de inteligência e de
ligação do Kominern com o Partido Comunista da União Soviética.
Desde a década de
20, o Komintern financiava e controlava os partidos comunistas de todo
o mundo, com verbas fornecidas pelo Estado soviético. Essa prática permaneceu
inalterada por mais de 70 anos. Quando o Komintern foi desativado, em 1943, o Departamento de Relações
Internacionais do PCUS assumiu suas tarefas.
Ao final do ano de
1991, após o fim da União Soviética, foram encontrados na sede do Comitê
Central do partido único documentos referentes à “ajuda
financeira fraternal” aos demais partidos
comunistas de todo o mundo Esses documentos, como é evidente, faziam menção ao
Partido Comunista Brasileiro, e comprovam que já em 1935 Luiz Carlos Prestes
era um assalariado do Komintern: No
período de abril a setembro de 1935, US$ 1.714,00 foi a quantia destinada a
Prestes.
Assinale-se que
Luiz Carlos Prestes foi admitido como membro do Komintern em 8 de junho de 1934. Antes, portanto, de sua filiação
ao PCB, o que constituiu um fato inédito no comunismo internacional. Prestes só
viria a ser admitido no PCB em setembro desse ano.
A alemã Olga Benário
(que também utilizava os nomes de “Frida Leuschner”,
“Ana Baum de Revidor”, “Olga Sinek”, “Olga Bergner Vilar” e “Zarkovich” (casada
em Moscou com B. P. Nikitin, aluno da Academia Militar
Frunze) que pertencia ao IV Departamento do
Estado-Maior do Exército Vermelho, foi a pessoa
designada para a missão de acompanhar Luiz Carlos Prestes em sua volta da União
Soviética ao Brasil, em 1935.
Ao contrário do que
afirma o historiador brasilianistaRobert
Levine, em seu livro O Regime de Vargas
- 1935-1938, bem como diversas outras publicações nacionais e estrangeiras,
Prestes nunca foi casado com Olga.
O clube de
revolucionários profissionais a serviço do Komintern, tinha
poderes praticamente ilimitados de intervenção nos diversos partidos
comunistas, bem como instruções muito precisas sobre como levar adiante as
planejadas ações revolucionárias.
O Partido Comunista
Brasileiro jamais se libertou de sua subserviência a Moscou. O PCUS, até ser
posto na ilegalidade por Boris Yeltsin, em 1991, sempre manteve sobre estreito
controle a direção política do PCB, a forma como eram escolhidas suas
lideranças, seus processos de formação ideológica, bem como aquilo que sempre
foi o mais importante para o partido: o auxílio fraternal.
Em 1990, último ano de ativo funcionamento do PCUS, essa ajuda fraternal ao Partido
Comunista Brasileiro foi de US$ 400.000 conforme divulgado pelo Tribunal
Constitucional Russo que, em 1992, julgou os crimes do PCUS (jornal “Konsomolskaya Pravda”, Moscou, 8 de abril de 1992).
Prestes somente em
setembro de 1934 seria admitido nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro,
conforme documento do Bureau Político do PCB, datado de 4 de setembro de 1934,
publicado no jornal Sentinela Vermelha,
nº 1, outubro de 1934, São Paulo. Segundo esse jornal, Prestes foi admitido no
partido “por proposta da
IC“ e como “simples
soldado da IC”. No entanto, diz o
jornal, “ao mesmo tempo que o BP aceita a adesão de Prestes, chama todo o
partido para intensificar o fogo contra o prestismo dentro e fora de nossas
fileiras, contra essa teoria e prática de conteúdo contra-revolucionário,
pequeno-burguês, que consiste na subestimação das forças do proletariado como
única classe revolucionária, nas ilusões em chefetes e caudilhos
pequeno-burgueses, salvadores, cavaleiros da esperança, etc (...)”.
