quarta-feira, 25 de junho de 2014

Arnaldo Jabor: Entrevista exclusiva com Stalin


“Entrevista? Eu?”
- Sim, camarada Stalin... Estamos em um momento histórico importante... O camarada está sendo relembrado em tantos países, inclusive na Rússia. O camarada está na moda...

- Você é do Brasil, não é? Saudades do Prestes... Ele está onde?
- Morreu e deve estar por aqui.

- Aqui neste limbo onde estou não tem ninguém. É o purgatório dos ditadores; não há ninguém para nos ouvir. Imenso céu branco e vazio. Esta é a nossa punição.

- Você está feliz aqui, “tovarich”?


- Eu virei uma sombra do que fui; sou até usado como xingamento, confundido com os fascistas e nazistas que eram uma imitação barata do bolchevismo. Esses merdas deviam me agradecer porque não existiriam se eu não tivesse mandado aqueles comunas alemães não votar na social-democracia, nossa principal inimiga. Aí, o nazismo ganhou. Se não fosse eu, o Hitler não tinha subido...

- Você tem orgulho do comunismo?


- O comunismo, camarada, é o substituto do sonho de “imortalidade” dos cristãos. Comunista não morre; vira um conceito. O homem é um ser social, não é? Pois é: o ser social nunca morre. O indivíduo é uma ilusão que criou essa dor melodramática. Quem morre é pequeno-burguês.

- Mas, na boa, camarada, você matou muita gente...

- Me acusam muito de crueldade, mas fazíamos uma mutação na vida humana e é impossível fazer uma revolução sem crueldade, sem tirania… O próprio Hitler, que me plagiava, disse: “Temos de ser cruéis. Temos de manter a consciência tranquila de sermos cruéis”. E eu digo que se não fôssemos cruéis não teríamos o socialismo. Como é que eu ia coletivizar a agricultura sem matar uns 800 mil “kulaks”, aqueles camponeses alienados, chupa-sangues, vampiros?

- Mas, camarada, você não exagerou?


- Ora, tanto faz. A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística. Temos de combater essas inibições pequeno-burguesas. Tivemos que dar muito conhaque para meus militares baterem um recorde: 28 mil traidores fuzilados em quatro semanas. Sete mil por semana. Os soldados, ainda calouros no bolchevismo, tinham de beber muito para cumprir minhas ordens... Vomitavam, choravam, mas deram conta. Foi um dos meus recordes. Sem contar os 40 mil oficiais do Exército que fuzilei. A única frase do canalha do Trotsky que presta é: “Quem foi que inventou que a vida humana é sagrada?”.

- Mas o camarada não sentia culpa?


- Nada. A compaixão é um sentimento de enfermeiras, assim como a gratidão é uma doença de cachorros... Cá entre nós, não tenho mais de esconder nada, a euforia que me tomava com a morte de milhares de homens por minhas ordens era uma deliciosa vertigem. Muita gente que justicei não tinha noção da maravilha que era construir o Homem Novo. Eu comecei a construção do soviético essencial: frio, fiel escravo do Partido que está sempre certo. Vocês têm na terra um bom exemplo: a Coreia do Norte. Mas aquele garoto é um estúpido feito o pai. São um exército de imbecis. Você viu o ridículo: todo mundo fingindo chorar quando morreu o papai do garoto? Eu fazia uma história nova; não esta historinha burguesa não, mas a História! Já pensou: milhões de homens iguais a mim? Eu, eu, eu, milhões de Stalins? 

O Homem Novo não sente falta da individualidade perdida. Ele ganha o encanto infinito da servidão, a religião, a alegria de pertencer a um partido infalível. Dá um alívio não ter que pensar, só obedecer. Ainda bem que os camponeses russos eram analfabetos e não podiam ler jornais e livros do país. Aliás, Hitler escreveu: “Que sorte para os ditadores que os homens não pensem.” A construção do Homem Novo custou muito sangue, eu sei, mas não tinha outro jeito. Difícil foi na Ucrânia, quando proibi comida naquele buraco de traidores e de “kulaks” reacionários. 



Morreram mais de 4 milhões de fome, teve até canibalismo, dizem, mas a Ideia justifica tudo.
- Mas, camarada, você sempre falou que almejava a democracia…
- Eu falei foi sobre o centralismo democrático do Partido; não essa besteira de democracia burguesa sem controle, sem comando. Eu comandei a democracia interna sempre. Quando tive de expurgar agentes trotskistas, foi também uma festa poder limpar as estrebarias do Comitê Central. Dos 139 membros, fuzilei 98... Ah... Saudades do Zinoviev, Kamenev, Rykov, Bukharin…
- Eles tiveram liberdade de defesa?



- “Liberdade para quê?”, como respondeu Lenin quando vencemos. Com liberdade não teríamos fuzilado a família do czar Nicolau II; só um bolchevique profundo teria sangue frio para ver as criancinhas morrendo sob balas. Esse é o preço da liberdade: a vigilância absoluta. Mas, o Brasil está seguro contra os perigosos agentes de direita, neoliberais e espiões do imperialismo. Vocês sabem que nós criamos os “sovietes” na Rússia, os conselhos, como chamam vocês... Parabéns. Os conselhos são um primeiro passo para controlar essa besteira de democracia representativa, que vocês tiveram a sabedoria de usar, mas agora atrapalha a construção do bolivarianismo (ah, esse meu filhote bastardo...). Ao menos minhas ideias ainda repercutem… 


Veja a Venezuela, Argentina, tantos seguidores. A única coisa que importa é o controle da sociedade. Temos de tutelá-la. Eu já disse uma vez: o povo deve ser educado com o mesmo cuidado com que um jardineiro cultiva uma árvore de estimação. As ideias são muito mais poderosas do que as armas. Nós não permitimos que nossos inimigos tenham armas, por que deveríamos permitir que tenham ideias? Acho que seu país está no bom caminho: controlar a mídia, como vocês chamam hoje. A imprensa é a arma mais poderosa de nosso partido e vocês vão seguir nosso exemplo. 


Toda propaganda tem que ser popular e acomodar-se à compreensão dos menos inteligentes. Como você vê, estou repetindo as frases da besta do Hitler. Mas ele nos deu um bom conselho, que serve muito para seu país, caro jornalista: “Quanto maior a mentira, maior é a chance de ela ser acreditada”. O povão não sabe nada. É isso aí, cumpanheiros: vão em frente que a luta continua...

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