quinta-feira, 17 de julho de 2014

Movimentos sociais se perguntam: Banco dos Brics para quê? E para quem?



Debates sobre um tipo de desenvolvimento que efetivamente possa alterar para melhor a vida da maioria das pessoas que habitam Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul estão acontecendo desde ontem, em Fortaleza, num evento paralelo à reunião oficial dos Brics. Organizado pela Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), o evento reúne representantes de movimentos sociais de cerca de dez países, agregando aos cinco emergentes outras nações latino-americanas, asiáticas e africanas que também se sentem parte do processo de discussão.  Em pauta, hoje, está a criação do Banco dos Brics (veja aqui).

Segundo a repórter Camila Nobrega, do Canal Ibase (veja aqui) que está acompanhando a reunião, há uma incerteza no ar com relação à criação de mais uma instituição financeira que tem, na teoria, o papel de dar meios para que os países possam se desenvolver.

Uma das organizadoras do evento paralelo, a socióloga Graciela Rodriguez, do Instituto Equit, afirma que a própria criação dos Brics reproduz o que ela chama de “captura corporativa da política”. E reitera:

“Quem será beneficiado pelo banco dos Brics não é a população, mas sim as grandes empresas desses países.”

A afirmação de Graciela se baseia no fato de que o Banco dos Brics, criado com o objetivo de financiar projetos de infraestrutura, vai beneficiar, na verdade, muito mais as corporações que encabeçarem tais projetos, como a construção de hidrelétricas, por exemplo. Ou mesmo o setor de mineração. Os movimentos sociais reunidos em Fortaleza denunciam a falta de parâmetros definidos para a autorização de tais empreendimentos e que levem em conta os impactos socioambientais.

Aqui no Rio, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) acaba de divulgar um documento em que a organização, fundada nos anos 90 pelo sociólogo Betinho, ajuda a se criar outra reflexão sobre a fundação dos Brics. Seria muito mais uma preocupação política, de ampliar o poder dos emergentes junto aos grandes. Segundo o texto, o crescimento de Brasil, Rússia, Índia e China juntos, no período de 2003 a 2007, representou 65% da expansão do PIB mundial.

“Em paridade de poder de compra, o PIB dos BRICS já supera hoje o dos EUA ou o da União Europeia. Se em 2003 os BRICs respondiam por 9% do PIB mundial, já em 2009, esse valor aumentou para 14%. Em 2010, o PIB conjunto dos cinco países (incluindo a África do Sul), totalizou US$ 11 trilhões (18% da economia mundial) e, em 2013, esse valor saltou para US$15,8 trilhões, equivalentes a 21% da economia mundial. Considerando o PIB pela paridade de poder de compra, esse índice é ainda maior: US$ 19 trilhões, ou 25%”, lembra o documento.

A pergunta-chave que os movimentos sociais se fazem nesse momento é: “necessitamos, realmente, de um banco de desenvolvimento?” Além disso, qual seria o diferencial dessa nova entidade quando comparada com os bancos de desenvolvimento já existentes nos países que formam o bloco? “A razão para a constituição do Banco dos Brics parece estar na busca de um progressivo ganho de escala e na construção de um mecanismo de disputa de poder em escala planetária”, diz o documento do Ibase.

Uma outra questão para os ativistas que ontem à tarde fizeram uma caminhada de protesto pela Arena do Castelão, em Fortaleza, contra a criação do Banco dos Brics, é que não está definido como serão estabelecidos consensos sobre quem terá prioridade no financiamento dos projetos. Levando em conta as diferenças geográficas e setoriais dos países em questão, isso pode, de fato, ser um problema.

Na verdade, essa reunião de cúpula oficial dos Brics, assim como a criação do Banco, tem possibilitado uma reflexão ainda maior sobre o tipo de desenvolvimento que as populações almejam e aquele que está sendo configurado pelas autoridades e pelo mundo das corporações.

“Seria possível – não agora, mas como horizonte – avançar em propostas de organização da sociedade e da economia capazes de permitir o consumo e o acesso igualitário da população aos bens e serviços produzidos, garantindo simultaneamente políticas de cuidado e respeito pelos bens comuns e pelos limites do planeta?”, pergunta-se a ONG do Betinho no documento que acaba de divulgar.

Há chance de ser diferente, acreditam os ativistas. Mas um novo caminho só pode, de fato, mudar alguma coisa, se ouvir o que têm a dizer os representantes das populações que, no fim das contas, serão diretamente beneficiadas ou impactadas negativamente com a criação de um novo totem do mundo financeiro. 

O novo Banco de desenvolvimento pode trazer algum tipo de expectativa positiva, no sentido de auxiliar países da África, Ásia e América Latina a traçarem um caminho de desenvolvimento verdadeiramente social. Mas pode ser mais um passo no velho e conhecido processo que exclui e explora.

Algumas sugestões são dadas no documento divulgado pelo Ibase. Para que o novo banco seja igualitário e ajude a criar, verdadeiramente, um novo paradigma para o desenvolvimento sustentável global, é imprescindível que dele participem outros países que precisam ter condições de crédito facilitadas. 

A participação da sociedade civil sobre a decisão de financiar projetos ou não deve ter seu lugar. E o Banco deveria ter um forte departamento de pesquisa que pudesse ajudar a conhecer melhor a realidade dos países do Sul Global.

“É um fato que o setor privado é incapaz de canalizar os mais de US$ 800 bilhões (valor estipulado do gargalo de infraestrutura dos países subdesenvolvidos) necessários para melhorar as condições para os milhares de milhões que não têm acesso à energia elétrica, água potável, saneamento básico e outras necessidades. Um banco de desenvolvimento ancorado em mercados emergentes e países em desenvolvimento pode ajudar a resolver esta lacuna histórica e tornar-se um poderoso catalisador para a mudança”, enfatiza o documento do Ibase.

Por último, há a necessidade de se debater fortemente sobre o que, de fato, significa o “desenvolvimento sustentável” que o Banco dos Brics poderá ajudar a criar. Entendem os ativistas que esta expressão, hoje, está diretamente vinculada a “violações dos direitos fundamentais das populações atingidas” por atores como bancos multilaterais, agências internacionais de desenvolvimento e multinacionais que não respeitam mais nada que não seja seu próprio crescimento financeiro.

No fim das contas, o que os movimentos sociais querem é ser ouvidos, entendendo que a criação de um novo banco de desenvolvimento não é um acontecimento que deva ser discutido apenas numa reunião de cúpula. A isso se chama democracia.

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