A aceitação de
Prestes como membro do PCB foi, portanto, decorrente não do reconhecimento de
sua liderança ou de seus atributos de dedicação à causa comunista, mas sim uma
imposição do aparato da IC, o que desfaz
outro mito.
Em 10 de abril de
1935 - às vésperas da chegada clandestina de Prestes ao Brasil -, referindo-se
à primeira reunião pública da Aliança Nacional Libertadora (ANL), realizada dia
30 de março desse ano, no teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, um documento
do PCB, assinado por M (“Miranda”), codinome de Antonio Maciel Bonfim,
Secretário-Geral do partido, referia-se a Prestes, aclamado presidente da ANL, como “um grande lutador antiimperialista e
anti-feudal”. Esse documento foi
publicado no jornal A Classe Operária nº 178, de 10 de abril de 1935.
“Miranda”, na “A
Classe Operária” de 23 de abril de
1935, assinala: “(...) As massas
populares aclamam espontaneamente Prestes como Presidente de Honra da Aliança
Nacional Libertadora (...) Essa aclamação de Prestes significa que as massas
populares reconhecem nele um grande lutador contra o imperialismo (...) um
lutador conseqüente de há muitos anos (...)”.
Em apenas 7 meses,
portanto, Prestes passou de“caudilho pequeno-burguês” a “lutador conseqüente de há muitos anos”.
Logo depois,
Fernando Lacerda, membro do Comitê Central do PCB, delegado do partido ao VII
Congresso da Internacional
Comunista, realizado em Moscou em julho de 1935, em seu discurso nesse evento,
transcrito na revista da IC, “Correspondência Internacional” de 4 de dezembro de 1935, assinalou: “(...) Desde outubro de 1934, após a 3ª Conferência dos
Partidos Comunistas dos Países da América Latina, conseguimos realizar uma
reviravolta decisiva, tomando audaciosamente a iniciativa da organização de uma
Aliança de Libertação Nacional (...) Entre seus organizadores e dirigentes
destacava-se o nosso camarada Luiz Carlos Prestes (...) Já lançamos
audaciosamente a palavra de ordem de ‘todo poder à ANL’(...)”. Observe-se que na data referida por Fernando Lacerda -
outubro de 1934 - Prestes vivia, ainda, em Moscou.
Essa é outra lenda
que desaba: a de que, quando criada, a ANL não tinha qualquer vinculação com o
partido. Na verdade, desde o primeiro momento, foi uma organização de fachada
do PCB, como centenas de outras durante toda a existência do partido.
Em 14 de julho de
1935 a Aliança Nacional Libertadora foi colocada fora da lei pelo governo e
suas sedes fechadas.
O Comitê Central do
PCB, reunido em fins de julho de 1935, tachou o fechamento da ANL de “arbitrário e violento” e
concitou seus militantes a recrutar elementos e formar o partido no campo, “criando
Ligas Camponesas” (documento
apreendido em agosto de 1935 e integrante do processo nº 1, arquivado no STM).
Desfaz-se,
portanto, outro mito: o de que foi Francisco Julião o inspirador e criador das “Ligas Camponesas”, nos anos 50.
Em 15 de setembro
de 1935, às vésperas, portanto, da deflagração da Intentona,
o “BSA-Bureau Sul-Americano” do Komintern, que funcionava em Buenos Aires, recebeu do “EKKI” a determinação de passar a dirigir as atividades
do PCB conjuntamente com Luiz Carlos Prestes e “Miranda”-
Antonio Maciel Bonfim, Secretário-Geral. Isso significou, na prática, que o“BSA”,
organismo do Komintern para a América Latina, passou a comandar (esse é o verbo
correto) as atividades do Partido Comunista Brasileiro.
Logo depois, com
data de 6 de outubro de 1935, “Indio Negro” remetia a “Américo” (outro codinome de“Miranda”) uma carta com a proposta “de cooptar ‘Garoto’ para membro do
Comitê Central e elegê-lo para o Birô Político do CC”. E determina: “Isso deve ser efetuado na próxima reunião
do plenário do CC”(documento integrante do processo nº 1, arquivado no Superior
Tribunal Militar). A pessoa referida como“Garoto” era
Luiz Carlos Prestes.
Mas, quem é “Indio Negro” que dava ordens ao
Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro?
Eram duas pessoas,
segundo os dados obtidos nos arquivos da 3ª Internacional:
“Indio” – Rodolfo José Ghioldi, que também utilizava os
codinome de “Autobelli”,
“Quiroga” e “Luciano Busteros”argentino membro do “Bureau Sul-Americano” agente
doKomintern deslocado da
Argentina para o Brasil em dezembro de 1934, juntamente com sua mulher Carmen
de Alfaya.
“Negro”- Arthur
Ernst Ewert, que também usava os codinomes de “Albert”,
“Castro” e “Harry Berger”
alemão agente do Komintern mandado para o Brasil em dezembro de 1934.
A lenda, já
integrada à História, de que apenas os 9 estrangeiros presos após a Intentona integravam o
aparato do Komintern no Brasil, revelou-se falsa. Os estrangeiros deslocados
para o Brasil pelo Komintern, para fazer a Intentona, foram 23. Os nomes de todos podem
ser encontrados no livro “Camaradas”, do
jornalista William Waak.
Desaba também outro
mito: o de que a Intentona Comunista tenha sido uma ação genuinamente brasileira, imaginada
e levada a cabo pelo PCB.
Não foi.
A ordem para que a
insurreição fosse deflagrada partiu de Moscou, em telegrama do Secretariado
Político do“EKKI”, dirigido a Ewert e a Prestes, nos seguintes termos: “A questão da ação (o levante) decidam vocês mesmos,
quando acharem necessário. Assegurem apoio à ação do Exército pelo movimento
operário e camponês. Tomem todas as medidas contra a prisão de Prestes.
Enviamos 25.000 por telegrama. Mantenham-nos informados do rumo dos
acontecimentos”.
Esse telegrama,
escrito em francês, foi encontrado nos arquivos do Komintern, e na página 128 do livro“Camaradas” está publicada uma cópia xerografada do mesmo.
No período pré e
pós-Intentona o partido cometeu diversos assassinatos de seus próprios
correligionários, a título de “justiçamentos”,
por suspeita de colaboração com o inimigo de classe.
Um deles foi o da
jovem de 16 anos “Elza Fernandes” ou“Garota”, como era conhecida no partido Elvira Cupelo
Colônio, amante de “Miranda”,
Secretário-Geral do PCB - e que, devido a isso, conhecia todos os demais
membros do Comitê Central, e outros, com atuação relevante na Intentona Comunista -, por suspeita decolaboração com a repressão. A decisão de eliminar“Garota” foi tomada por Luiz Carlos Prestes, conforme documentos
que integram o processo nº 1, já referido. Nos autos desse processo está uma
carta, de próprio punho de Prestes, com data de 16 de fevereiro de 1936,
remetida a “Meu Caro Amigo” (não identificado), dizendo: “(...) Não podemos vacilar nessa questão (...) Tudo
precisa ser preparado com o mais meticuloso cuidado, bem como estudado com
atenção todo um plano de ação que nos permita dar ao adversário a culpabilidade
(...) Ela já desapareceu há alguns dias e até agora não se diz nada (...)”.
Em outra carta ,
dirigida ao Secretariado
Nacional do PCB, datada de 19 de fevereiro de 1936 (apenas três dias depois),
Prestes escreveu: “(...) Fui dolorosamente surpreendido pela falta de resolução
e vacilações de vocês (...) Companheiros, assim não se pode dirigir o partido
do proletariado, da classe revolucionária conseqüente (...) Já em minha carta
de ontem formulei minha opinião a respeito do que precisávamos fazer (...) Não
é possível dirigir sem assumir responsabilidades. Por outro lado, uma direção
não tem o direito de vacilar em questões que dizem respeito à defesa da própria
organização (...)”.
Cópia do original
da carta acima, manuscrita por Prestes, está entre as páginas 33 e 34 do
livreto “Os Crimes do
Partido Comunista”, de Pedro Lafayette,
Editora Moderna, 1946, Rio de Janeiro.
“Miranda” e “Elza Fernandes” haviam sido presos em 13 de janeiro de 1936. A Polícia
colocou “Elza Fernandes”em
liberdade, pelo fato de ser menor de idade. Logo, a direção do partido
colocou-a em cárcere privado, na residência do militante conhecido como “Tampinha”(Adelino Deycola dos Santos), na rua Maria
Bastos nº 41-A, em Deodoro, subúrbio do Rio, sob a guarda dos militantes “Gaguinho” (Manoel Severino
Cavalcanti) e“Cabeção” (Francisco
Natividade Lira).
Nessa casa, em 20
de fevereiro de 1936 - um dia após a segunda carta de Prestes -, “Elza Fernandes” foi assassinada por
enforcamento, por esses elementos, e sepultada no quintal da casa. Após terem
sido presos, todos confessaram o assassinato, dando-o como umjustiçamento,
sendo o corpo de “Elza Fernandes”exumado
pela polícia em 14 de abril de 1936.
Luiz Carlos
Prestes, o mandante, e Olga Benário foram presos em 5 de março de 1936. Em 17
de abril de 1945, 9 anos depois, Prestes foi anistiado e em outubro desse mesmo
ano eleito Senador da República. Em maio de 1946 o partido foi tornado ilegal
pela Justiça Eleitoral e passou a funcionar na clandestinidade. A partir de
1971 Prestes passou a viver em Moscou, sendo novamente anistiado em 1979 e, por
força da Constituição de 1988, reincluído no Exército, promovido e reformado.
Em 16 de agosto de
2006 Luiz Carlos Prestes foi promovido ao posto de Coronel, com os proventos de
General de Brigada.
Muitos dirão,
principalmente os mais jovens: Caramba, eu não
sabia!
PORTARIA No-
7/ANISTIA,
DE 16 DE AGOSTO DE
2006
O
.............................. .............................. .............................. ......,
no uso da
competência que lhe foi delegada pela Portaria no- 479, de 11 de agosto de
2004, do Comandante do Exército, em cumprimento à Portaria Normativa no-
657/MD, de 25 de junho de 2004, do Ministro de Estado da Defesa, e nas
condições impostas pela Portaria no- 1339, de 1o- de julho de 2005, do Ministro
de Estado da Justiça, que decidiu: declarar LUIZ CARLOS PRESTES anistiado
político "post mortem", reconhecendo o direito às promoções ao posto
de Coronel com os proventos do posto de General-de-Brigada e as respectivas
vantagens, e conceder em favor das requerentes MARIA DO CARMO RIBEIRO,
ERMELINDA RIBEIRO PRESTES, MARIANA RIBEIRO PRESTES, ROSA RIBEIRO PRESTES, ZOIA
RIBEIRO PRESTES, e demais dependentes econômicos, se houver, a reparação
econômica em prestação mensal, permanente e continuada no valor de R$ 9.204,48
(nove mil, duzentos e quatro reais e quarenta e oito centavos), cabendo a cada
uma das requerentes, respectivamente, os percentuais equivalentes a 50%, 12,5%,
12,5%, 12,5%, 12,5%, de cada prestação acima concedida, nos termos do artigo 1o- ,
incisos I e II da Lei no- 10.559, de 14 de novembro de 2002",
resolve: CONSIDERAR, transferido para o Regime do Anistiado Político de que
trata a Lei no- 10.559, de 13 de novembro de 2002, o anistiado político
"post mortem" LUIZ CARLOS PRESTES, por imposição do disposto na
Portaria no- 1339, de 1o- de julho de 2005, do Ministro de Estado da Justiça.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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